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Theru-K-Koothu : um olhar sobre as culturas teatrais do sul da Índia = Theru-K-Koothu: a look at the folk theatre cultures of south India

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

IRANI DA CRUZ CIPPICIANI

THERU-K-KOOTHU:

UM OLHAR SOBRE AS CULTURAS TEATRAIS POPULARES DO SUL DA ÍNDIA

THERU-K-KOOTHU:

A LOOK AT THE FOLK THEATRE CULTURES OF SOUTH INDIA

CAMPINAS 2020

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IRANI DA CRUZ CIPPICIANI

THERU-K-KOOTHU:

UM OLHAR SOBRE AS CULTURAS TEATRAIS POPULARES DO SUL DA ÍNDIA

THERU-K-KOOTHU:

A LOOK AT THE FOLK THEATRE CULTURES OF SOUTH INDIA

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Artes da Cena, na área de Teatro, Dança e Performance.

Thesis presented to the Institute of Arts of the University of Campinas in partial fulfillment of the requeriments for the degree of Doctor in Scene Artes: Theatre, Dance and Performance.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Cassiano Sydow Quilici

Este trabalho corresponde à versão final da tese defendida pela aluna Irani da Cruz Cippiciani, e orientada pelo Prof. Dr. Cassiano Sydow Quilici.

CAMPINAS 2020

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO IRANI DA CRUZ CIPPICIANI

ORIENTADOR: PROF. DR. CASSIANO SYDOW QUILICI

MEMBROS:

1. PROF. DR. CASSIANO SYDOW QUILICI 2. PROF(A). DR(A). MARÍLIA VIEIRA SOARES

3. PROF(A). DR(A). MARIANA BARUCO MACHADO ANDRAUS 4. PROF(A). DR(A). JOANA PINTO WILDHAGEN

5. PROF(A). DR(A). ANA PAULA IBAÑEZ

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

À rica cultura tradicional da Índia, clássica e folclórica, que me ofereceu um caminho. A Draupadi Amman por me abrir os olhos para uma Índia até então ignorada. Aos muitos companheiros de jornada, de hoje e de ontem.

Ouçam, ouçam todos: a concha começa a soar. O mundo está em constante mudança E é preciso aprender a mudar com ele. Canção folclórica de Tamil Nadu Versão adaptada por Na Muthuswamy Fundador do Koothu-P-Pattarai

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AGRADECIMENTOS

À

FAPESP e CAPES, processo nº 2016/10719-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 Cassiano Sydow Quilici, pela orientação serena

Mr. Na. Muthuswamy (in memoriam), pelo primeiro contato com o Theru-K-Koothu Edilson Castanheira

Dra. Mariana Baruco Machado Andraus – Instituto de Artes, Unicamp Dr. Matteo Bonfitto – Instituto de Artes, Unicamp

Dra. Marília Vieira Soares – Instituto de Artes Unicamp Dr. Eduardo Okamoto - Instituto de Artes, Unicamp Dra. Verônica Fabrini - Instituto de Artes, Unicamp Dra. Joana P. Wildhagen – UFAL

Dra. Ana Paula Ibañez

Dr. K. R. Rajaravivarma – Department of Performing Arts, Pondicherry University Dr. A. Chellaperumal – Department of Anthropology, Pondicherry University Dr. V. Arumugham - Department of Performing Arts, Pondicherry University

Durai Elumalai e Suresh Venda – Sri Thantoniamman Therukkothu Nadaga Sabha, Akkur village

Hanne M. De Bruin e P. Rajagopal – Kattaikkuttu Sangam, Pujarasantankal Village Sambandan e Palani Murugan – Purisai Duraisamy Kannapa Thambiram Parambarai Theru Koothu Manran

Thanjavur-K-Koothu Group - Aarsuthippattu Village V. Parthiban – KSR College of Education

Koothu-P-Pattarai – theatre company, Chennai Rustom Bharucha

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RESUMO

Esta tese é voltada ao estudo de uma forma popular de teatro de rua da Índia: o Theru-k-koothu, tendo como objeto de pesquisa o estudo da cultura teatral que o caracteriza, buscando compreender o fenômeno teatral nos aspectos cultural, social e histórico e suas imbricações na vida comunitária. A pesquisa parte da observação desta forma teatral, de origem rural e popular, tendo como eixo norteador seu evidente envolvimento com toda a cultura ritual local. Avança, então, para a compreensão e análise de sua estrutura de organização e funcionamento como a forma dramática mais importante do estado de Tamil Nadu e se encerra apontando a influência e reverberação do Theru-K-Koothu na cena teatral contemporânea, dentro do estado e no exterior. Deste modo, pretende-se oferecer um primeiro contato com esta forma de teatro folclórico da Índia, estudo inédito no Brasil e em Língua Portuguesa, abarcando aspectos antropológicos e avançando em direção aos aspectos cênicos que se sedimentam, não apenas no campo teatral, mas em todo o espectro da vida comunitária, num processo complexo, orgânico e fluído entre vida e arte.

