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CAPÍTULO 1 O TEATRO POPULAR DA ÍNDIA: PEQUENO RELICÁRIO

1.6 TEATRO DA NARRAÇÃO

Neste tópico trato, especificamente, das tradições dramáticas imersas na tradição oral, associadas ou não a aspectos rituais e divididas, grosso modo, em dois gêneros específicos: Épicas (grandes narrativas memorizadas e recitadas,

como, por exemplo, o Mahabharata, transformado em baladas e poemas- canção, presente na tradição dos contadores de história de toda a Índia) e

Dramáticas (como os monodramas, em que o narrador assume diferentes

papéis e cria diálogos improvisados, associados a extensos trechos de recitação, no melhor estilo “homem teatro da idade média” ou como o “manipulador de marionetes chinês”):

Figure 5 - O teatro de bonecos da Idade Média no Ocidente e o Manipulador de Bonecos Chinês. Em ambas as tradições, vemos prevalecer a ideia do ‘Homem Teatro’.

Fonte: Cedida do Arquivo Pessoal Profº Drº Cyro Del Nero (in memoriam), não sendo possível identificar a fonte de onde as imagens foram retiradas.

Tanto em um gênero como em outro, parte-se do mesmo manancial literário, mítico, religioso, histórico e semi-histórico que remonta ao Rig Veda, com seus hinos em forma de diálogo, ele próprio considerado como uma forma primitiva de drama.

Essas formas, conhecidas também como narrativas dramatizadas ou poemas narrativos, ficam no meio termo entre o teatro e a recitação, se valendo de poucos, ou mesmo nenhum, recursos cênicos adicionais, além da presença física do contador-narrador com seu leque de habilidades e talentos construídos por anos de observação, experimentação e improvisação. Este tipo de poesia narrativa aparece nos Vedas, na narração de eventos históricos e semi- históricos, lendas, mitos, fábulas, contos de heroísmo e amor, sendo transmitidas em forma de baladas que eram, originalmente, cantadas e depois, cantadas e encenadas, passadas de geração a geração pelos mais velhos, depositários deste saber ancestral.

Aquele que dominava tal saber era o Aitihasik, e chegou-se mesmo a falar na existência de um Itihasa Veda, ou conjunto de histórias ancestrais da Índia, mitos de origem, nunca encontrado. Possivelmente, tal livro nunca tenha existido, senão no plano do desejo de tentar reunir, em apenas uma grande obra, este tesouro da cultura popular da Índia, como forma de registrá-la e preservá-la para a humanidade. No entanto, dadas as dimensões do território indiano, o grande número de línguas existentes, de tribos aborígenes e povos estrangeiros que vieram em sucessivas ondas de invasões, seria mesmo praticamente impossível levar a cabo tal empreitada. Ademais, podemos pensar também que registrar essas narrativas através da escrita poderia representar uma redução de sua potência original, onde a improvisação e a singularidade de cada contador- narrador não poderia ser abarcada. Como registrar a forma única como cada contador, em cantos remotos da Índia, dava conta de narrar uma mesma e tão conhecida história? O que restaria seria um texto frio, genérico, que certamente não daria conta da manifestação original, ainda que o projeto de reuní-los fosse, de fato, muito sedutor.

Quanto à temática, ela geralmente é proveniente dos épicos Mahabharata e Ramayana, dos puranas traduzidos para as línguas regionais, de contos

históricos e semi-históricos, de contos tradicionais de amor e heroísmo, histórias de heróis locais etc.

É curioso perceber como, nas formas teatrais rurais, a mitologia e os contos estão tão impregnados pela vida cotidiana que fazem com que a ficção seja assumida como um fato. Os personagens, muitas vezes, deixam de ser figuras fictícias para se tornarem “pessoas de carne e osso”, entidades humanas encarnadas (avatares), que moram num vilarejo próximo ou distante, “conhecido de um conhecido de um vizinho meu”, como bem nos aponta o autor:

A Mitologia ainda faz parte da cultura viva da Índia, particularmente da Índia rural. Divindades do panteão indiano estão profundamente enraizadas no dia-a-dia das pessoas e devido à sua íntima relação, são mais uma realidade do que uma ficção para eles. O teatro folclórico indiano é essencialmente de caráter mitológico, tomando emprestados temas e convenções livremente em seu repertório. Personagens de épicos, Puranas, livros religiosos aparecem como uma realidade viva no palco do teatro folclórico. A convenção de adorar Ganapati, o removedor de obstáculos, no começo de todo trabalho é tido como auspicioso vem diretamente das escrituras para o teatro. Porque, de acordo com o próprio Natyashastra, o drama em si é uma cerimônia religiosa, um Yajna (VARADPANDE, 1992, p. 7)34.

