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O Brasil, desde a década de 20 do século passado, vive uma fragmentação entre os fazedores de teatro. De um lado, aqueles que mantêm uma produção teatral pautada,

principalmente, na arte europeia - embora atualmente possamos observar uma influência crescente do teatro norte-americano, através dos musicais – e, do outro, aqueles que buscam uma arte autenticamente nacional, integrada às realidades do país.

Dentre os autores, dramaturgos, diretores e encenadores que buscavam, e os que ainda buscam, uma perspectiva que contemple a realidade e a cultura nacionais, iremos destacar os movimentos que se iniciaram nos primeiros anos da década de 1950, e que tiveram o suporte teórico do teatro épico brechtiano.

Segundo o professor e pesquisador teatral Alexandre Matte, o Brasil viu nascer em 1953 o Teatro de Arena. A princípio era uma proposta mais econômica em relação ao já estruturado Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Neste primeiro momento, o Teatro de Arena produziu peças clássicas numa roupagem menos sofisticada em relação aos instrumentos ilusionistas (cenários, figurinos, palco) dispostos pelo TBC. O palco italiano foi alvo de transformação, dando aspecto de arena à apresentação, o que garantiu, inclusive, o nome ao grupo.

Contudo, apenas em 1956 - como descrevem MAGALDI e VARGAS (Cem anos de teatro em São Paulo, 2000) -, com a chegada de Augusto Boal para o Arena, este introduziu uma renovação significativa no modo de fazer teatro brasileiro, rompendo com pressupostos estabelecidos por décadas.

Naquele momento, o Arena e o Teatro Paulista do Estudante (grupo de teatro amador formado por jovens universitários) passam a realizar uma frutífera parceria a pensar um teatro nacional. Apesar de inúmeros problemas financeiros, em 1958, estreia Eles não usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Segundo MAGALDI e VARGAS,

Essa obra, levada quase em desespero de causa, se tornaria não só a salvação do Arena, mas um marco fundamental no teatro brasileiro. Na linha realista, em linguagem direta, Guarnieri tratava de problemas urbanos (...). O espetáculo criou de imediato extraordinária empatia com o público (...). O êxito de Black-tie consolidou em definitivo a política por uma dramaturgia que fixasse os problemas nacionais, animando todo o grupo a desenvolver um trabalho criador sem paralelo em nosso palco (MAGALDI; VARGAS. 2000, p.289).

Alexandre Matte assinala que, durante a década de 1960, o Arena viveu e apresentou à população uma nova forma e um novo porquê de se fazer teatro:

Com temáticas históricas e nacionais, tendo claro que para além do estético o teatro teria também (e sobretudo) uma função social de despertar da consciência crítica e de tomada de partido, o grupo assumiu (de certo modo) as proposições de Bertolt Brecht, aclimatando-as ao Brasil (MATTE, 2003).

Assim como o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, fundado em 1958, é marca importantíssima de uma teatralidade brasileira de ruptura com pressupostos estéticos clássicos. O Oficina teve papel fundamental, como nos situa o pesquisador, ao propor a busca de novas e ritualísticas relações com o público e na representação de assuntos ditos proibidos, malditos ou mesmo pouco afeitos ao teatro (MATTE, 2003).

O pensamento de Brecht rondava, independentemente das diferenças entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, os dois grupos. Também outros grupos8 fundados ao longo da década de 60 e 70, especialmente no eixo Rio-São Paulo, passam a pensar o teatro brasileiro da perspectiva brechtiana, ainda que a censura e a perseguição fossem empecilhos no fazer teatral dos tempos da ditadura.

Em 1979, quando a ditadura militar já estava abrandada, e as organizações de trabalhadores começam a se reorganizar, nasce, na cidade de São Paulo, a Cooperativa Paulista de Teatro. Sua fundação é, sem dúvida, um marco da união dos trabalhadores teatrais de São Paulo a garantir o fortalecimento desses atores sociais dentro das esferas políticas que envolvem a arte. Como principais finalidades da cooperativa podemos indicar:

Reunir artistas e técnicos criando condições para o exercício de suas atividades, produzir, criar condições de distribuição, estabelecer contratos, convênios, representar os seus associados, individual ou coletivamente, promover cursos, debates e seminários. Esses são alguns de nossos objetivos. A produção em grupo é a base da criação teatral. A Cooperativa existe em função dos objetivos materiais e conceituais para fortalecer e solidificar esse segmento da produção teatral. (Cooperativa Paulista de Teatro, http://www.cooperativadeteatro.com.br/2010/?page_id=5 Acesso em 08/02/2012).

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Vale esclarecer que, enquanto Teatro de Grupo, estamos nos referindo a uma forma de organização para um fazer teatral que contempla expectativas comuns, do ponto de vista estético e ideológico, dos participantes. Considerando que todo teatro é feito a partir de um coletivo de pessoas que está integrado em um momento específico para a realização teatral, o conceito de teatro de grupo extrapola essa ideia uma vez que ele foi cunhado para se distinguir de uma forma de produção que ocorre para uma montagem isolada para uma temporada ao final da qual os participantes do projeto se dissociam para seguir projetos individuais. Diferentemente, os grupos têm certa longevidade e mantêm-se conectados através das criações e estudos sobre o teatro. Sobre este conceito ver Grupos Teatrais: anos 70, de Silvia Fernandes.

A criação da Cooperativa é, portanto, reflexo desse momento de abertura política do país, mas também de consciência da classe artística brasileira que já havia assumido, e passa a reiterar, a sua responsabilidade sociopolítica na luta por uma produção livre, preocupando-se, inclusive, com uma popularização desses eventos através de uma distribuição mais democrática.

Diante de movimento político cultural apareceram mais e mais grupos teatrais em São Paulo, espalhados por todos os cantos da cidade. Profissionais e amadores, situados no centro da cidade ou nas periferias, com pesquisas estéticas que privilegiam o teatro épico- dialético, e intensa relação com debates sociais e políticos que ultrapassam as questões do fazer teatral. O teatro realizado como espaço de encontro e reflexão social e amparado/cooperado pela Cooperativa Paulista.

A partir desse breve relato sobre o Teatro Épico e sua história no Brasil, podemos partir para uma aproximação desta concepção teatral àquela realizada pela Brava Companhia. Deste modo, podemos afirmar que a Brava é herdeira de uma visão que compreende o teatro como um espaço de produção artística, mas nunca desvinculado de uma luta política que vise à transformação social. É isso que procuraremos demonstrar nos próximos capítulos, ao abordar a Brava Companhia, sua história, pressupostos estéticos, políticos e formas de atuação.

CAPÍTULO II

Se você não estiver ardendo, não poderá inflamar ninguém. (Iessênin, citado por Kusnet, E.)