PALAVRAS-CHAVE: Índia, Cultura Folclórica, Oriente, Teatro Ritual,

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ABSTRACT

This thesis is dedicated to the study of a popular form of theater of India: Theru-k-koothu, having as object of research the study of theatrical culture that characterizes it, seeking to understand the theatrical phenomenon in cultural, social and historical aspects and their impact in common life. The research is based on the observation of this theatrical form, of rural and folk origin, having as guiding axis its evident involvement with all the local ritual culture. It then advances to the understanding and analysis of its structure of organization and functioning as the most important dramatic form of the state of Tamil Nadu and ends by pointing out its influence and reverberation of Theru-K-Koothu in the contemporary theatrical scene, within the state and abroad. The research intends to offer a first contact with this form of Indian folk theater in Brazil, study unheard in Portuguese language, covering anthropological aspects and advancing toward the sedimentation of its dramatic aspects, not only in the theatrical field, but in the entire spectrum of community life in a complex, organic and fluid process between life and art.

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURE 1–PREPARANDO A MAQUIAGEM.INTÉRPRETE PARTHIBAN V.COMPANHIA DA THERUKOOTHU DA

REGIÃO DE KONGU,TAMIL NADU. ... 27

FIGURE 2 -CRONOLOGIA DO TEATRO INDIANO CLÁSSICO E FOLCLÓRICO. ... 35

FIGURE 3-MAPA DA ÍNDIA. ... 38

FIGURE 4-OS DIFERENTES GÊNEROS DRAMÁTICOS. ... 44

FIGURE 5 -O TEATRO DE BONECOS DA IDADE MÉDIA NO OCIDENTE E O MANIPULADOR DE BONECOS CHINÊS.EM AMBAS AS TRADIÇÕES, VEMOS PREVALECER A IDEIA DO ‘HOMEM TEATRO’. ... 46

FIGURE 6-EXEMPLO CONTEMPORÂNEO DE POORVARANGA EM MONTAGEM DE RUA DA COMPANHIA KOOTHU-P-PATTARAI.COM:GURU SOMASUNDARA ENCENANDO GANESH E PRAKASH (IN MEMORIAM) A FRENTE. ... 72

FIGURE 7–FIGURINOS, ADEREÇOS E MAQUIAGEM DE UM ATOR KOOTHU. ... 74

FIGURE 8–EXEMPLO DE KOLAM FEITO EM FRENTE A UMA CASA NA CIDADE DE CHENNAI EM COMEMORAÇÃO AO PONGAL OU ANO NOVO NO ESTADO DE TAMIL NADU, COMEMORADO NO MÊS DE ABRIL. ... 75

FIGURE 9-EXEMPLO DE VASUDEVA NA CIDADE DE CHENNAI EM 2006.NA FOTO APAREÇO AO LADO DA ATRIZ RUDRA, DA COMPANHIA KOOTHU-P-PATARRAI E DO ARTISTA POPULAR QUE ENCARNA KRISHNA. ... 86

FIGURE 10-MAQUIAGEM.INTÉRPRETE PARTHIBAN V.COMPANHIA DA THERUKOOTHU DA REGIÃO DE KONGU,TAMIL NADU. ... 92

FIGURE 11-VISTA DE TEMPLO NA ÁREA RURAL DE PONDICHERRY,TAMIL NADU,ÍNDIA. ... 95

FIGURE 12-SRI THANTONIAMMAN DO TEMPLO DE MESMO NOME,AKKUR VILLAGE. ... 96

FIGURE 13–EXEMPLO DE AMMAN OU DEUSA MÃE EM UM TEMPLO NA ÁREA RURAL DE PONDICHERRY/TAMIL NADU. ... 97

FIGURE 14-KOOTHU TITLR: ARJUNA TAPASU NO PADAVATTAMMAM KOIL KUMBABISHEGAM (CERIMÔNIA DA RENOVAÇÃO). ... 119

FIGURE 15–MATÉRIA DE JORNAL DE 2008, SOBRE FESTIVAL REALIZADO NA VILA DE AKKUR. ... 120

FIGURE 16-APRESENTAÇÃO DO EPISÓDIO DO MAHABHARATA 'A MORTE DE KICHAKA' OU ‘KICHAKA VADHA’, COM A COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA, DA VILA DE AKKUR, COM DIREÇÃO DE D.ELUMALAI.AQUI OS ATORES ESTÃO REALIZANDO O VANDANAM/POORVARANGA, A ABERTURA DO ESPETÁCULO. ... 121

FIGURE 17–CENAS DO EPISÓDIO “ODESENROLAR DO SAREE DE DRAUPADI”, REALIZADO PELOS ATORES DA COMPANHIA KATAIKKUTTU SANGAM, NA SEDE DO GRUPO, EM 31/12/2018.NELE, VEMOS DRAUPADI SENDO HUMILHADA, PRIMEIRO POR DURYODHANA, SENTADO AO FUNDO, DEPOIS POR DUCHASSANA, PUXANDO-A PELOS CABELOS.NA TERCEIRA FOTO, VEMOS O ÁPICE DO EPISÓDIO O SAREE SENDO DESENROLADO.CERTAMENTE, UM DOS EPISÓDIOS MAIS IMPORTANTES E EMOCIONAIS DO ESTILO, UMA VEZ QUE DRAUPADI REPRESENTA TODAS AS MULHERES DA VILA, A RAINHA ULTRAJADA DO MAHABHARATA E A DEUSA MÃE PROTETORA.A PECULIARIDADE, NESTE CASO, É QUE O PAPEL DE DRAUPADI ESTÁ SENDO REPRESENTADO POR UMA MULHER, A JOVEM ATRIZ S.TAMILARASI, E NÃO POR UM ATOR ESPECIALIZADO EM PAPÉIS FEMININOS. ... 131

