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4 ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE: escravizados na cidade de São Luís

4.1 Lazer e diversão

4.1.3 Tavernas e quitandas

Como já dissemos, a vida citadina propiciou aos cativos diversas possibilidades; uma dessas foi a aliança (fosse com companheiros de cativeiro ou com outros agentes sociais que não estavam inseridos na condição jurídica de escravizados). A documentação analisada nos permitiu conhecer como aqueles cativos utilizaram as brechas do sistema escravista a seu favor, revelando a capacidade que tinham para fazer valer suas subjetividades e construir suas teias de relacionamentos.

As quitandas e tavernas sempre foram locais de grande concentração de pessoas. Os escravos frequentemente se reuniam nesses estabelecimentos, que logo se tornaram locais de sociabilidade dos cativos com outros sujeitos da mesma ou de outra condição jurídica; lá eles dançavam, cantavam, jogavam, bebiam, encontravam meios de desfrutarem prazeres da vida social, da qual estavam excluídos em muitas situações. Santos (2011, p. 110), em trabalho sobre o controle dos divertimentos em Recife, descreve as tavernas como “um ponto de encontro onde todos podiam entrar, local de desclassificados e despossuídos de toda sorte, era um ambiente potencialmente perigoso, parte imprescindível do mundo de lazer popular, e as proibições não conseguiram desfazer essa realidade”.

Foi nesses ambientes que os escravos constituíram um local próprio para seu divertimento e um ponto de encontro para manifestação de sua cultura e vivência de sua sociabilidade. No entanto, a vigilância dos aparatos policiais não os deixava em paz:

A patrulha n° 6 as 8 e ½ horas da noite fez dispersar um ajuntamento de mais de 12 negros que se achava na Rua Grande na quitanda de Antonio dos Santos Porto, o qual por aquele procedimento, ameaçou e injuriou a Patrulha, recusando entregar-se a prisão. (GMP, 1° Companhia, 15.11.1832, grifo nosso).

Preto Filiciano, escravo d’ Antonio de Souza, prezo pela 5° Patrulha, as 8 horas da noite na Rua da Madre de Deus, e bem assim Paulo, escravo de D. Rita Serra, e

Ventura, de Maria Joaquina, por estarem dentro de uma quitanda, dançando, fazendo motim, e assuada. (GMP, 2° Companhia, 17.11.1833, grifo nosso). A 1° Patrulha prendeu as 8 horas da noite no beco dos Barbeiros ao preto Jacinto escravo da Nação, por está reunidos com outros em uma taverna e querendo a Patrulha dispersa-los, opôs-se com a mesma dizendo que ele não fazia caso de Soldado, e depois de preso quis se evadir lançando-se a correr. (GMP, 2° Companhia, 01.02.1835, grifo nosso).

O último caso citado, que trata da prisão do escravo Jacinto, demonstra que a presença do policiamento não intimidou o cativo, que de pronto retrucou à ordem imposta pelos soldados, até porque, de acordo com Moura (1998, p. 259-260), nos botequins “as hierarquias sociais dissolviam-se a ponto de a farda não inibir manifestações de destemor e valentia. Nos botequins todos se igualavam, cabendo a cada um defender sua moral perante os outros”. Muitos foram os casos de escravos que, no momento das prisões, revidaram com palavras ou pancadas direcionadas aos agentes da repressão, demonstrando insatisfação com as arbitrariedades cometidas em nome da ordem.

O controle e a vigilância não recaíam somente entre os cativos, pois os taverneiros e quitandeiros da cidade de São Luís também eram considerados, pelas autoridades policiais, responsáveis e coniventes com as reuniões escravas, já que forneciam espaços para festas, ajuntamentos, rifas, jogos e também para consumo de “agoardente e diamba”, embora soubessem que estavam cometendo infração às determinações das Posturas Municipais, como aconteceu no caso relatado a seguir:

A patrulha n° 8 prendeu as 10 horas da noite na Rua da Fontes das Pedras, ao Taverneiro Jozé Antonio, por consentir em sua casa pretos escravos entretidos em jogos, e em consequência destes já se achavam em desordem, porém não se realizou a prisão de tais indivíduos por se dispersarem e fugirem, antes que a Patrulha chegasse ao lugar do conflito. Remetido ao Juiz de Paz da Freguesia da Conceição. Esta prisão parece que autoriza a postura n° 47 da Câmara. (GMP, 1° Companhia, 22.11.1832, grifo nosso).

