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PARTE I OS GUARANI-CHIRIPÁ NO LITORAL DE SANTA CATARINA

VII. ARAGUYDJE REKO TRANSFORMAÇÕES NO TEMPO ESPAÇO E AGRICULTURA

VII.2 Taape mirim organização cosmo-espacial

Em uma de minhas visitas a aldeia Amaral (Tekoa Mymba Roka90 - Biguaçu/SC), onde estive com o senhor Graciliano Moreira, irmão mais novo (-ryvy) de Alcindo, ele me levou com muita satisfação para conhecer a casa de rezas feita recentemente, que ficava no fim da estrada que atravessa a aldeia. Senhor Graciliano mudou-se para lá junto

90 O nome antigo desta aldeia era Kuri‟y (araucária; pinhão), tendo mudado em

meados de 2011 para Mymba Roka, que quer dizer “pátio das criações”, referente principalmente aos animais domesticados.

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de sua família recentemente e vem buscando fortalecer as atividades rituais e agrícolas na comunidade, apesar das dificuldades de acesso ao local e da pouca adesão dos moradores da aldeia às práticas rituais. Quando retornei a Mbiguaçu, trazendo para senhor Alcindo um pouco de erva-mate preparada por seu irmão mais novo, ele ficou muito interessado sobre as atividades agrícolas e religiosas na aldeia vizinha, viu as fotos que tirei da opy e pediu que eu descrevesse a localização dela na aldeia e sua disposição espacial em relação à trajetória solar.

No dia seguinte, enquanto tomávamos yvapytã rẽ‟ẽ91 na varanda da casa de senhor Alcindo, ele fez uma longa explicação sobre a organização espacial das antigas aldeias chiripá, desenhando no chão com um pedaço de madeira como elas eram dispostas na paisagem, com uma estrada principal vinda da direção do sol - leste -, o único caminho aberto de entrada, a casa de rezas no centro da aldeia - era chamada na época de kóty guatchu -, e a forma com que as casas de moradia das famílias - kóty‟i - deveriam ser posicionadas em relação ao kóty guatchu. Em volta das casas, o tcheramoῖ apontou as quatro direções do firmamento, demonstrando elas no ambiente com o próprio corpo, dizendo: - “Nhanderenonde, nhandekupe, nhandeatchua, nhandeatchua- e‟ỹ. Em volta das casas do desenho ele fez um círculo, chamando minha atenção para a circulação sentido em anti-horário, devido ao giro do sol e da chuva, sendo que as atividades da comunidade devem ser da mesma forma. Ele me explicou que isto está relacionado com percurso do sol e com o giro do vento e das chuvas no clima-mundo, que é do sentido sul para norte, que faz com que em Yvy Vai as coisas circulem em anti- horário.

A casa de rezas é o principal centro de interlocução entre os moradores das antigas aldeias e a sua deve estar fica na face oeste para que as pessoas circulem no espaço e entrem por ela “de frente”, voltado

91 O yvapytã rẽ‟ẽ é o suco feito com os frutos do pindóvy (jerivá; Syagrus

romanzoffiana), é uma bebida doce que segundo meus interlocutores previne contra vermes e fortalece a saúde das pessoas. O pindovy é a palmeira criada para sustentar o mundo, são as marcas da criação divina, que alimentaram os primeiros animais, o pekumbe (pica-pau) e o akutchi vevẽ‟i (espécie de cotia) e dela são extraídos uma infinidade de produtos, como as folhas para a cobertura de casas, do tronco se extraem larvas de besouro - ytcho -, com os brotos das folhas se prepara uma espécie de mingau de farinha de milho - pindo mbaipy -, as castanhas secas e trituradas podem ser misturadas com a farinha de milho seca - pindo rora. O yvapytã rẽ‟ẽ é um alimento divino, seu nome yva faz referência ao Yva Roka, o pátio da morada celeste de Nhandetchy Ete, nossa verdadeira mãe, onde estão plantadas as árvores e cultivares primevos; pytã é vermelho, quem sabe devido à cor dos frutos maduros; e rẽ‟ẽ corresponde ao sabor adocicado. Portanto, yvapytã rẽ‟ẽ corresponde a uma sinestesia que remete àquilo que existe no paraíso de Nossa Mãe (Nhandetchy Yva), sua tradução literal seria “doce paraíso vermelho”.