FIGURE 18–KATTAI VESHAM,INTÉRPRETER PARTHIBAN V.,COMPANHIA DA THERUKOOTHU DA REGIÃO DE KONGU,TAMIL NADU. ... 137

FIGURE 19-MAPA DA ÍNDIA COM ESTADO DE TAMIL NADU EM EVIDÊNCIA. ... 138

FIGURE 20-DISTRITOS DE VELLORE E TIRUVANNAMALAI, RESPECTIVAMENTE.ANTIGO DISTRITO NORTH ARCOT. ... 139

FIGURE 21-DISTRITOS DE CUDDALORE E VILLUPURAM, RESPECTIVAMENTE.ANTIGO DISTRITO SOUTH ARCOT. ... 139

FIGURE 22-DISTRITO DE KANCHIPURAM ONDE ESTÁ SEDIADO O KATTAIKKUTTU SANGAM. ... 140

FIGURE 23–AQUI SE PODE VER O KATTAI CAMANKAL COMPLETO, COM ADORNO PRINCIPAL DA CABEÇA, O PEITORAL E AS OMBREIRAS.ESTE TIPO DE ORNAMENTAÇÃO SÓ EXISTE NO THERU-K-KOOTHU, O QUE O DIFERE DE OUTRAS FORMAS DE KUTTU (DRAMA) DO ESTADO.PERSONAGEM:MAHAVEERAN KATTAI VESHAM,INTÉRPRETE:PARTHIBAN V.,COMPANHIA DA THERUKOOTHU DA REGIÃO DE KONGU, ESTILO DO SUL,TAMIL NADU. ... 147

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FIGURE 24–NA PAREDE DA SEDE DA COMPANHIA DE PURISAI, SUA LINHAGEM ESTAMPADA.AO CENTRO, O MENINO VEERASAMY THAMBIRAN, FUNDADOR DA COMPANHIA, BISAVÔ DE PALANI MURUGAN.À DIREITA ESTÃO OS MEMBROS DA FAMÍLIA THAMBIRAN E À ESQUERDA, OS MÚSICOS – ADVINDOS DE OUTRAS CASTAS E FAMÍLIAS. ... 153

FIGURE 25-DIVULGAÇÃO DO EPISÓDIO "O DESENROLAR DO SAREE DE DRAUPADI" FEITO PELOS

PARTICIPANTES DO WORKSHOP DE THERU-K-KOOTHU, CONDUZIDO PELA PURISAI, EM SUA SEDE, EM MARÇO/2019. ... 163

FIGURE 26–PALANI MURUGAN TRABALHANDO O TEXTO DE UM EPISÓDIO COM ASPIRANTES A INGRESSAR NA COMPANHIA DE PURISAI. ... 164

FIGURE 27–OS VATTIYARS (LÍDERES) DAS COMPANHIAS DE AKKUR E PURISAI, RESPECTIVAMENTE:D.

ELUMALAI, REPRESENTANDO KRISHNA NO EPISÓDIO DO CASAMENTO DE ABHIMANIYU E KANNAPA

SAMBANDAN, AO LADO DE PALANI MURUGAN, SEU SOBRINHO-GENRO E FUTURO SUCESSOR. ... 166

FIGURE 28–NA PRIMEIRA FOTO VEMOS UM KATTAI VESHAM, REPRESENTANDO O PERSONAGEM BHIMA, RECEBENDO AJUDA DO KATTIYAKARAN PARA COLOCAR SEU KATTAI DE CABEÇA.NA SEGUNDA FOTO, VEMOS O ATOR ESPECIALIZADO EM PAPÉIS FEMININOS, O PEN VESHAM, SE PREPARANDO PARA ENCARNAR DRAUPADI.COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA.NO VILAREJO DE AKKUR.FOTOS:EDILSON CASTANHEIRA. ... 171

FIGURE 29–NA PRIMEIRA FOTO VEMOS O KATTIYAKARAN EM CENA COM O KATTAI VESHAM,

REPRESENTANDO O REI, PAI DE ABHIMANIYU.NA SEGUNDA FOTO, VEMOS UM TIRES VESHAM,

REPRESENTANDO KRISHNA, UM PEN VESHAM, INTERPRETANDO SUNDARI, NOIVA DE ABHIMANIYU E O KATTIYAKARAN.COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA.NO VILAREJO DE AKKUR. ... 171 FIGURE 30–AQUI PODEMOS VER DOIS KATTAI VESHAMS E AS SIMILARIDADES E DIFERENÇAS NA

ORNAMENTAÇÃO E MAQUIAGEM.O PRIMEIRO É DA COMPANHIA KATTAIKKUTU SANGAM, ESTILO PERUNKATTUR.O SEGUNDO É DA COMPANHIA COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA. ... 172

