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Título: Avaliação geoambiental da Ilha da Trindade (Brasil) Fernanda Avelar Santos

fernanda.avelars@gmail.com Orientadora: Maria Cristina de Souza

Coorientador: Rodolfo José Angulo (LECOST/UFPR) Lázaro Valentin Zuquette (EESC/ USP)

Palavras-Chave: fontes de eventos perigosos; geotecnologias; mapeamento geológico-geotécnico.

Introdução

A Ilha da Trindade é o território offshore brasileiro mais distante da costa, situada no Atlântico Sul (20.5°Sul, 29.3°Oeste), dista 1.140 km do setor sudeste da margem continental brasileira. Atualmente, possui uma discreta área emersa com 13 km², 6 km de comprimento, 2,5 km de largura e 600 m de altitude máxima. Desde a sua descoberta no início do século XVI (Lobo, 1919) a Ilha da Trindade foi ocupada esporadicamente e de maneira descontínua, sendo que somente a partir de 1957 passou a ser ocupada permanentemente pela Marinha Brasileira até os dias atuais (Mayer, 1957, Almeida, 2002). Devido à morfologia e evolução natural da paisagem a atual ocupação da ilha está exposta a processos geológicos exógenos, principalmente aos eventos relacionados a processos erosivos decorrentes da ação das águas e de movimentos de massa gravitacionais relacionados à queda, tombamento e fluxo de blocos de rochas. Portanto, o objetivo desse estudo é avaliar e determinar, por meio das premissas da cartografia geoambiental, a suscetibilidade para cada tipo de fonte de eventos naturais perigosos e propor medidas de prevenção e remediação viáveis de serem aplicadas na ilha. As técnicas aplicadas na presente pesquisa, podem ser reproduzidas em regiões remotas ou de difícil acesso, que apresentam relevos acidentados de difícil caminhamento, que demandem poucos recursos humanos e baixo custo para serem executadas.

Figura 1: Localização da Ilha da Trindade no extremo leste da Cadeia Vitória Trindade no Oceano Atlântico Sul, (Imagem: GEBCO, 2020). Detalhe do modelo digital de elevação da Ilha da Trindade com destaque à área habitada na costa leste. Também mostra a ilha vista em perfil (orientação SE – NW) que explicita o atual relevo acidentado constituído por estruturas vulcânicas remanescentes.

Contexto Geoambiental da Ilha da Trindade

Almeida (1961) delimitou estratigraficamente a ilha em cinco episódios vulcânicos constituídas por

derrames, estruturas fonolíticas e sequências piroclásticas, que foram nomeados nas seguintes unidades, em ordem cronológica: Complexo de Trindade (CT), Sequência Desejado, Formação Morro Vermelho

(FMV), Formação Valado e Vulcão do Paredão. O relevo atual da ilha é resultado da intensa erosão pluvial do edifício vulcânico e caracteriza-se pela sua heterogeneidade geomorfológica e geológica. Os diversos montes íngremes proeminentes na paisagem correspondem a estruturas remanescentes dos antigos vulcões que construíram o terreno emerso da ilha, tais como diques, necks e domos (Almeida, 1961), além de cones de escórias remanescentes (Figura 1). Em relação ao clima, predomina o Tropical Oceânico (Marinha do Brasil, 2011), que é caracterizado pelas elevadas temperaturas (variam entre 22.9 °C e 27,7 °C), alto teor de umidade (evaporação oceânica) e média de precipitação anual de 921mm, com mínimo de 64 mm e máximo de 215 mm de médias mensais (Pedroso et al. 2017). Devido a sua posição geográfica a ilha encontra-se sujeita a eventos climáticos episódicos, tais como ciclones extratropicais, linhas de instabilidade e frentes frias (Cavalcanti et al., 2009).

Materiais e Métodos

Para a realização do estudo foi adaptada a metodologia de mapeamento geotécnico ambiental, desenvolvida na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC – USP

)

, que consiste na elaboração de uma sequência hierarquizada de mapas. Devido à ausência de dados técnicos e temporais fundamentais para estudos geotécnicos, e a inexistência de modelos digitais do relevo que permitam visualizar as feições na escala de detalhe, os atributos foram coletados integralmente no presente estudo, a partir de três etapas de campo (maio de 2017, abril de 2018 e 2019), laboratório e pós processamento de dados. A escala adotada foi de 1:1.500. A seguir encontram-se detalhadas as etapas do estudo, que inclui as variáveis delimitadas como inerentes aos processos geodinâmicos da área de estudo (Figura 2).