165 para o nascer do sol e saiam dela no mesmo sentido do caminho que faz Kuaaray pelo mundo. A circulação no espaço ritual também é realizada no sentido anti-horário, constituindo um elemento essencial para a orientação espacial das pessoas ao longo das cerimônias religiosas, “para não se perder”. As atividades agrícolas e a coleta de recursos também estão relacionadas com esta orientação espacial, para que a pessoa não se perca na mata e suas plantações sejam produtivas. Portanto, em termos “ideais”, toda a circulação espacial para as atividades nas antigas aldeias Chiripá eram um acompanhamento da trajetória de Kuaaray, associado à circulação dos ventos e as transformações do Araguydje, o ambiente onde acontece a vida humana, em meio aos instrumentos com que Nhanderu faz com que o clima- mundo se renove: - “Esse era o arandu de antigamente.”

Figura 16 - Reprodução do desenho de senhor Alcindo, mostrando a organização cosmo-espacial antigas das aldeias chiripá.

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* * *

A entrada do Tekoa Y‟ỹ Morotchῖ Vera está localizada no sentido leste da aldeia, em uma via de acesso pela rodovia BR101, que chega inicialmente no pátio da casa de senhor Alcindo, junto da casa de rezas - opy. As casas estão dispostas pela encosta de forma radial em relação à opy. A estrada principal segue até a escola, que fica na parte mais alta da aldeia, sendo estes dois os principais espaços de interlocução geral na comunidade. A escola, além de ser um espaço de convívio, é o local para onde se dirige a maior parte dos muitos visitantes juruá que vem a aldeia e onde acontecem reuniões entre o conselho de caciques - Comissão Nhemonguetá92 - e agentes de órgãos públicos, como MPF, Funai, UFSC, entre outras instituições. Por vezes, reuniões iniciam na opy somente com as lideranças indígenas e seus apoiadores, e em outras oportunidades, eventos solenes acontecem integralmente na casa de rezas.

Figura 17 - Reunião do conselho de caciques e lideranças indígenas na opy. Foto minha: acervo da pesquisa.

92 A Comissão Indígena Guarani Nhemonguetá/SC reúne caciques e lideranças

indígenas no litoral de Santa Catarina, contando muitas vezes com parceiros, conselheiros e articuladores externos. A Comissão fortaleceu sua articulação principalmente a partir da entrada do novo milênio, tendo sido criada com intuito de reunir as lideranças indígenas da região para tratar de assuntos de interesses coletivo, como regularização fundiária, atendimento de saúde, organização escolar, segurança alimentar, atividades econômicas de produção e subsistência nas comunidades e impactos decorrentes de projetos de crescimento econômico.

167 A casa do senhor Alcindo está junto da opy, sendo o espaço onde acontecem as articulações diárias para a produção da vida cotidiana, na reunião da família em volta do fogo, onde se tomam as decisões para as cerimônias religiosas, as atividades agrícolas, os pequenos mutirões do dia-a-dia, as conversas, orientações e tratamentos de saúde. Na lateral da casa do tcheramoῖ foi construída uma “casa de medicinas” para a preparação e armazenamento de remédios. Este espaço entre a opy e a casa dos anciãos foi o meu principal espaço de interlocução para a minha participação-experiência em seu arandu, sendo esta a válvula propulsora para o direcionamento deste estudo.

Várias trilhas e caminhos secundários se espalham pela aldeia, conectando a opy e a escola com as casas dos moradores, as áreas de acesso à mata e aos terrenos utilizados para agricultura. Os fundos da aldeia está à encosta coberta pela floresta subtropical atlântica, em estágio avançado de sucessão, com vários sinais do uso consecutivo da área como fonte de recursos, principalmente madeira para construção e lenha, mesmo assim a mata se encontra em bom estado de conservação. No interior da mata existe uma pequena aldeia chamada Tekoa Ita Poty, construída pela escola para reproduzir o modo de vida dos antigos, servindo para a recepção de turistas, apresentações do coral, sendo também um espaço de convívio. Grande quantidade dos produtos florestais importantes para os Guarani está fora da área demarcada, como cedro-rosa (yary; Cedrela fissilis), canelas (adjuy, Laureceae), cipó-imbé (guembe pi; Philodendron bipinnatifidium), açoita-cavalo (itchongy; Luhea divaricatta), yvyrarovi (Helietta longifoliata), kurupika‟y (Sapium glandullatum), sendo que alguns deles já não existem na região e existe uma reivindicação oficial da comunidade desde 2003 pela ampliação da área regularizada. A floresta é um componente constante na vida dos moradores, que percorrem as trilhas diariamente, principalmente para a coleta de lenha, além de acessar essas áreas também para a coleta de remédios, para caça e para retirada de material para construção, para artesanato e para fabricação e conserto de ferramentas93. A imagem da ocupação territorial da área demarcada demonstra com clareza e exiguidade da área para a manutenção do modo de vida tradicional.