FIGURE 31–ENTRE OS KATTAI VESHAMS E PEN VESHAM, AO CENTRO, ESTÁ O KATTIYAKARAN, DA COMPANHIA KATTAIKKUTTU SNGAM, REPRESENTADO POR DURAISAMY, FILHO DE P.RAJAGOPAL, AO FINAL DO EPISÓDIO DRAUPADI VASTRAPAHARANAM. ... 172

FIGURE 32–NESTA FOTO VEMOS P.RAJAGOPAL, FUNDADOR DO KATTAIKKUTTU SANGAM LIDERANDO O CANTO JUNTO À ORQUESTRA FORMADA POR ALUNOS DA INSTITUIÇÃO.AQUI É POSSÍVEL VER O PETTI, A MUKAVINAI, A MRIDANGAM-DHOLAK E A TALAM NAS MÃOS DE UM DOS ALUNOS, EM PÉ, AO FUNDO. OS DEMAIS ALUNOS PARTICIPAM DO CORO, RESPONDENDO À CHAMADA DO VATTIYAR RAJAGOPAL. ... 174

FIGURE 33–IMAGEM DE UM GUARDIÃO QUE PROTEGE A ENTRADA DOS TEMPLOS OU A ENTRADA DO SANCTU SANCTORUM DE DETERMINADAS DIVINDADES REGIONAIS, MUITAS DELAS,AMMANS.APARECE COM MUITA FREQUÊNCIA NOS TEMPLOS DO SUL DA ÍNDIA, EM ESPECIAL, NOS TEMPLOS DAS ÁREAS RURAIS.

ESTE É DE UM TEMPLO NA ZONA RURAL DA CIDADE DE PONDICHERRY E É NÍTIDA SUA SEMELHANÇA COM AS VESTIMENTAS DOS KATTAI VESHAMS DO THERU-K-KOOTHU E COM A POSE QUE ELES

EXECUTAM QUANDO SE SENTAM NA PLATAFORMA ONDE FICAM OS MÚSICOS E O CORO. ... 175

FIGURE 34–NESTA FOTO, VÊ-SE A TRADICIONAL MÁSCARA DE NARASIMHA, NUMA VERSÃO MODERNA DO EPISÓDIO PRAHALADA CHARITRAM ENCENADO PELO KOOTHU-P-PATTARAI.CONCEPÇÃO:K.R.

RAJARAVIVARMA.DIREÇÃO:N.MUTHUSWAMY. ... 185

FIGURE 35–VERSÃO MODERNA DO ÉPICO “PRAHALADRA CHARITRAM” ENCENADO PELO GRUPO KOOTHU-P-PATTARAI, NA SUA SEDE EM 2007, DURANTE REALIZAÇÃO DE INTERCÂMBIO CULTURAL JUNTO AO

GRUPO CALDEIRÃO (BRASIL).ESTA É A CENA ÁPICE DO EPISÓDIO, QUANDO NARASIMHA MATA HIRANIYA KASIPPU, PAI DO MENINO PRAHALADA QUE APARECE DE JOELHOS.TRATA-SE DE UMA RELEITURA DA COMPANHIA DE UMA TRADICIONAL ENCENAÇÃO THERU-K-KOOTHU, ACRESCIDA DE ELEMENTOS TEATRAIS MODERNOS.A CONCEPÇÃO GERAL É DE K.R.RAJARAVIVARMA. A DIREÇÃO É DE NA.MUTHUSWAMY E OS ATORES SÃO VIDAARTH (NARASIMHA),HARIHARAN GANAPATHY

(HIRANIYAN) E SOMASUNDARAM (PRAHALADA). ... 190

FIGURE 36-ESTUDOS RÍTIMICOS DESENVOLVIDOS EM WORKSHOP COM O GURU DR.SHARAD PANDYA, DA

PURVA SCHOOL OF BHARATANATYAM, NO ESPAÇO CALDEIRÃO, EM 23/11/2019. ... 197

FIGURE 37–SOBRE O APRENDER-FAZENDO-OBSERVANDO.AQUI VEMOS O ATOR QUE FAZ O

KATTIYAKARAN, AJUDANDO O ATOR QUE FAZ O KATTAI VESHAM BHIMA COLOCAR SEU ORNAMENTO DE CABEÇA, O CIKAREK, SENDO OBSERVADO DE PERTO POR OUTRO JOVEM ATOR DA COMPANHIA. ... 202

(11)

FIGURE 38–NOTA-SE, NESTA FOTO, QUE ABAIXO DO CELULAR ESTÁ O CADERNO DE ANOTAÇÕES UTILIZADO POR PALANI MURUGAN PARA CONDUZIR O PROCESSO DE TREINAMENTO-ENSAIO COM OS ASPIRANTES A ATORES DA COMPANHIA.E QUE UM OUTRO CADERNO, TAMBÉM BASTANTE ROBUSTO, APARECE NAS MÃOS DE UM SEGUNDO ATOR.FOTO:EDILSON CASTANHEIRA. ... 203

FIGURE 39–HANNE M.DE BRUIN E P.RAJAGOPAL, FUNDADORES E DIRETORES DO KATTAIKKUTTU SANGAM. ... 204 FIGURE 40–ATORES DA COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA SE