Figura 2: Workflow das etapas desenvolvidas no presente estudo. Os quadros em azul referem-se as etapas já concluídas, em amarelo representam os dados que serão obtidos até o fim do projeto (banco de dados temporal), em verde as etapas que estão em andamento e em vermelho as etapas futuras (serão concluídas até a defesa da tese em 10/2022).

Resultados

Conforme proposto no projeto de pesquisa, a primeira etapa refere-se à aplicação de geotecnologias (RPAS, RTK GNSS, Laser Scanner) para estudos geoambientais. Neste trabalho, os métodos de aquisição foram executados na parcela (área piloto) selecionada para o monitoramento das feições ativas (próximas da ocupação).

A segunda etapa da pesquisa trata-se do mapeamento geológico-geotécnico, que inclui os tipos de eventos perigosos identificados e os seus mecanismos deflagradores. A partir dos mapas temáticos, monitoramentos e análise dos dados obtidos até o momento, as bacias hidrográficas habitadas (3,5 km²) foram divididas em nove unidades geológica-geotécnicas (Figura 3), que encontram-se sumarizadas a seguir.

Figura 3: Mapa simplificado das unidades geológica-geotécnicas da área de estudo na Ilha da Trindade (Curva de nível de 5 em 5 metros, fotografia aérea de 2018 disponibilizada pela Universidade Federal de Viçosa).

• Unidade 1: Vale efêmero localizado na zona central da área de estudo, no qual afloram rochas da FMV. Foram identificados derrames nefeliníticos (camadas descontínuas, moderadamente até muito alteradas, alto grau de fraturamento, localmente friáveis, variação na densidade de vesículas). Tais derrames encontram-se intercalados por depósitos piroclásticos fragmentados, nos quais afloram na base dos estratos tufo brecha (espessura máxima 45 m, horizontes descontínuos, friáveis, extremamente alterados, alta densidade de cavidades com até 2 m de diâmetro), sobrepostos por lapili tufo e tufo (espessura máxima de 1 m, descontínuos, completamente alterados, friáveis, textura parcialmente preservada). Identificou-se a montante do vale (equivalente ao cone de escória remanescente da FMV) alta densidade de erosão linear (sulcos e ravinas). Ao longo do vale ocorrem erosão marginal, erosão interna, movimento de massa gravitacionais tais como fluxo (de lama e detritos), queda e rolamento (de blocos e detritos). A jusante o vale aprofunda-se (máx. 20 m de profundidade) e alarga-se (máx. 35 m de largura) com a exposição dos tufos brechas (feição linear tipo voçoroca), no qual identificou-se evidências de materiais geológicos expansivos (trincas em superfície e profundidade), evidências de subsidência natural (feições de afundamento e colapso nas vertentes), erosão marginal e assoreamento.

• Unidades 2, 3, 4: Encostas, que afloram a FMV, e destacam-se devido à alta densidade de feições erosivas lineares (sulcos, ravinas e voçoroca), além de apresentar baixa cobertura vegetal (esparsas, pequeno a médio porte, eventualmente inclinadas). Destaca-se a espécie exótica Guilandina bonduc (porte médio), que caracteriza-se por ocorrer isoladamente (sem outras espécies, como as gramíneas que são comuns e endêmicas da região) criando halos de erosão ao seu redor. Os litotipos do substrato rochoso são os mesmos descritos na unidade 1. Os solos da área de estudo, ocorrem majoritariamente com espessuras centimétricas, apresentam baixo grau de evolução pedogenética e são predominantemente transportados. A formação de solo residual ocorre localmente nas regiões de baixa declividade. Além das feições erosivas lineares, identificou-se erosão intersulcos, fluxo (detritos, solo e blocos), movimentos gravitacionais complexos (queda/rolamento de blocos transformados em fluxo), evidências de materiais geológicos expansivos (trincas em superfície e profundidade). Além disso a unidade 2 (encosta mais próxima das edificações), que é delimitada no topo por depósitos de tálus (blocos decamétricos) da unidade 5, apresenta evidências de espalhamento e rastejo. As trilhas de acesso coincidem com áreas que apresentam erosão acelerada. Todas as drenagens dessas unidades são efêmeras.