Há um grande número de narrativas dramatizadas extraídas dos puranas, literatura importantíssima para a tradição védica, compondo um corpo narrativo extremamente complexo e heterogêneo, o que faz com que me debruce sobre eles com mais profundidade. Acredita-se que os puranas pertençam à classe dos livros para serem memorizados (smirtis), escritos por homens santos e sábios, acerca de assuntos de ordem filosófica, espiritual, ética e moral. A palavra purana quer dizer “(...) aquilo que pertence à tradição, a história antiga, ao passado mítico e/ou histórico” (Varadpande, 1992, p. 7). Os puranas ficaram conhecidos na tradição védica como os “vedas do povo”, concentrando um manancial riquíssimo de histórias de grande valor, escritas de tal modo que a

34 No original: Mythology is still a part of the living culture of India, particularly of rural India. Deities of the Indian pantheon are deeply rooted in the day-to-day life of the people and due to their close association, they are more a fact then a fiction to them Indian folk theatre is essentially mythological in character, borrowing themes and conventions liberally from its repertory. Characters from epics, Puranas, religious books appear as a living reality on the stage of folk theatre. The convention of worshipping Ganapati, the remover of obstacles, in the beginning of every auspicious work comes straight from the scriptures to the theatre. Because, according to the Natyashastra, drama itself is a religious ceremony, a Yajna (VARADPANDE, 1992, p.7).

parcela mais simples da população pudesse compreendê-las e delas tirar algum proveito existencial. Tal literatura, tendo sido absorvida pelos contadores de histórias tradicionais, foi se espalhando por toda a Índia, criando diferentes versões regionalizadas de uma mesma história, sempre conectada a suas origens.

O Mahabharata, por exemplo, reconhecido épico hindu, é considerado um tipo de purana e, também, de itihasa (mito de origem). Igualmente um katha (história) e akhyana (modo tradicional de se relatar um evento), através das gathas (baladas, poemas-canção ditos em verso). Aquele que domina este repertório é o gathin ou gatuvid, figura recorrente nas literaturas hinduísta, budista e jainista. Os itihasas, puranas, gathas eram narrados à maneira tradicional de se contar histórias na cultura popular (akhyanas) em ocasiões importantes, como eventos sociais (casamentos, celebrações, nascimentos, mortes) e religiosos (festivais, rituais). Contar uma história, nestas ocasiões, era considerado uma forma bastante refinada e auspiciosa de oferenda (pooja) e os sacerdotes brâmanes empenhavam-se muito em memorizá-las e estudá-las tanto quanto os próprios Vedas.

Para se dar conta deste universo de histórias, era necessário conhecer algumas regras gramaticais, em especial a etimologia, o estudo de composição das palavras (vedanga), ter conhecimento significativo sobre a ciência e a filosofia (vidyas), sobre diálogos teológicos importantes (vakovakyam), como por exemplo, a célebre conversa entre Arjuna e Krishna, no Bhagavat Gita. Um contador tradicional, dentro desta perspectiva, é o depositário genuíno de um extenso e complexo saber ancestral, que abrange diversos campos do conhecimento humano, colaborando para a disseminação de aspectos filosóficos, éticos e morais da filosofia hindu entre as camadas menos favorecidas da população, geralmente iletradas.

Um bom exemplo de narrativa dramatizada dentro do ritual é a cerimônia Yajana, o sacrifício do cavalo, tradicional ritual védico no qual dois sacerdotes de comunidades distintas travam uma batalha poética contando, em praça aberta, diferentes histórias tradicionais, de modo muito similar ao que fazem hoje os rappers, poetas e MC´s nos slams de poesia falada, ainda que não haja – no

representante moderno – um valor religioso (mas sim, um valor ritual renovado). No entanto, o sentido de disputa, domínio da linguagem falada e repertório literário é o mesmo. Há ainda, em comum, o fato de que ambos surgem em contextos marginais e liminares, caracterizando-se como fenômenos culturais e sociais nas “[...] bordas do teatral” (Caballero, 2016, p. 16). Embora não seja meu intuito aprofundar essa discussão nesse momento, não deixa de ser interessante pontuar tal similaridade entre manifestações culturais que se dão em contextos culturais, sociais e históricos tão diversos.