PREPARANDO PARA APRESENTAÇÃO.VÊ-SE AS MAQUIAGENS E OS UTENSÍLIOS DISPOSTOS NO CHÃO E, NO LADO DIREITO DA FOTO, ALGUNS KATTAIS ENFEITADOS COM GUIRLANDAS.É COMUM QUE ANTES DE INICIAR O PROCESSO DE MAQUIAGEM, OS ARTISTAS ACENDAM UMA LAMPARINA, FAÇAM UMA PEQUENA ORAÇÃO OU CANTO ACOMPANHADO PELOS MÚSICOS, COMO FORMA DE RITUALIZAR O INÍCIO DA PREPARAÇÃO DOS ATORES, COMO SE PODE VER AQUI.OKATTAI, NESTE CASO, É ALÇADO A POSIÇÃO DE SÍMBOLO RITUAL, IMAGEM CONSAGRADA E REVERENCIADA, NO ALTAR IMPROVISADO. ... 207

FIGURE 41–NESTA FOTO, VEMOS O ATOR MAIS EXPERIENTE DA COMPANHIA, QUE IRÁ REPRESENTAR O PERSONAGEM BHIMA.A COLORAÇÃO BASE É UM VERDE-AZULADO.PODE-SE VER O MAL NA COR LARANJA, COM DETALHES EM PRETO (LINHAS) E PONTOS BRANCOS. ... 208

FIGURE 42–NESTA FOTO, O ATOR QUE INTERPRETA KICHAKA, UM DEMÔNIO, USA COMO COR BASE O LARANJA.SEU MAL TAMBÉM É DIFERENTE DOS DEMAIS, POIS NÃO É FEITO POR UMA LINHA CONTÍNUA OU PONTILHADA, MAS POR DOIS DESENHOS EM FORMA DE GOTA.AINDA É POSSÍVEL VER OUTROS ELEMENTOS COMO AQUELES QUE DEFINEM O DESENHO DA METADE INFERIOR DO ROSTO, E AQUELES QUE, JUNTO COM O MAL, DEFINEM O DESENHO DA METADE SUPERIOR DO ROSTO, FEITOS PARA VALORIZAR OS OLHOS. ... 209

FIGURE 43–NESTA FOTO VEMOS COM CLAREZA TANTO O KIRUTA, QUANTO OS BIGODES POSTIÇOS E UMA SUTIL VALORIZAÇÃO DOS LÁBIOS.TAMBÉM SE PODE VER O TRADICIONAL NAMAM VAISHNAVA.ATORES:

PALANI MURUGAN E OMID RAWENDAH.COMPANHIA:PURISAI NO THÉÂTRE DU SOLEIL. ... 211

FIGURE 44–APRESENTAÇÃO DE BHARATANATYAM EM PERUMBAVOOR,KERALA,2005. ... 212

FIGURE 45–NESTA FOTO, VEMOS AO LADO DO ATOR QUE SE MAQUIA COMO KICHAKA, O ATOR QUE FARÁ UMA PERSONAGEM FEMININA SECUNDÁRIA, COM UMA BASE ROSA-AMARELADA, LÁBIOS VERMELHOS, BOCHECHAS ROSEADAS, SOBRANCELHAS PINTADAS DE PRETO E UM BINDHI VERMELHO ENTRE AS SOBRANCELHAS.COMPANHIA DE AKKUR.FOTO:EDILSON CASTANHEIRA. ... 212

FIGURE 46–NESTA FOTO, VEMOS UM PEN VESHAM, PERSONAGEM FEMININO COMPLETAMENTE CARACTERIZADO.NOTA-SE A TENDÊNCIA AO NATURALISMO E AO USO DE POUCOS ORNAMENTOS, RESTANDO APENAS ALGUMAS POUCAS JOIAS E O CABELO POSTIÇO. ... 213

FIGURE 47–NESTA FOTO, VEMOS O ATOR QUE FARÁ O KATTIYAKARAN SE MAQUIANDO COM UMA BASE ROSA-ALARANJADA, UM BIGODE PINTADO DE BRANCO DE UM LADO E VERMELHO DO OUTRO (ASPECTO CLOWNESCO), COM SOBRANCELHAS VALORIZADAS E UM POSSÍVEL NAMAM SHIVAÍSTA NA TESTA.

COMPANHIA DE AKKUR... 213

FIGURE 48–KATTIYAKARAN DA COMPANHIA SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA EM APRESENTAÇÃO REALIZADA NA VÉSPERA DO NATAL, EM NEELANKARAI,CHENNAI,TAMIL NADU,2018.

