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Seguindo a lógica de organização da estrutura conceitual da atividade proposta por Luis Radford (2013, 2018f, texto inédito), após o trabalho de leitura do texto ficcional os pequenos grupos foram convidados a uma discussão geral para apresentar o resultado dos registros escritos e sistematizações das ideias produzidas no curso da Tarefa 1.

O fragmento a seguir (ver Quadro 18), captado em áudio e vídeo, apresenta fragmentos das apresentações dos participantes do Grupo de Trabalho 3 (GT3) – composto por C2, C11 e

C12 – para apresentação dos registros produzidos no curso da tarefa. É importante destacar que,

para esse momento de apresentação das ideias sistematizadas, o grupo optou por nomear um representante – C2 – para fazer a fala.

Quadro 18. Apresentação das interpretações do GT3 sobre o texto ficcional.

Transcrição: Sessão 1 –Câmera 2 – Vídeo 6 – 01’04’’ a 01’33’’

Indivíduo: Turno de fala Transcrição de falas/Fragmentos de vídeos Comentários analíticos

C2: 01 E... uma coisa que eu também achei legal no texto

foi que dá para sentir... em pequenos detalhes que foi feito em outra época né? E a gente pode ver isso

nas referências que ela (Mary Shelley) dá... Tipo,

tem um momento que ela quer falar que o... o camarada lá... o Frankenstein, quer falar que o negócio ( o fato de ter feito a criatura) é muito feio, a referência que ele faz é do Dante Alighieri, da Divina Comédia que é MUITO, MUITO, MUITO velho.

O participante consegue inserir as informações encontradas na leitura dentro do contexto em que foram produzidas.

Fonte. Produzido pela autora.

Ver fragmento de Vídeo 1:

https://profmayaralarrys.wixsite.com/tese/sess ao-1-tarefa-2

Página | 139 No início das instruções para a leitura, destaquei que as práticas científicas descritas no conto de SF a ser lido se situavam em um outro contexto histórico, social e filosófico. Essa informação era importante porque, de acordo com André Martins (2015) que é o referencial de discussões sobre ciências assumido na investigação, olhar para práticas científicas dissociadas de seu contexto histórico de produção constitui-se em anacronismo, visão ingênua e equivocada a ser evitada na tessitura de compreensões sobre as ciências e seus processos de produção.

Atento às ideias apresentadas pela pesquisadora, C2 no turno de fala 01, consegue

identificar que o contexto da prática científica do Frankenstein situa-se em outra época a partir da referência literária ao Dante Alighieri que emerge no escrito. Além disso, é possível destacar que C2 consegue inserir as informações encontradas na leitura em seus contextos de produção,

postura que pode ser aproximada da aptidão de inserir informações nos contextos em que foram produzidas e, se possível, em seus contextos mais amplos apontada pelo pensador francês Edgar Morin (2003) como uma característica da noção de pensar bem. Para este autor, “o desenvolvimento da aptidão para contextualizar tende a produzir a emergência de um pensamento “ecologizante”, no sentido em que situa todo acontecimento, informação ou conhecimento em relação de inseparabilidade com seu meio ambiente – cultural, social, econômico, político e, é claro, natural” (MORIN, 2003, p. 25).

Na continuidade desse exercício interpretativo, C2 apresenta as demais compreensões

coletivas tecidas por seu grupo de trabalho – GT3 – para responder aos aspectos da prática científica do personagem ficcional solicitados na folha de trabalho conforme representado no fragmento a seguir, captado em áudio e vídeo:

Quadro 19. Continuação das interpretações do GT3 sobre o texto ficcional.

Transcrição: Sessão 1 –Câmera 2 – Vídeo 6 – 03’18’’ a 04’26’’

Indivíduo: Turno de fala Transcrição de falas/Fragmentos de vídeos Comentários analíticos

C2: 01 Um camarada ((se refere ao Frankenstein)) que

perdeu a mãe dois anos atrás, acho que já fazia dois anos... e já está tratando dessa forma. Aí ele fala

sobre o ciclo da vida, não do bonitinho que a gente vê na escola. O ciclo da vida como os vermes

comendo os corpos lá.

O participante reconhece distinções entre o ciclo da vida descrito no texto

ficcional e o

experimentado na escola.

