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CAPÍTULO 1 TARIFA SOCIAL: CONCEITO, OBJETIVOS E FUNDAMENTOS

1.3 Política tarifária no transporte público municipal

1.3.1 Tarifa social: instrumento de política tarifária

Com o escopo de equalizar os interesses públicos e privados nas concessões, atendendo as necessidades pontuais de cada serviço público e da localidade de sua prestação, as políticas tarifárias municipais, em grande maioria, estão associadas a específicas políticas públicas em matéria tarifária que, em regra, geram efeitos sobre a condição socioeconômica dos usuários dos serviços, ao tempo em que redefinem o mosaico de desenvolvimento da sociedade.

Nesse contexto, após a definição constitucional da competência dos municípios para legislar sobre interesses locais e sobre transporte coletivo, associado à promulgação da Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos que trouxe os parâmetros da política tarifária, vimos surgir na realidade municipal brasileira o que se denominou de ‘tarifa social.

A tarifa social é conceituada na doutrina como a principal política pública46 em

matéria tarifária, criada pelos governos municipais visando garantir aos usuários de baixa- renda o pleno acesso ao serviço público e, portanto a universalidade através do alcance do princípio da igualdade material entre os usuários47, ou seja, no transporte coletivo urbano essa política é caracterizada de duas formas: a primeira, e mais importante, ocorre através da concessão de gratuidades ou benefícios tarifários, por parte do Poder Público Municipal, a determinados segmentos de usuários baixa-renda previamente identificados por um estudo de campo específico a fim de que usuários de diferentes classes sociais e econômicas possam ter acesso ao transporte público de acordo com sua real capacidade financeira, promovendo a igualdade e a inclusão social.

Nas palavras de Jacintho Arruda Câmara, a tarifa social é “[...] um benefício social criado pelos governos municipais para beneficiar as famílias com baixa renda. Consiste na redução da tarifa em até 100%, para idosos, estudantes, portadores de necessidades especiais, dentre outros.”48 Ou, como melhor pontua Aline Almeida, em uma visão mais abrangente: “A tarifa social é uma das mais importantes políticas públicas em matéria tarifária garantindo o acesso ao maior numero possível de pessoas ao serviço público.”49

A segunda modalidade da tarifa social ocorre pela adoção da tarifa única, ou seja, usuários que moram nos centros urbanos e usuários que residem nas periferias pagam o mesmo preço da tarifa. Isso ocorre, de acordo com a NTU, senão pelas seguintes e mais comuns justificativas: “maior simplicidade operacional, melhor controle das receitas, maior compreensão da política tarifária da concessionária e possibilidade de custeio da diferença gerada por viagens mais longas através do subsídio cruzado.”50, ou seja, a tarifa única parte da presunção (estabelecida pelo modelo de construção histórica das cidades brasileiras – o que

46 Nesse sentido, como descreve Maria Paula Dallari Bucci “[...] a política pública é definida como um

programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública, ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito.” (BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: ______. (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 14).

47 Quando se fala em universalidade, porém, importante destacar que se pensa na alteridade do princípio como

maior alcance possível de cidadãos que necessitam do transporte público, isso porque muitos cidadãos de boas condições sociais não se sentem atraídos a usar outro meio de transporte senão o particular, seja por motivo de segurança, seja por motivo de status, o que é fruto da cultura dos veículos particulares reinante do Brasil marcada por uma política de incentivos do transporte individual em detrimento do coletivo. (GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à lei de mobilidade urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 44).

48 CÂMARA, Jacintho Arruda. Tarifa nas concessões. São Paulo: Malheiros, 2009. p.82.

49 ALMEIDA, Aline Paola Correa Braga Câmara de. As tarifas e as demais formas de remuneração do serviço público. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. p. 76.

50 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES URBANOS. Relatório final: novas

tendências em política tarifária. Brasília, DF, jun. 2005. Disponível em: <http://brasil.indymedia.org/media/ 2006/12/369544.pdf>. Acesso em: 22 set. 2014.

discorremos no capítulo II) de que usuários mais cativos financeiramente fazem viagens mais longas por morarem nas periferias das cidades, viagens que são custeadas por usuários de maior poder aquisitivo que se deslocam em menos tempo por morarem mais próximos aos centros urbanos.

Não menos importante, ainda merece destaque o escopo secundário da tarifa social, qual seja, além de promover a universalidade através da igualdade material entre usuários, ela seria responsável também por redefinir o espaço urbano uma vez que com tarifas acessíveis a todas as classes de utentes, o transporte individual tenderia a diminuir, contribuindo para a diminuição da emissão de poluentes e congestionamentos ao passo que o aumento do número de usuários do transporte coletivo seria a mola propulsora para o crescimento do número de investimentos das concessionárias na busca por um serviço eficiente e atual.

