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3.1 A NOÇÃO DE SUJEITO

3.1.2 O tópico discursivo

A noção discursivo-funcional de tópico foi amplamente discutida em diversos estudos (GORSKI, 1994, 2000; COSTA, 2005; FREITAS, 2008; entre outros). Segundo Givón (1983), resumidamente, podemos encontrar desde uma visão semelhante às distinções de tema e rema, sendo o tópico enquadrado como tema (ou informação velha) (HALLIDAY, 1967 apud GIVÓN, 1983) – na combinação tópico- comentário – no nível sentencial, até uma visão mais alargada, expandindo a noção de tópico sentencial para o parágrafo, o que, consequentemente, eleva o conceito a um processo de sequencialidade referencial, ou, em termos givonianos, continuidade referencial (GIVÓN, 1983).

A oração é a unidade básica da informação. Uma palavra remete a um significado, mas somente a proposição – gramaticalizada através de uma oração – carrega a informação (GIVÓN, 1983, p. 7). Todavia, o discurso é multiproposicional. Desse modo, várias são as maneiras de articulação das informações entre as partes que constituem o discurso produzido em torno de uma temática. Uma delas, segundo Givón (1983), é a articulação através de parágrafos temáticos40, responsáveis pela articulação de informações menores que convergem para a temática discutida no texto/discurso. Esse seria o nível, de acordo com o autor, em que poderíamos observar o complexo processo da continuidade discursiva.

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Para que se possa efetivamente observar a continuidade discursiva, Givón (1983) destaca a necessidade de observação de três aspectos: continuidade temática, continuidade acional e continuidade de tópicos/participantes41. Desses três, o autor salienta ser primariamente importante a análise do mais concreto, a continuidade tópica, a qual está intimamente ligada à continuidade temática. Além disso, ainda conforme Givón (1983), os três aspectos não estão necessariamente imbricados, o que pode ser visto na seguinte passagem:

[...] Tópicos/participantes podem mudar dentro do discurso, sem necessariamente alterar ou a continuidade de ação, ou a continuidade temática. E a continuidade de ação pode ser alterada sem necessariamente mudar a continuidade temática. Isso é talvez justificado na visão dos três como uma hierarquia implicacional: Tema> Ação> Tópicos/participantes42. (GIVÓN, 1983, p. 8)

Na ótica do autor, o parágrafo temático está comumente associado a um tópico, o qual seria o principal responsável pela continuidade temática, porque o tópico é o participante mais propenso a ser codificado como tema principal – o sujeito gramatical – da grande maioria das sequências discursivas que compõe, por exemplo, um parágrafo de um texto escrito. Desse modo, para que se consiga efetivamente analisar a continuidade tópica, grosso modo, precisamos primeiramente avaliar a existência de tópicos codificados como tema principal (sujeito gramatical); posteriormente, em um continuum, avaliar os constituintes desse tópico; e, por fim, verificar se estamos diante de um tópico responsável pela continuidade temática (GIVÓN, 1983).

Como podemos perceber ao longo desta subseção, os termos

tópico e tema aparecem frequentemente intercambiáveis, remetendo à

mesma ideia: aquilo sobre o que se fala. Givón estabelece uma certa distinção ao reservar o termo tópico para o que podemos chamar de tópico referencial, e o termo parágrafo temático para designar uma

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No original: thematic continuity; action continuity; topics/participants continuity (GIVÓN, 1983, p. 7).

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[...] topics / participants may change within the discourse without necessarily changing either action continuity or theme continuity. And action continuity may change without necessarily changing thematic continuity. One is perhaps justified in viewing the three as an implicational hierarchy (or inclusion set): theme > action > topics / participants.

sequência multiproposicional que constitui um bloco informacional em torno de um dado assunto. A esse respeito, cabe aqui a reflexão feita por Görski (2000). De acordo com a autora, tópico pode ser considerado uma categoria híbrida, semanticamente organizada de modo hierarquizado e sintaticamente de modo linearizado:

No âmbito da frase, o tópico é explicitamente mencionado pelo falante, podendo ser codificado com diferentes graus de proeminência (tópico primário ou secundário), ou através de diferentes mecanismos de codificação que incluem a forma (SN pleno, pronome ou anáfora zero) e a ordenação pragmática (deslocamento, contraste etc). Já o tópico semântico-discursivo distribui-se ordenadamente por graus de abrangência, de modo que tópicos mais gerais dominam ou recobrem tópicos que sejam especificações do tópico global; daí podermos falar de tópicos e subtópicos. (Givón, 1990;1993). (GÖRSKI, 2000, p. 2)

Essa visão vai ao encontro do que Givón (1995, p. 345) expõe a respeito de as informações dispostas num texto estarem conectas numa ―rede de nós‖. Para o autor, esses nós, numa cadeia temática, são identificados através de referentes nominais tópicos, tendo em vista que, entre outras razões, os referentes nominais são cognitivamente mais salientes (GIVÓN, 1995, p. 380). Sob esse olhar, o autor lança mão de propriedades pragmático-discursivas da topicalidade, as quais podem ser associadas à previsibilidade referencial e importância temática.