• Unidade 5: Trata-se da vertente de maior declividade, cujo materiais geológicos pertencem ao CT. A superfície é recoberta por sedimentos retrabalhados (espessuras métricas a decamétricas,

pontualmente aflora substrato rochoso) de blocos predominantemente fonolíticos (< 1 m até > 30 m de diâmetro, levemente a moderadamente alterados). As direções de fluxos (N30W, N-S, N30E) são coincidentes com a localização das edificações. Os morros testemunhos do CT que compõem a unidade 6, representam a principal fonte dos blocos. Os substratos rochosos que sustentam os depósitos de blocos são as sequências de derrame e rochas piroclásticas da FMV (limite leste, representam 15 % da área total) e brechas fonolíticas do CT. Tais brechas do CT foram descritas como mal selecionadas, com fragmentos de dimensões milimétricas a métricas, extremamente alteradas, predominantemente friáveis em superfície, com porções completamente alteradas nas quais verificou-se a formação de solo residual. As feições de movimento de massa gravitacionais do tipo quedas, rolamento e tombamentos (de detritos e blocos que geram depósitos de tálus nas vertentes), escorregamentos translacionais e em cunha, fluxos de blocos e detritos, movimentos complexos (queda/tombamento de blocos transformados em fluxo, escorregamentos seguidos de fluxo). Verificou-se erosão nas zonas aflorantes do substrato rochoso, e solos saprolíticos transportados. É constituída por drenagens efêmeras e limitada a oeste por uma das únicas drenagens perenes da área de estudo. Representa a unidade com a maior densidade de vegetação não exótica (gramíneas de porte pequeno a médio que recobrem 55% da superfície). No entanto verificou-se a supressão das gramíneas no limite leste, ambas relacionadas com o avanço (direção NE-NW) da Guilandina bonduc e dos processos erosivos (em profundidade e superfície) das unidades 2 e 4.

• Unidade 6: Tratam-se das estruturas vulcânicas remanescentes do CT, descritas morfologicamente como neck (Pico preto) e domo (Pico Pontudo e Grazinas). Apresentam composição fonolítica, com grau de fraturamento alto, levemente até moderadamente alterados (intemperismo predominante nas descontinuidades). Em campo foram descritas cinco famílias de fraturas principais (direção preferencial NS e N30W). As análises geomecânica por meio de dados obtidos por Laser

Scanner, estão em andamento. Verificou-se evidências de queda, tombamento, escorregamentos

translacionais e em cunha.

• Unidade 7: Localizada na zona oeste da área de estudo, o relevo assemelha-se com a unidade 5. É constituída por brechas do CT (mesmas características da unidade 5). O terreno é majoritariamente recoberto por blocos fonolíticos e piroclásticos do CT, e aproximadamente 60 % da superfície apresenta cobertura vegetal (gramíneas de porte médio). As feições de fluxos de blocos e detritos, erosão nas zonas aflorantes do substrato rochoso, e solos saprolíticos transportados. Nas regiões em que ocorrem a espécie Guilandina bonduc, observou-se avanço da erosão e denudação da superfície. A unidade é constituída por drenagens efêmeras.

• Unidade 8: Corresponde a única drenagem perene da Ilha da Trindade que é viável de abastecer a habitação, na qual foi construída uma infraestrutura de captação e filtragem de água. A Ilha da Trindade é a única ilha oceânica brasileira com nascentes de água doce, o que viabiliza a ocupação no local. Nas vertentes do rio afloram rochas do CT, correspondentes a brechas (descritas na unidade 5 e 7), cujo horizontes são descontínuos, instáveis, extremamente alterados e predominantemente friáveis. Verificou- se processo de assoreamento, evidenciado pela erosão marginal nas vertentes, detritos e blocos transportados no fundo do rio, além da água do rio apresentar coloração marrom após episódios chuvosos (água encanada da ocupação fica inviável de consumo durante eventos chuvosos episódicos). Verificou- se que o avanço da Guilanda Bonduc está intensificando os processos erosivos na região.

• Unidade 9: Localizada no sopé das encostas e próxima a costa, representa a região mais plana da área de estudo (correspondente a planície aluvial, praias modernas de areia e cascalho). É constituída por sedimentos transportados (finos até blocos decamétricos) da FMV e CT. Verificou-se formação de solo residual. Representa a unidade na qual concentra-se as atividades antropogênicas, que inclui edificações, infraestrutura, alojamentos, áreas de lazer e também o principal acesso da ilha da Trindade (praia da Calheta, e secundariamente a praia dos Portugueses).

Os resultados parciais dos monitoramentos executados demonstraram que a área mapeada apresenta uma intensa erosão hídrica condicionada pela ação do escoamento de águas superficiais, ocorrendo desde erosões no estágio inicial (intersulcos) até erosões lineares profundas. Assim, o que pode ser observado é uma fase de intenso desgaste do relevo e formação de vales a partir de feições estruturais primárias (lineamentos). Além disso, os eventos climáticos episódicos (alta pluviosidade e intensidade em um curto período) são importantes agentes no transporte e remoção de solos, bem como na deposição.