Voltando à cerimônia do cavalo, os dois atores-combatentes, conhecidos como sutas, cantavam, dançavam e recitavam até que a disputa ritual chegasse a termo. Os Sutas representavam as castas de artistas populares especializados em repentes e batalhas literárias dramatizadas. Eram os nascidos de mãe Brahmana (casta dos sacerdotes) e pai Kshatriya (casta dos guerreiros/militares), de onde descende a casta dos Chakyars de Kerala, criadores do Kudiyattam, forma tradicional do teatro clássico indiano.

Posteriormente, na evolução do teatro popular, o Suta se tornará o sutradhara, narrador-diretor de cena em cena, enquanto a ação dramática será realizada pelo Shailusha, ou ator-dançarino. Diversas formas de teatro popular da Índia se estruturam neste binômio Sutradhara–Shailusha, sendo o Shailusha, muitas vezes, o contraponto cômico, a figura épica do Sutradhara. Esta nomenclatura irá se modificar de região a região, mas o sentido e a função permanecerão praticamente idênticas em todas elas.

Na tradição do Theru-K-Koothu, por exemplo, eles se chamarão sutradhara e vidushaka e, posteriormente, se fundirão numa figura única, o kattiyakaran, de que tratarei posteriormente. Os Sutas são, portanto, o elo material e simbólico entre a profícua tradição narrativa da Índia e os primórdios de suas dramatizações.

Embora estejamos tratando de uma cultura sedimentada sobre a oralidade, é importante pontuar que a literatura escrita não era ignorada. Ao contrário, o vasto material literário hindu era memorizado pelos artistas para depois ser transformado em performance cênica, com diferentes graus de dramatização. O próprio Patanjali, em seu tratado de gramática, Mahabhashya,

escrito em 2 a.C., descreve que há três técnicas performativas para ilustrar uma história: (1) recitação simples; (2) recitação com dramatização simples e (3) drama, propriamente dito. No primeiro, o contador recita o texto em verso; no segundo, além da recitação, há a possibilidade de se utilizar alguns artifícios, como, por exemplo, uso de ilustrações, bonecos, ou ainda, pintar o rosto dos atores com diferentes cores, formando dois grupos diferentes para narrar a história etc.; no terceiro, as possibilidades explodem para formas mais complexas de dramatização, como vemos no Theru-K-Koothu, de Tamil Nadu, ou no Yakshagana Kuchipudi, de Andhra Pradesh, em que todos os elementos performativos são colocados a serviço da encenação (divisão de papéis, diálogos, recitações, canto, dança, música, uso de figurino, maquiagem, adereços e cenografia). Quando pensamos o teatro popular da Índia, estamos falando, ainda e basicamente, dessas três possibilidades de construção cênica, sendo utilizadas em diferentes arranjos locais, bem ao gosto de suas comunidades, numa gama extremamente generosa de manifestações teatrais populares espalhadas por todo o país.

Para que se tome como exemplo, há três formas possíveis de recitação do Mahabharata, um dos textos mais importantes para a cultura teatral popular: (1) recitar apenas o texto; (2) recitar o texto com algum acompanhamento musical, e (3) recitar o texto com auxílio do canto, da dança e da música. Originalmente, tudo era feito por apenas um único artista, numa técnica tradicional conhecida como pandavani ou monodrama. Com o passar do tempo, formas mais elaboradas de drama foram surgindo, com a divisão de papéis, o surgimento do coro, a configuração da orquestra de músicos e a utilização de elementos cênicos como cenografia, figurinos, adereços e maquiagem. Podemos pensar o teatro popular da Índia como um grande espectro que vai dessas formas narrativas mais simples ao drama estruturado, com a divisão de papéis, texto escrito ou improvisado (memorizado) e o uso mais ou menos sofisticado do Aharyabhinaya (elementos complementares da ação dramática, como maquiagem, figurinos, cenografia etc.).