Sobre essas propriedades, aludindo-se por inferência à continuidade tópica (GIVÓN, 2005), o autor, ao discutir as operações cognitivas presentes na coerência referencial, afirma que a oração que codifica um estado/evento é a unidade mínima para acrescentar nova informação codificada na memória episódica (CHAFE 1994; GIVÓN 2002). A oração é parte de uma unidade temática maior: a clause-chain (cadeia de orações), a qual, por sua vez, faz parte do parágrafo temático. Nessa perspectiva, é em torno desses tipos de referentes que eventos/estados são organizados, a partir dos quais conseguimos perceber o conteúdo multiproposicional (a temática desenvolvida, por exemplo).

O autor afirma que os participantes de estados/eventos, independentemente de seu papel semântico, assumem relações

gramaticais na oração: sujeito, objeto direto, objeto indireto. As duas primeiras são as mais centrais. As construções são mapeadas dos papéis semânticos para relações gramaticais em orações. Por exemplo, agentes tendem a ser sujeitos; pacientes podem ser sujeitos ou objetos diretos. Esse funcionamento é consequência da dimensão pragmática da topicalidade que subjaz as relações gramaticais. (GIVÓN, 2001a, p.108)

Givón (2001a, p. 195-197) lista as seguintes propriedades funcionais do sujeito gramatical: existência independente; indispensabilidade; referência absoluta; pressuposta ou persistente; definitude; topicalidade; agentividade. Segundo Givón, à exceção da agentividade, que é uma propriedade particularizada, todas as demais são derivadas de, e podem ser reduzidas a, uma única propriedade discursivo-pragmática: a topicalidade. São reflexos do fato de que o sujeito é o tópico primário do discurso gramaticalizado no momento em que a oração está sendo processada, e o objeto direto é o tópico

secundário gramaticalizado.

A ordenação dos constituintes – envolvendo, por exemplo, promoção a objeto direto, demoção de objeto direto, passivização – é claramente ligada à topicalidade e à continuidade referencial. De acordo com Givón, as propriedades de referência e topicalidade são as que apresentam, universalmente, mais transparência funcional; e as propriedades universais das relações gramaticais são suas propriedades funcionais.

A função pragmática de tópico não é intra-oracional, mas diz respeito ao contexto discursivo da oração. No entanto, a topicalidade é gramaticalizada dentro da oração. A distinção entre a proeminência cognitiva (com foco no evento) e comunicativa (com foco no discurso) dos participantes torna-se, por vezes, obscurecida. Givón propõe que a topicalidade é fundamentalmente uma dimensão cognitiva, que tem a ver com o foco da atenção em um ou dois participantes importantes de eventos/estados durante o processamento de situações com multi- participantes. Provavelmente por isso os participantes mais proeminentes sejam os tópicos gramaticalizados como sujeito e objeto direto.

Retomando as propriedades de argumentos tópicos no discurso antes mencionadas, de previsibilidade referencial e de importância temática, Givón (2001a, p. 198-199) duas medidas heurísticas de topicalidade, que se manifestam na distribuição textual:

(i) a acessibilidade anafórica (ou acessibilidade referencial) – argumentos marcados por algum mecanismo gramatical de

codificação como tópicos tendem a ter sido tópicos no discurso precedente.

(ii) a persistência catafórica (ou importância temática) – argumentos marcados gramaticalmente como mais topicais tendem a persistir mais no discurso subsequente.

Para que se possa quantificar a acessibilidade da informação, Givón (1988) propõe a seguinte metodologia:

a. Distância Referencial (DR), ou seja, o número de orações intercorrentes entre a última menção do referente e o referente em questão.

b. Interferência Potencial (IP), ou seja, o número de referentes semanticamente compatíveis encontrados nas três orações precedentes à oração em exame. (apud NAUMANN, 1996, p. 89)

No que se refere à Distância Referencial (DR), Givón estabelece um valor máximo de vinte orações precedentes, porque considera que a extensão média do parágrafo temática esteja entre 10-20 orações. Pode-se inferir que, em relação à Distância Referencial, quanto maior for sua medida, menos previsível é o referente; e quanto menos previsível o referente, mais urgente sua referência. Já o valor da Interferência Potencial é calculado com base em três orações precedentes ao dado em análise.

Nada de trivial tem considerar um referente como mais, ou menos, importante no fluxo discursivo. Segundo Givón (1988), deve-se dirigir a atenção ao falante (em nosso caso, ao produtor do texto), observando o que este considera mais importante no discurso e como ele apresenta essa informação para que seu interlocutor entenda-a como importante.

Para que se possa quantificar a importância da informação, Givón (1988, p. 248) propõe a seguinte medida catafórica: ―Persistência do tópico (PT), ou seja, o número de recorrências do referente nas 10 orações subsequentes a sua introdução‖.

A persistência tópica verifica por quanto tempo um referente permanece no discurso posterior desde a sua entrada. A persistência é expressa em termos de argumentos que recorrem (0–2 vezes = menos topical; (>2 vezes = topical) nas dez orações seguintes a sua aparição como sujeito (tópico primário) ou objeto (tópico secundário) em uma oração (GIVÓN, 2001a, p. 199).

Dado o exposto, podemos afirmar, grosso modo, ser o tópico discursivo o responsável pelo encadeamento informacional de uma mensagem. Ele pode ser observado na sintaxe através do tópico codificado na oração, mas depende do contexto discursivo em que está inserido.

Passemos ao conceito de sintagma nominal complexo, bem como às características sintático-semântico-discursivas de seus constituintes.