Discussões e Conclusões

O levantamento geoespacial por meio de geotecnologias demonstraram-se fundamentais nos estudos geoambientais de detalhe. Tais modelos (resolução espacial e altimétrica centimétrica) executados, permitiram visualizar e mensurar as feições erosivas, gravitacionais, lineamentos e descontinuidades,

quebras de relevo, e relacionar feições com as fácies litológicas aflorantes. Tais análises são inviáveis de serem executadas a partir dos dados geoespaciais pré-existentes. Além disso, as bacias hidrográficas da região habitada diversos problemas de ordem geoambiental, tais como a existência de setores sob risco de desestabilização, processos geodinâmicos ativos com geração contínua de sedimentos, suscetibilidade natural à ocorrência de processos erosivos e gravitacionais, assoreamento da drenagem de captação de água, supressão da cobertura vegetal e exposição dos terrenos, além do uso inadequado do terreno referentes as trilhas de acesso mal planejadas. A Ilha da Trindade é constituída por litotipos extremamente suscetíveis ao intemperismo químico e físico, que aliados aos aspectos fisiográficos da região, contribuem para uma dinâmica superficial intensa associada a erosão acelerada.

Os resultados alcançados até o presente ponto da pesquisa concernem as variáveis independentes inerentes aos processos geodinâmicos da ilha (representadas cartograficamente e numericamente) que permitiram compreender como se comportam e se agrupam. A pesquisa encontra-se no estágio do zoneamento geológico-geotécnico, para que então tais variáveis sejam aplicadas a modelos numéricos para gerar os documentos cartográficos interpretativos. Devido à exposição e heterogeneidade dos processos geodinâmicos em uma área relativamente pequena, a Ilha da Trindade é uma excelente área piloto para entender os mecanismos e interações dos processos modeladores da paisagem em regiões tropicais e montanhosas.

Atividades Futuras

As próximas etapas consistem: a) concluir o zoneamento geológico-geotécnico; b) etapa de campo para concluir o mapeamento digital de detalhe (RPAS com pontos de controle) em toda a área de estudo, dar continuidade aos dados de monitoramento, realizar a manutenção do pluviógrafo; c) concluir as análises físicas das amostras de solos; d) executar a modelagem numérica de interpolação das variáveis para a determinação quantitativa da suscetibilidade dos processos perigosos; e) participação no 17º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental (2021).

Agradecimentos

Ao Laboratório de Estudos Costeiros da UFPR (LECOST), a Marinha do Brasil, ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e à Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) pela infraestrutura apoio logístico e financeiro através do projeto número 442865/2015-5. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de estudo.

Referências

Almeida, F.F.M., 1961. Geologia e petrologia da Ilha de Trindade. Rio de Janeiro: Div. Geol. Miner. DNPM, mapa. (Monogr. XVIII), 198 p.

Almeida, F. F. M., 2002. Ilha de Trindade: Registro de vulcanismo cenozoico no Atlântico Sul. Schobbenhaus, C.; Campos, DA; Queiroz, ET, Winge, M, 369–377.

Cavalcanti, I.F.A, Ferreira, N.J., Dias, Silva, M.G.A.J. da, Dias, M.A.F. da, 2009. Tempo e Clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos, 13, 197-212.

General Bathymetric Chart of the Oceans (GEBCO), 2020. Válida em: https://www.gebco.net/. Acessado em: junho de 2020.

Marinha do Brasil, 2014. Comando do 1º Distrito Naval. Válida em: https://www1.mar.mil.br/com1dn. Acessado em: maio de 2018.

Pedroso, D., Panisset, J. de S., Abdo, L.B.B., 2017. Climatologia da Ilha da Trindade. In: Protrindade: programa de pesquisas científicas na Ilha da Trindade. 10 anos de pesquisas. Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar -SECIRM. Brasília, pp. 200.

Lobo, B., 1919. Conferência sobre a Ilha da Trindade. Arquivos do Museu Nacional, 22, 105-169. Mayer, E.M.,1957. Trindade, ilha misteriosa dos trópicos. Livraria Tupã Editora. Rio de Janeiro, pp. 159. Dados Acadêmicos

Modalidade: Doutorado. Data do Exame de Qualificação: 02/2021. Título Original do Projeto de Pesquisa: Mapeamento geológico-geotécnico e estudo da suscetibilidade à erosão e movimentos de massa gravitacionais na Ilha da Trindade - Brasil.

Data de Ingresso na Pós-Graduação: 09/2018; Área de Concentração: Geologia Ambiental.; Linha de Pesquisa: Evolução, dinâmica e recursos costeiros. Possui Bolsa: Sim (CAPES).

FAUNA E AMBIENTE DEPOSICIONAL DA FORMAÇÃO GUABIROTUBA

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