A 3° Patrulha prendeu as 11 horas da noite na rua do Açougue ao branco Jozé Luis de Freitas Guimarães, e os pretos escravos Julião, Francisco e Antonio, de Joaquim Rosa, Carlos e Saturnino, de Joaquim Maria Serra, Benedito, de Domingos da Cruz, Jozé Baianno, de Antonio Gonçalves Machado e Narciso, de Albina Maria da Conceição, todos por infração a Postura n° 47, a saber o branco por ser o caixeiro de uma quitanda naquela rua, e tê-la aberta aquela hora, e os pretos por estarem em um ajuntamento dentro da mesma Quitanda, não se recolhendo a prisão do caixeiro por não deixar a casa só, ficando de apresentar-se de manhã ao respectivo Juiz de Paz. (GMP, 2°Companhia, 13.05.1835, grifo nosso).

Os donos das tavernas e quitandas, ao permitirem escravos nos seus estabelecimentos, obtinham lucro com a venda de bebidas e, por conseguinte, os cativos acabavam por utilizar esses espaços para seus divertimentos, suas festas, seus batuques.

Comerciantes e consumidores tornavam-se aliados, cada um com seus respectivos interesses. Os taverneiros e quitandeiros passavam a ser cúmplices de momentos de lazer e descontração dos cativos.

A repressão contra essas reuniões de escravizados, nos citados estabelecimentos, era constante, a despeito da proteção que os taverneiros e os quitandeiros lhes davam, como podemos ver na denúncia que se segue:

A 4° e 12° Patrulha, deram parte, que as 8 h. 45’ da noite, na rua do Giz, e em uma Taverna que há nas lojas da casa de D. Anna Gertrudes Freitas, existiam 8, ou 9 pretos, reunidos sem motivo justo, e unicamente a beberem aguardente, e fumarem diamba: primeira, e segunda vez, fizeram elas intimarão o Taverneiro que os mandasse dispersar, pois as ordens da Prefeitura vedavam as reuniões de tais indivíduos: á terceira intimação o Taverneiro arrigou-se, e disse – que na sua casa ninguém mandava, e que por isso os pretos haviam de sair quando ele quisesse -, a consequência desta resposta, foi a intimação da voz de prisão, a tão caracterizado desobediente, á qual também desobedeceu, entranhando-se na sua casa: este foi o sinal de alarme para os 3 Taverneiros dos cantos fronteiros, que injuriarão as patrulhas, e não quiseram dizer os seus nomes, para poderem serem chamados para testemunhas; calculando assim o diário, que para comum benefício, se deve guardar aos agentes de policia da Cidade. Em conclusão, não se deve omitir, que a ordem para se dispersarem os pretos nas Tavernas, ainda quando fosse secundada da muito eficaz punição, dificilmente se conseguiria o resultado que dela se esperava, porque é diametralmente opostos aos interesses dos Taverneiros, estes, das 7 h até as 9 da noite, vem ser os possuidores do produto de trabalho dos negros durante o dia: aguardente, a diamba, o fumo e tantos outros gêneros de que quase os pretos só são consumidores, [...] e por esta razão é que são tão frequentes as oposições á dispersão. (CPM, 28.02.1839, grifo nosso).

Nesse embate entre poder público e taverneiros, os cativos constituíam esses ambientes como espaços para desenvolverem sua sociabilidade. As tavernas e quitandas não forneciam apenas a “aguardente”, mas também o “fumo” e a “diamba”, como vimos na passagem acima. Sobre a proibição da utilização da maconha, o historiador Assunção (1998, p. 67) revela ser este um costume bastante difundido para ser combatido; sendo assim “uma lei para ‘inglês ver’”.

De acordo com Assunção (1998, p. 68),

A maconha não era somente uma forma de resistência cultural do escravo, mas podia também ser usada para suavizar um feitor muito exigente. [...] aos olhos da elite a cannabis e o álcool simplesmente tinham um efeito negativo sobre a moral de trabalho. Essa é a razão de serem ambos identificados como os principais fatores de brutalização das massas rurais e vistos como uma explicação para o atraso.

Embora as patrulhas policiais rondassem a cidade com o intuito de impedir a presença dos escravos nas vendas, não conseguiam lograr êxito, pois foram esses um dos locais firmados pelos escravos para usufruir de seus momentos de divertimentos com o

consumo de bebidas, fumo e maconha, constituindo nesses ambientes seus espaços de lazer e convivência.