Para que se compreenda este percurso, citarei algumas formas dramáticas narrativas que nos permitam criar um panorama desta tradição

milenar de contar histórias. Com este propósito, começo pelo Pandavani, originário no estado de Madhya Pradesh, na região central da Índia. Esta manifestação surge na tribo Chhatisgarh e se dedica a narrar episódios da vida dos Pandavas (Mahabharata), com o duplo objetivo de entreter e instruir, binômio observável nas mais diversas tradições teatrais populares da Índia, imbuídas - além do valor estético intrínseco - de um valor ético, filosófico, moral e pedagógico muito importante para as comunidades rurais e tribos aborígenes, geralmente iletradas ou com baixo nível de instrução formal. Sua estrutura é bastante simples: o narrador corifeu carrega consigo um címbalo e uma tambura, instrumentos musicais tradicionais, que usa não apenas para extrair alguma sonoridade, mas como adereço cênico transformável segundo sua própria imaginação e necessidade dramática. A tambura pode virar uma espada ou uma maça, por exemplo. O címbalo pode ser uma lamparina e assim por diante, num jogo lúdico, improvisado e bastante descontraído. Ele é acompanhado por dois músicos que tocam um instrumento percussivo (tabla) e um melódico (harmonium) e que funcionam também como coreutas. De modo geral, a narrativa é feita em verso, mas o narrador pode se valer da prosa, caso deseje valorizar alguma passagem em especial da história. Veja: https://www.youtube.com/watch?v=FkazCSWeq9E

Nesses casos, ele pode estabelecer um diálogo como os músicos- coreutas, que responderão em uníssono com um “sim” ou “não”, às perguntas feitas pelo narrador. A encenação comumente é intercalada por números musicais, para enriquecer, incrementar ainda mais a narrativa. O narrador assume ainda diferentes papéis, usa diferentes vozes para dar vida aos personagens, trejeitos corporais. Uma gestualidade bem simples, coerente com as necessidades da cena, sem muita elaboração ou estilização. Sua movimentação corporal é natural, espontânea, sem nenhum tipo de movimento préestabelecido ou o tradicional uso dos gunghuros (guizos) nos tornozelos, que aparecem em muitas formas populares e clássicas de teatro, dança e dança dramática. Este formato cênico bem simples é o que passarei a chamar, daqui em diante, de monodrama ou célula teatral primária, que se aplica a muitas

regionalizações. Dessa forma, quando essas expressões forem utilizadas, será possível compreender, com clareza, o que elas abarcam como formato teatral.

O Oja-Pali, de Assam, por exemplo, que se estabelece no século XVII, se vale desta célula teatral primária e lhe acrescenta alguns outros elementos como números de dança e música bem desenvolvidos, uso de uma linguagem gestual mais elaborada e codificada oriunda do hastabheda (gestual de mãos codificado, proveniente da tradição clássica35), além de um grande número de personagens a ser representados. Sua origem remonta ao culto de Manasa, a Deusa Serpente, cuja história está escrita no “Asamese Padma Purana”, literatura e temática regional, em forma de verso, ao contrário do Pandavani, por exemplo, cujas histórias remontam ao épico Mahabharata. Oja é o narrador e Pali seus assistentes músicos-coreutas. Sob a direção do Oja, todos cantam e dançam, e cabe também a ele assumir os diferentes personagens da narrativa, nos mesmos termos do narrador-corifeu do Pandavani. Neste monodrama específico, há um uso mais acentuado da dança e da música para enriquecer determinadas passagens da narrativa, ilustrá-la, torná-la mais atrativa como encenação,

incluindo números de dança feminina. Veja:

https://www.youtube.com/watch?v=x3ejAq6jOGE

A descrição que Varadpande faz da figura do Oja exemplifica, com clareza, a sua relação com a figura do Suta e, posteriormente, do Sutradhara, e nos dá uma dimensão concreta de sua importância e da gama de ações que ele congrega nas diferentes tradições populares:

O ator protagonista representava o drama assumindo diferentes papéis alternadamente, ao mesmo tempo dando todo o contexto e informações relevantes, ligando as cenas através de sua narrativa e liderando seus companheiros e músicos. Era uma performance grandiosa (VARADPANDE, 1992, p. 91)36.

É importante relembrar, segundo apresentado na Figura 4 sobre os diferentes gêneros dramáticos e suas interrelações, que o gênero

35 Coomaraswamy, A. The mirror of gesture: being the Abhinaya Darpana. New Delhi: Munshiram

Manoharlal Publishers, 1970.