FOTO:EDILSON CASTANHEIRA. ... 214

FIGURE 49–FORMATOS E ORNAMENTAÇÃO DOS KIRITAMS NAS COMPANHIAS AKKUR, KATTAIKKUTTU E PURISAI.OBSERVANDO AS TRÊS IMAGENS, NOTA-SE QUE ELES SÃO BEM SEMELHANTES, VARIANDO APENAS EM TAMANHO E USO DE CORES. ... 217

FIGURE 50–AQUI PODE SE VER OS CIKAREKS DAS COMPANHIAS PURISAI, AKKUR E KATTAIKKUTTU.AS DIFERENÇAS SÃO APENAS PONTUAIS.É UMA BOA OPORTUNIDADE PARA APRECIAR TAMBÉM OS

PADRÕES DE MAQUIAGEM DE PERSONAGENS SIMILARES, NO CASO,DUCHASSANA.FOTOS: CEDIDA POR

PALANI MURUGAN (PRIMEIRA),EDILSON CASTANHEIRA (AS DEMAIS). ... 218

FIGURE 51–NESTAS FOTOS VÊ-SE UM OUTRO TIPO DE ORNAMENTO DE CABEÇA PARA OS TIRES VESHAMS, PERSONAGENS IMPORTANTES, MAS QUE NÃO SÃO GUERREIROS EM SUA NATUREZA.O PRIMEIRO É BRIHANALA, UM PERSONAGEM TRANSEXUAL.NA VERDADE, ELE É ARJUNA QUE ASSUME A IDENTIDADE DE BRIHANALA PARA NÃO SER DESCOBERTO DURANTE O ÚLTIMO ANO DE EXÍLIO DOS PANDAVAS.O SEGUNDO PERSONAGEM É O DEUS KRISHNA, FIGURA IMPORTANTE NA DRAMATURGIA DO ESTILO.

COMPANHIA:SRI THANTONIAMMAN THERUKKOOTHU NADAGA SABHA. ... 219

FIGURE 52–NESTA FOTO, VEMOS UM KATTAI VESHAM COMPLETO: KIRITAM, POOJA KIRTTI, MARPU TUNI E KAJAI.PODE SE VER TAMBÉM O LENÇO E PARTE DA ESPADA NA OUTRA MÃO.COMPANHIA:

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FIGURE 53–AQUI PODE-SE VER O FIGURINO “EM AÇÃO”, DURANTE A EXECUÇÃO DE MOVIMENTOS VIGOROSOS E, TAMBÉM, A ESPADA RELUZENTE.OS PERSONAGENS SÃO DRAUPADI E DUCHASSANA, NO EPISÓDIO DO DESENROLAR DO SAREE.A ORQUESTRA ESTÁ AO FUNDO.COMPANHIA:

KATTAIKKUTTU SANGAM. ... 221 FIGURE 54-OTHERU-K-KOOTHU E A CENA CONTEMPORÂNEA.INTÉRPRETE PARTHIBAN V.COMPANHIA DA THERUKOOTHU DA REGIÃO DE KONGU,TAMIL NADU. ... 222

FIGURE 55-NAS TRÊS FOTOS ACIMA, VÊ-SE OS ESTUDANTES DO KATTAIKKUTTU SANGAM EM CENA, APRESENTANDO UM ESPETÁCULO CONTEMPORÂNEO, QUE DIALOGA COM A ESTÉTICA E OS

PERSONAGENS DO KATTAIKKUTTU. ... 246 FIGURE 56–PLACA QUE FICAVA NA SEDE DA COMPANHIA, QUANDO A VISITEI PELA PRIMEIRA VEZ, EM 2005,

E VISTA INTERNA DO TEATRO - SEM JANELAS OU PORTAS - UMA IMAGEM QUE, PARA MIM, DEFINE A UTOPIA DO COLETIVO. ... 260

FIGURE 57–GRUPO CALDEIRÃO E KPP EM CENA /2007.O PEQUENO RETÁBULO DE DOM CRISTÓVÃO –

KPP E GRUPO CALDEIRÃO/2007.DISPONÍVEL EM:

<HTTPS://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=RQYZJVCRBS0>ACESSO EM 01/09/2019 ÀS 11H31. .. 262

FIGURE 58–MINHA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA COM O KPP, EXCURSIONANDO COM UM SOLO PELO ESTADO DE

TAMIL NADU. ... 264

FIGURE 59–ENTRADA DA SEDE ATUAL DA COMPANHIA EM VIRUGAMBAKKAM. ... 266

FIGURE 60–FOTO EM HOMENAGEM A N.MUTHUSWAMY, FUNDADOR DO KPP, FALECIDO EM 2018.ESTA FOTO ESTÁ NA SEDE DA COMPANHIA, QUE ERA TAMBÉM A RESIDÊNCIA DE MUTHUSWAMY. ... 267

FIGURE 61–ARTE FEITA PELO KOOTHU-P-PATTARAI PARA DIVULGAR NOSSAS APRESENTAÇÕES NA SEDE DA COMPANHIA.BRAZIL PUYAL ENCERRAMENTO /GRUPO CALDEIRÃO E KPP, EM 2007.DISPONÍVEL EM:<HTTPS://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=2MUMWSWW0-S>.ACESSO EM 01/09/2019 ÀS