{ } ( )

C2: 02 Em relação à ética de característica, objetivo...

também tem a ética da divulgação do conhecimento porque aparentemente essa descoberta teria sido revolucionária, só que ele

O participante entende a divulgação científica como uma postura ética a

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pega e “não, vou guardar para mim porque os meus interesses são maiores que o da sociedade” ((o participante criou uma fala para o Victor Frankenstein a partir de suas interpretações da leitura)).

ser praticada na produção das ciências.

C2: 03 Acho que isso é antiético, pelo menos do meu

ponto de vista. Isso é antiético... A violação dos

corpos que teve a fase de experimentação... Antes da experimentação ele ficava vendo né? Ficava vendo a deterioração dos corpos ...

O participante destaca que os aspectos apontados na leitura são antiéticos a partir do seu ponto de vista e não necessariamente

corresponde a uma acepção generalizada. Fonte. Produzido pela autora.

Durante a apresentação das impressões sobre a leitura de SF empreendida, C2 no turno

de fala 01 ressalta que o ciclo da vida descrito no texto ficcional difere daquele estudado na escola, no sentido em que não se resume aos processos de deterioração do organismo. Para estabelecer distinções entre diferentes narrativas de um mesmo fenômeno, neste caso o ciclo da vida, é necessário ter consciência do modo como o fenômeno em estudo se processa, ou seja, quais são suas características. De acordo com Luís Radford (2014a, 2017b), a tomada de consciência é um processo social, emocional e sensível mediado pela cultura material que permite ao sujeito se posicionar de modo crítico e reflexivo frente a saberes científicos histórico e culturalmente constituídos. Partindo dessas proposições é possível supor que C2 em processo

de tomada de consciência, no sentido dialético-materialista do termo, mobiliza modelos

psíquicos sobre o ciclo da vida, uma vez que é capaz de estabelecer diferenças ao examinar a

descrição do fenômeno em questão.

Ao analisar a prática científica do Victor Frankenstein, C2 no turno de fala 02 destaca

como postura antiética o fato de o cientista não ter divulgado os resultados de sua prática à comunidade científica. Essa compreensão pode ser aproximada da compreensão proposta por Raquel Gonçalves-Maia (2011) de ética como uma componente da atividade científica que deve ser permeada por uma responsabilidade social do investigador em relação à comunidade

Ver fragmento de Vídeo 2:

https://profmayaralarrys.wixsite.com/tese/sess ao-1-tarefa-2

Página | 141 científica, responsabilidade que envolve a honestidade na produção e divulgação dos conhecimentos científicos produzidos. Além disso, C2 entende a divulgação científica como

uma via para alimentar e/ou ampliar novos focos investigativos, acepção que está de acordo com a ideia de Márcia Pereira (2014a) divulgação científica como um meio que além de comunicar fatos, processos e resultados de uma investigação deve servir para que o leitor se posicione de forma crítica e criteriosa frente ao que está lendo. Compreensões dessa ordem podem ser interpretadas como indícios de uma atitude dialógica expressa pelo GT3 através da fala de C2, uma vez que os participantes conseguem identificar, sem sobrepor, elementos da

cultura científica de práticas reais que ajudam a fundamentar formas de pensar e se posicionar sobre práticas científicas ficcionais.

No turno de fala 03 do fragmento apresentado, C2 enfatiza que seus apontamentos sobre

o que representam práticas cientificamente não éticas empreendidas pelo Victor Frankenstein constituem um ponto de vista particular. Essa postura parece carregar um duplo significado, pois ao mesmo tempo que representa uma forma de o participante se posicionar criticamente sobre a leitura é também uma forma de respeitar possíveis posicionamentos contrários de outros participantes. De acordo com Luís Radford (2017a), um dos vetores que dirige a ética comunitária é cuidado do outro expresso através da preocupação com o outro e colocado em movimento por meio do “reconhecimento da necessidade do outro” (RADFORD, 2017a, p. 157, tradução minha). Partindo desse referencial, acredito que C2 no turno de fala 03 exercita o

cuidado com o outro e a consciência crítica ao se posicionar criticamente frente ao texto ficcional lido e, ao mesmo tempo, respeitar as possíveis divergências de ponto de vista de outros participantes da atividade.