36 No Original: The single actor was presenting the drama assuming different roles alternately, at the same time giving all relevant background and information, linking the scenes by his narrative and leading his associates and musicians. It was a great performance (VARADPANDE, 1992, p.

folclórico/popular está intrinsicamente ligado aos gêneros ritual/devocional dentro da cultura hindu. Muitas manifestações dramáticas populares ocorrem dentro de festivais religiosos, ligadas ao culto ou à mitologia de uma divindade específica, de um homem santo ou mesmo de um ancestral, espíritos da natureza etc.

É o caso, por exemplo, do Tal-Maddale de Karnataka, que surge por volta de 1.556 d.C, considerado o predecessor do Yakshagana, estilo teatral popular que representa, para o estado de Karnataka, o mesmo que o Theru Koothu para o estado de Tamil Nadu. Ambos são exemplos do que convencionei chamar de drama popular completo, com uso de todos os elementos de linguagem que caracterizam este tipo de manifestação popular. A estrutura cênica corresponde à da célula teatral primária: há um narrador chefe ou bhagavata e seus assistentes, os Arthadharis, cuja função é “explicar” os versos do bhagavata. Inicialmente, o narrador e seus assistentes entoavam orações para diferentes divindades dentro dos templos. Com o passar do tempo, introduziu-se a narração dos épicos, dos puranas e de histórias oriundas da mitologia hindu. Trata-se de uma recitação em verso ainda bastante simples, sem vestimenta, maquiagem ou uso de movimentação corporal elaborada. Toda a narrativa é feita sentada, conduzida em verso pelo narrador. Os arthadharis ora assumirão os personagens da história se valendo de pequenos diálogos improvisados, ora funcionarão como coro, respondendo em uníssono às perguntas do narrador. Há o uso de instrumentos musicais simples como o címbalo (Tal) e um tipo de tambor local (maddale), que dão nome do estilo. Veja: https://www.youtube.com/watch?v=eZaMt07RsTM

Estreitando ainda mais os laços entre popular e devocional/ritual há o

Gondhal, de Maharashtra, que, valendo-se da mesma estrutura cênica

apresentada, investe fortemente na junção entre narrativa e ritual, valendo-se de histórias mitológicas, contos tradicionais e tribais, hinos laudatórios de heróis etc. O Gondhal é uma forma que evoluiu do culto aos Bhutas (espíritos da natureza, ancestrais, demônios, divindades tribais etc.), preservando uma certa áurea mítico-ritual, que os conecta à Deusa Parvati “[...] the conscious substance of

universe” (Varadpande, p. 83)37, e antes mesmo dela, á divindade tribal Mata, sincretizada posteriormente na figura de Parvati. Veja: https://www.youtube.com/watch?v=ZmIUaU9LynA. Nesta manifestação específica há, além da recitação de histórias, os momentos de transe e possessão do narrador-chefe, o Naik, culminando no oráculo ou o momento quando o narrador-chefe, tomado por uma divindade ou um espírito, faz profecias e distribui bênçãos entre os presentes, como o autor bem exemplifica:

Esta informação nos leva a uma conclusão simples de que o Gondhal era inicialmente uma dança tribal realizada em homenagem ao espírito da deusa. Os artistas deviam cantar as canções que descreviam a história da deusa numa performance frenética. A performance devia terminar com um drama de possessão e oráculos, como pode ser visto nas performances para os espíritos do litoral de Karnataka (VARADPANDE, 1992, p. 94)38.

Nos moldes da mesma estrutura descrita, há o Burra Katha39, de Andhra Pradesh. O próprio nome do estilo nos remete à tradição de contar histórias em versos musicados, que é a base de todo monodrama indiano. burra é um tipo de instrumento musical percussivo e katha quer dizer história. Neste estilo, agrega- se, à célula teatral primária, alguns elementos do ritual como o poorvaranga e o uttaranga (orações iniciais e finais), a conclusão da narrativa com um ensinamento moral bem explícito, uso de maquiagens, figurinos, além da inclusão de temas sociais e políticos. Assista à cena inicial do filme Vanaja, na qual aparece uma apresentação de Burra Katha: https://www.youtube.com/watch?v=Xcg174lywN0

Há o Keertana, que se espalhou por toda a Índia e faz a conexão mais

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