Assim, como instrumento de política tarifária, ou seja, como um instrumento de controle dos preços das tarifas, a tarifa social seria capaz de promover aos usuários carentes o acesso irrestrito ao transporte público em consecução dos interesses públicos, ao passo que seria capaz de concorrer com os interesses privados à medida que a diminuição do preço das tarifas para determinados segmentos de usuários, bem como pela instituição da tarifa única, o número de utentes do sistema aumentaria significativamente, aumentando a receita da operação do sistema e, consequentemente, o valor das verbas para novos investimentos, a captação do lucro justo e o estímulo na prestação de um serviço atual e eficiente nos termos legais, sem mencionar ainda que esses fatores juntos proporcionariam a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Interessante notar, porém, que a tarifa social não é instrumento de política tarifária exclusivo do transporte público municipal, estando presente também em outros serviços públicos, como, por exemplo, a tarifa social de energia elétrica que estabelece desconto nas contas de luz das unidades consumidoras com renda de até meio salário mínimo per capita mensal ou que tenham algum usuário que receba o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), ambos inscritos no Cadastro Único do Governo Federal.51

Da mesma forma a tarifa social está presente no transporte público interestadual, cujos usuários portadores de deficiência física, mental, auditiva ou visual que tenham renda mensal per capita de um salário mínimo, não pagam passagem de acordo com a Lei nº

51 BRASIL. Lei nº 12.212 de 20 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica e dá

outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jan. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12212.htm>. Acesso em: 10 jan. 2014.

8899/1994.52 No âmbito do transporte intermunicipal, porém, por se tratar de competência dos

estados, cabe a cada um deles disciplinar essa possibilidade, a qual é visualizada, por exemplo, no Estado de São Paulo53 e Minas Gerais.54

Mas não só no Brasil essa política é visualizada, também em países europeus a tarifa social no transporte público é instrumento ativo de inclusão social. Como exemplo, em Lisboa, Portugal, todos os usuários podem adquirir a chamada carteirinha de transporte público que tem um custo de 35 euros por mês e permite um número ilimitado de viagens, seja de metrô, ônibus ou bonde, visando o pleno atendimento da universalidade do transporte público com tarifas acessíveis a todas as classes de usuários. Em comparação, um trabalhador que recebe um salário mínimo por mês, em Portugal, gasta aproximadamente 8% do seu rendimento com o transporte, não comprometendo sua renda para as demais atividades essenciais.55

Da mesma forma, em Hasselt, Bélgica, o transporte público custa apenas 40 centavos de euros para quaisquer usuários, sendo a grande maioria dos custos da operação subsidiados pelo governo municipal em prol da universalidade do serviço, tarifas acessíveis e também a manutenção dos interesses da concessionária.56

Sendo assim, não há dúvidas, pois, que a tarifa social como política pública em matéria tarifária está diretamente vinculada à necessidade de integração social de certos indivíduos ou categorias de usuários baixa-renda não somente ao transporte público como também a toda cidade e suas ofertas, com o fim de proteger direitos fundamentais e, consequentemente, de viabilizar a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, ao mesmo tempo em que tem o escopo de proteger interesses privados e a

52 BRASIL. Lei nº 8.899 de 29 de junho de 1994. Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no

sistema de transporte coletivo interestadual. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8899.htm>. Acesso em: 24 set. 2014.

53 No Estado de São Paulo, a gratuidade é concedida aos idosos com idade acima de 60 anos, sendo limitado em

dois o número de assentos por ônibus. (SÃO PAULO. Lei nº 15.179 de 23 de outubro de 2013. Garante às pessoas idosas, maiores de 60 (sessenta) anos, gratuidade no serviço intermunicipal de transporte coletivo de passageiros de característica rodoviária convencional, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de

São Paulo, São Paulo, 23 out. 2013. Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/

lei/2013/lei-15179-23.10.2013.html>. Acesso em: 22 set. 2014).

54 O benefício é concedido para idosos com idade acima de 65 anos e pessoas com deficiência que tenham

renda individual inferior a dois salários mínimos, limitando-se a dois assentos por viagem. (BELO HORIZONTE. Lei nº 21.121de 3 de janeiro de 2014. Assegura ao idoso e à pessoa com deficiência que menciona gratuidade no serviço intermunicipal de transporte coletivo de passageiros, altera a Lei nº 12666 de 04 de novembro de 1997, que dispõe sobre a política estadual de amparo ao idoso e dá outras providências.

Diário Executivo, Belo Horizonte, 3 jan. 2014. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/

urn/urn:lex:br;minas.gerais:estadual:lei:2014-01-03;21121> . Acesso em: 22 set. 2014).

55 BEERS, Cees Van; MOOR, André de. Perverse subsidies, international trade and the environment. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, DF, n. 18, dez. 1998. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/

ppp/index.php/PPP/article/viewFile/98/101>. Acesso em: 20 set. 2014.

56 EUROPEAN LOCAL TRANSPORT INFORMATION SERVICE. Hasselt cancels free public transport after 16 years. 2013. Disponível em: <http://www.eltis.org/index.php?ID1=5&id=60&news_id=4183>.

manutenção de um serviço público eficiente, sendo, portanto, um dos instrumentos para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, que são objetivos fundamentais da República dispostos no artigo 3º da Constituição Federal.