15H00. ... 268

FIGURE 62–NA.MUTHUSWAMY E EDILSON CASTANHEIRA /2007. ... 270

FIGURE 63–MATERIAL PROMOCIONAL DO ESPETÁCULO “ACHAMBRE EM INDE” DA COMPANHIA THÉÂTRE DU SOLEIL. ... 281

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ÍNDICE DE TABELAS

TABELA 1-PEQUENO RELICÁRIO ... 39

TABELA 2–OTEATRO DA NARRAÇÃO: ASPECTOS ESSENCIAIS. ... 61

TABELA 3–SIMILARIDADES ENTRE A ESTRUTURA DO RITUAL E A ESTRUTURA DRAMÁTICA POPULAR. ... 63

TABELA 4–ELEMENTOS CENTRAIS PARA A COMPREENSÃO DAS FORMAS NARRATIVAS RITUAIS E DOS DRAMAS RITUAIS. ... 77

TABELA 5-PANORAMA RESUMIDO DO TEATRO DO ENTRETENIMENTO. ... 91 TABELA 6–CALENDÁRIO DAS PRINCIPAIS FESTIVIDADES DA ÁREA RURAL DO ESTADO DE TAMIL NADU,

QUANDO APRESENTAÇÕES DE THERU-K-KOOTHU PODEM ACONTECER. ... 99

TABELA 7-OBSERVANDO A TABELA, NOTA-SE QUE, DO DIA UM AO DIA CINCO, ACONTECEM OS RITUAIS INICIAIS E AS RECITAÇÕES DE HISTÓRIAS, TÃO SOMENTE.ENTRETANTO, DURANTE TODOS OS DIAS DO FESTIVAL, ACONTECERÃO DIFERENTES RITUAIS COMANDADOS PELOS KAPPUKKARANS. ... 132 TABELA 8–ESTRUTURA BÁSICA DO FESTIVAL DE DRAUPADI AMMAN. ... 133

TABELA 9-CENSO POPULACIONAL DOS DISTRITOS DO NORTE DE TAMIL NADU, ONDE ESTÃO SITUADAS AS COMPANHIAS MAIS REPRESENTATIVAS DO THERU KOOTHU. ... 142 TABELA 10–GENEALOGIA DA FAMÍLIA DE THERU-K-KOOTHU, ESTILO DO NORTE,PURISAI.A

PESQUISADORA ENTROU EM CONTATO APENAS COM A PURISAI DURAISAMY KANNAPA THAMBIRAM THERU KOOTHU MANRAM. ... 152

TABELA 11-–GENEALOGIA DA FAMÍLIA DE THERU-K-KOOTHU, ESTILO DO NORTE, DA VILA DE AKKUR. . 156

TABELA 12–PANKU SYSTEM A DEFINIR OS TIPOS DE PERSONAGENS DA PERFORMANCE DO THERU-K-KOOTHU E, TAMBÉM, A HIERARQUIA INTERNA DAS COMPANHIAS. ... 170

TABELA 13–PANCH JATIS PROVENIENTES DO SISTEMA MUSICAL CARNÁTICO, PRÓPRIO DO SUL DA ÍNDIA.