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Em minha monografia em etnobotânica (OLIVEIRA, 2009) verso sobre o uso de recursos florestais e a suas áreas de ocorrência na região, relacionado com os limites da área demarcada como TI Mbiguaçu, tendo sido realizado o etnomapeamento da região em oficinas participativas com alguns dos moradores.

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As atividades para limpeza e plantio dos terrenos agrícolas é outra atividade que demanda trabalho constante, sendo uma das principais atividades cotidianas de senhor Alcindo e dona Rosa, que tem acompanhado menos nos últimos anos. Muitas vezes, o avanço nas práticas agrícolas depende do interesse dos mais jovens, que conta com incentivo do ancião, que atua como zelador e provedor dos jovens de sua família que o apóiam em suas demandas. Um de seus sobrinhos, Ronaldo Barbosa, é técnico agrícola e tem sido o principal articulador das atividades do ancião em relação à agricultura, sendo muito atuante nos trabalhos e colaborando na articulação dos mais jovens para a realização dos plantios. Ronaldo foi o meu principal orientador na prática das atividades agrícolas, tendo me ensinado desde como manejar direito uma foice até reconhecer as madeiras pelo gosto, pela cor e pelo cheiro.

A roça principal fica na parte da frente da aldeia, sendo acessado com o cruzamento da rodovia por uma passagem subterrânea que dá acesso a uma área utilizada intensivamente nos últimos dez anos, impulsionada pela regularização fundiária, em 2001. Senhor Alcindo muitas vezes conta que antes de ser viabilizada a ocupação da outra margem da rodovia, todos os cultivos eram feitos nas imediações do núcleo habitacional, que se encontra atualmente em pousio. O laudo antropológico para demarcação da TI traz algumas fotos dos plantios no local no ano de 1996, quando foi realizado o trabalho de campo (FUNAI, 1999). Outra área utilizada para roça fica mais aos fundos, na face ocidental, sendo estas as duas principais plantações de milho, feijão, amendoim, mandioca e melancia, sendo dada prioridade para o cultivo da agrobiodiversidade tradicional dos Guarani. A área no entorno das casas era utilizada como plantação nos primeiros anos de ocupação de Mbiguaçu, no final da década de 1980 até o fim dos anos 1990, e está sendo mantida em pousio, tendo sido inseridas mudas de palmeira-real e banana em parte do terreno. Mais aos fundos está uma plantação de banana com cerca de meio hectare, que vem sendo pouco manejada devido às restrições para comercialização do produto.

169 F ig u ra 1 8 - Im a g em d e satélite d o n ú cleo h ab itacio n al d a T I M b ig u açu , co m in d ic ação d e alg u m as d as ár eas d e u so .

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A ocupação espacial da comunidade mostra com nitidez o quanto é exígua a área demarcada, estando a comunidade indígena restrita no usufruto de seu território tradicional, as áreas de caça e coleta de recursos fundamentais para a manutenção do modo de vida são muito reduzidas, o que limita o crescimento da aldeia. É nítido que a sustentabilidade da comunidade em longo prazo não foi considerada no estudo de identificação e delimitação da Terra Indígena, coordenado pela antropóloga Iane Andrade Neves (FUNAI, 1999), além de podermos mencionar que ele não considera os limites geográficos e ecológicos da paisagem, sem incluir áreas de nascente, rios piscosos, áreas agricultáveis e a disponibilidade de recursos florestais variados, especialmente em relação às gerações vindouras. Além disso, é válido mencionar que logo nos primeiros anos da demarcação houve um rápido aumento da população da aldeia, tendo estabilizado devido em parte às normas “mais rígidas” impostas pelos Chiripá, com relação à religião, a política e a economia da comunidade, além da restrição ao uso excessivo de bebidas alcoólicas, fatores que fizeram com que muitas famílias não se acostumassem com o lugar. Atualmente existe uma insegurança geral quanto à manutenção do modo de vida no futuro, especialmente quanto ao aumento demográfico e a viabilidade de recursos ambientais, inclusive por causa do desmonte da legislação ambiental que está em andamento no Brasil, que irão agravar os desmatamentos na região da TI Mbiguaçu94. Na imagem abaixo podemos observar as principais áreas de uso e ocupação no interior da área demarcada.

Ao lado da BR101, na parte próxima ao mar, está situado o campo de futebol, que é um espaço de convívio frequente da

94 O novo Código Florestal brasileiro (Projeto de Lei n° 1876/1999, de autoria de

Sergio Carvalho - PSDB/RO) surgiu em substituição ao antigo, de 1965, tendo sido proposto ao congresso nacional pela bancada de madeireiros e corporações ligadas ao agronegócio para flexibilizar a legislação ambiental, atendendo aos interesses econômicos e socializando o prejuízo com o restante da população. De forma geral, a lei concede anistia aos crimes ambientais cometidos ao longo de 42 anos, propondo a redução das áreas de preservação permanente e de proteção aos mananciais, facilitando com que propriedades pequenas - ou latifúndios fracionados em lotes menores - não mantenham áreas de reserva legal e avancem mais a sua ocupação sobre os rios e remanescentes florestais. A tramitação do projeto de lei no congresso e no senado brasileiros foi amplamente veiculada pelos meios de comunicação em 2011, tendo sido manifestada por alguns guaranis a preocupação com a nova lei, especialmente pelo cacique Hyral Moreira, que aponta que os lotes no entorno da TI Mbiguaçu se enquadram nas características daqueles que não necessitam manter a reserva legal de floresta, o que irá permitir que os desmatamentos nos arredores avancem irrestritamente. Uma das preocupações centrais é com relação às fontes de água, pois as nascentes dos rios que banham e abastecem a aldeia estão fora dos limites da área demarcada: “Tu já pensou no Guarani comprando água?” - disse certa vez Hyral.

171 comunidade, sendo realizados muitas vezes torneios e jogos maiores, que envolvem a participação de várias aldeias. Outro espaço para estes eventos maiores é o pátio do cacique, onde há uma cozinha comunitária, onde são feitas celebrações em datas comemorativas, como o dia do índio, o aniversário da aldeia, sendo um espaço onde esporadicamente são também realizados bailes de vanerão e forró95. Percebo que tais bailes e os torneios de futebol são espaços de socialidade privilegiados na atualidade entre os guaranis da região, que muitas vezes envolvem a formação de caravanas de várias aldeias para eventos de alguns dias. Desconheço qualquer trabalho que aprofunde a investigação desses espaços e eu mesmo não vou avançar em relação a eles, quem sabe por minha própria experiência estar mais vinculada com as atividades agrícolas e a casa de rezas.

Figura 18 - Vista panorâmica da floresta de encosta na parte de trás da aldeia a partir da roça principal, no centro, a casa de artesanato e um ônibus de visitantes. Foto minha: acervo da pesquisa.

95 É interessante mencionar um fator sobre o qual não me lembro de nenhuma menção

nas etnografias, que é o gosto que tem os Guarani por músicas regionais e gauchescas, com um apreço muito particular pela sanfona. Conheci alguns Guarani que tocam este instrumento, como o cacique Hyral, além de ter ouvidos muitas histórias antigas de índios no interior do RS e SC que animavam baile dos brancos como sanfoneiros, ganhando dinheiro para sobrevivência e inclusive casando com mulheres juruá. Aparentemente, ser um bom sanfoneiro, um animador de bailes, era uma posição de prestígio entre os Chiripá e Paῖ daquela região, provavelmente em meados dos anos 1950-60, o que podemos relacionar com alguns fatores da herança musical do patrimônio cultural guarani, o que demanda um aprofundamento que não cabe a este estudo.

173 Figura 19-Croqui da Terra Indígena Mbiguaçu com a indicação das trilhas principais e dos limites da área demarcada.

175 VII.3 Nhanerembiapo - aquilo que nós fazemos

As atividades cotidianas na aldeia obviamente variam conforme cada família, sendo que entorno do núcleo familiar de senhor Alcindo e dona Rosa muitas atividades demandam práticas diárias, como a coleta de lenha para a cozinha e para o fogo doméstico. Como boa parte da vida é arranjada em volta do fogo, muitos hábitos estão relacionados com sua manutenção, como a coleta do tata‟y guatchu, o “guarda-fogo”, que é uma tora de lenha grande mantida com brasa, sobre a qual são colocados galhos mais finos quando se quer acender a fogueira dentro de casa, chegando a durar cerca de uma semana.

O fogão da cozinha, comandado por Sônia, também demanda um aporte diário de lenha para a preparação dos alimentos. É produzida diariamente grande quantidade de comida, pois muitas pessoas comem na casa dos anciãos, que fizeram um pequeno depósito na casa de medicinas para o estoque de alimentos secos industrializados, como arroz, feijão, trigo, macarrão, óleo de soja, ovos, açúcar, sucos em pó, farinah de mandioca, além de produtos da roça. como o amendoim, além de armazenar os vasos de cerâmica com uma bebida fermentada feita com farinha de milho que disseram tratar-se de kaguidjy. A casa dos anciãos também possui um congelador para o estoque de carne e uma geladeira, sendo que por vezes outros moradores da aldeia costumam vir para pedir comida ou recebem alimentos como presentes, principalmente carne e os pães feitos por Sônia. O feijão é um alimento diário, acompanhado de arroz ou macarrão e, por vezes com canjica- branca, prato chamado de djopara. As refeições normalmente são aacompanhadas, quando disponível,por algum tipo de carne, geralmente de galinha, vaca ou porco. Nos eventos maiores, como aniversários e comemorações da aldeia, o oferecimento de grande quantidade de carne assada é um emblema de coletividade, quando as pessoas se reunem na casa do anfitrião ou no pátio do cacique para a celebração com comida e música gauchesca. Alcindo e Rosa possuem hábitos alimentares um pouco diferentes dos demais moradores e frequentadores da sua casa, geralmente como somente carne ou sopa de feijão com um pão sem fermento feito com farinha de milho ou de trigo e assado nas brasas do fogo de chão, chamado mbudjape, normalmente com farinha de mandioca branca, à qual tem grande apreço. Vez ou outra são preparados pratos considerados tardicionais dos Guarani, como mbyta e mbeidju, bolos feitos respectivamente com farinha de milho e mandioca, entre outros como kai repoti (bolo de farinha de milho assado dentro de

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entrenós de taquara), ytcho (larvas de besouro do pindo; jerivá); yvapytã-rẽ‟ẽ (suco dos frutos maduros dos pindo), além de algumas carnes de caça, consumidas muito esporadicamente.

O fogo sagrado da casa de rezas (tataendy rekovẽ) é mantido aceso constantemente, sendo o estoque de lenha para sua manutenção renovada quase diariamente pelos jovens e apoiadores do trabalho espiritual, por vezes envolvendo mutirões maiores para coletar e para rachar a lenha. O trabalho na coleta de lenha exige o mapeamento mental da área de floresta para identificar os locais das fontes do recurso e principalmente habilidade com o machado para cortar e rachar as toras, o que faz com que desde jovens os rapazes aprendam a manejar essa ferramenta, o que lhes permite executar essa tarefa com maior facilidade. Além disso, é importante agrupar a madeira formando uma “cabeça” com a ponta dos ramos juntos, amarrando-os com cipó, para facilitar o transporte dos fardos, que são feitos às vezes por longos percursos ao longo das trilhas úmidas no terreno acidentado do interior da floresta subtropical. “Ajudar na lenha” é uma boa prática que parte dos visitantes da família acaba se envolvendo, e eu mesmo venho aumentando minha capacidade de colaboração, melhorando minha habilidade com o machado, as amarrações com cipó e a forma de caminhar nas trilhas carregando peso sobre os ombros.

Uma série de atividades também faz parte da rotina da família Moreira, especialmente os mutirões para o manejo das áreas de roça, que serão tratadas a seguir. Outra delas é a construção e a reforma de