ESTE SISTEMA SERVE DE BASE TANTO PARA A CULTURA CLÁSSICA QUANTO PARA A CULTURA

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO 1 - O TEATRO POPULAR DA ÍNDIA: PEQUENO RELICÁRIO ... 27

1.1PRACOMEÇODECONVERSA ... 27

1.2BREVE,BREVÍSSIMAHISTÓRIASOBREOSURGIMENTODOTEATRONAÍNDIA ... 32

1.3CHEGANDOCADAVEZMAISPERTO ... 35

1.4UMPEQUENOACHADO:UMRELICÁRIOTEATRAL ... 39

1.5TEATROFOLCLÓRICODAÍNDIA:ÓPERA POPULAR (TEATRO, DANÇA E MÚSICA) ... 40

1.6TEATRODANARRAÇÃO ... 46

1.7TEATRODORITUAL ... 62

1.8TEATRODOENTRETENIMENTO ... 77

1.8.1 VIDUSHAKA, O CÔMICO E SUTRADHARA, O ÉPICO... 78

1.8.2 O TEATRO POPULAR E A CULTURA DO ENTRETENIMENTO ... 82

CAPÍTULO 2 – O THERU-K-KOOTHU E O FESTIVAL DE DRAUPADI AMMAN ... 92

2.1ACULTURATRADICIONALDOESTADODETAMILNADU ... 92

2.2OCULTOÀSAMMANS ... 94

2.2.1 O FESTIVAL DE DRAUPADI AMMAN: REVIVENDO O MITO DE DRAUPADI - DA REALIDADE PARA A REALIDADE DO MITO ... 98

2.2.2. - ESTRUTURA DO FESTIVAL DE DRAUPADI AMMAN REALIZADO EM ECCHUR .. 132

CAPÍTULO 3 – THERU-K-KOOTHU E O LEGADO DOS HERÓIS DO MAHABHARATA ... 137

3.1PANORAMAGERALDOTHERU-K-KOOTHUNOESTADODETAMILNADUEÁREA DELIMITADAPELAPESQUISA ... 137

3.2OPROBLEMADONOME ... 142

3.3SISTEMADECASTAS ... 148

3.4ASLINHAGENSARTÍSTICASDETHERU-K-KOOTHUPESQUISADAS ... 151

3.5ADENTRANDOOKOTTAKAIDOTHERU-K-KOOTHU ... 158

3.5.1 CONTEXTO HISTÓRICO ... 158

3.5.2 ORGANIZAÇÃO DAS COMPANHIAS E DA PERFORMANCE THERU-K-KOOTHU ... 161

3.5.3 KATHA, KUTTU E AVESAM: HISTÓRIA, ENCENAÇÃO, POSSESSÃO ... 177

3.5.4 TRADIÇÃO LITERÁRIA, TRANSMISSÃO DE SABERES E TÉCNICAS PERFORMATIVAS ... 185

3.5.5 MAQUIAGEM, FIGURINOS E ADEREÇOS ... 204

CAPÍTULO 4 – THERU-K-KOOTHU NA ENCRUZILHADA: SER OU NÃO SER? ... 222

4.1UMAENCRUZILHADADETRÊSPONTAS:FOLCLÓRICO,EXPERIMENTALE INTERCULTURAL ... 222

4.2OEMBATEENTREOFLEXÍVELEORÍGIDO:FOCLÓRICOECLÁSSICO ... 226

4.3OTHERU-K-KOOTHUEO“DESENCANTAMENTODOMUNDO” ... 232

4.3.1 AS CIDADES DESENCANTADAS E AS PISTAS QUE NOS REMETEM AO “NOVO ENCANTAMENTO” DO MUNDO ... 238

4.4KATTAIKKUTTUSANGAM:ATRADIÇÃOMIRANDONOFUTURO ... 244

4.4.1 APRESENTAÇÃO DO SANGAM E DO GURUKULAM ... 244

4.4.2 UM OLHAR FEMININO E FEMINISTA PARA A TRADIÇÃO ... 247

4.4.3 DISCUSSÃO POLÍTICO-SOCIAL ATRAVÉS DE UM TEATRO RITUAL? ... 255

4.5KOOTHU-P-PATTARAI:UMAUTOPIATEATRAL ... 257

4.5.1 UMA FESTA INDO-BRASILEIRA (BRAZIL PUYAL): TAGA TOM DIM TA DIMI TAGA - DONA DA CASA SEU TERREIRO ALUMIÔ! ... 267

(15)

4.6.1 – A ROOM IN INDIA OR IN FRANCE? ... 279

CONSIDERAÇÕES FINAIS – OS NOVOS VENTOS DO SUL E O SOPRO DA CANTIGA ... 286

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 295

MATERIAL ÁUDIO VISUAL ... 298

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR... 298

WEBSITES ... 300

ANEXOS ... 303

ANEXOI–ENTREVISTACONCEDIDAPORHANNEDEBRUINEM04/07/19 ... 303

ANEXOII–ENTREVISTACONCEDIDAPORRUSTOMBHARUCHAEM05/07/2019 ... 304

ANEXOIII–ENTREVISTACONCEDIDAPORK.R.RAJARAVIVARMAEM07/07/19 ... 307

ANEXOIV–PROGRAMASDEESPETÁCULOEMATÉRIASDEJORNALDO KOOTHU-P-PATTARAI ... 312

ANEXOV-LINKSDEACESSOPARAOSDOCUMENTÁRIOS“THERU-K-KOOTHU:RAÍZESE ROTASIEII” ... 339

ANEXOVI–PARECERDOCOMITÊDEÉTICANAPESQUISA ... 340

(16)

INTRODUÇÃO1

Minha história com a Índia começou no final do século XX quando, numa viagem à Grécia com o querido professor e amigo Cyro Del Nero, tive a oportunidade de conhecer a cultura grega por uma ótica fundamentalmente teatral, ritual e - só hoje compreendo - iniciatória. Depois de 20 dias de viagem, reunidos em Monenvassia, uma pequena ilha com ares de fortaleza medieval na região da Lacônia, fomos indagados – eu e meus companheiros de viagem, todos jovens artistas – sobre quais rumos gostaríamos de tomar em nossas vidas dali para frente. Eu tinha 19 anos nesta época e não sabia ao certo o que responder diante de um homem que era uma referência para todos nós e que nos apresentava, generosa e afetivamente, a Grécia e tudo o que ela simboliza para nós, artistas da cena, como só mesmo um grande iniciador de pessoas poderia fazer. Lembro-me apenas de ter dito: “Acho que quero ir para o oriente”. Depois de anos, ainda me lembro deste momento como um divisor de águas, apontando o caminho de toda uma vida.

Chegando ao Brasil, coincidentemente, vi uma apresentação de uma bailarina de dança clássica indiana chamada Madhavi Mudgal e fiquei profundamente impactada por sua capacidade de contar histórias com toda e cada parte de seu corpo, principalmente por meio dos gestos de mão e das expressões faciais, sem saber que, a partir daquele encontro, nascia meu projeto de mestrado. Para uma atriz em começo de carreira me pareceu que havia encontrado ali alguma coisa que valia a pena conhecer melhor, estudar, não para tornar-me dançarina, mas para me tornar uma atriz melhor. Então, meu companheiro de vida e de palco, Edilson Castanheira, me falou sobre uma professora recém-chegada da Índia que estava começando a dar aulas e, quem sabe, eu pudesse ir até ela para conhecer mais sobre o assunto e estudar dança. Dessa forma, cheguei à Natyalaya School of Classical Dances, dirigida, no Brasil, por Patrícia Romano, e lá fiquei por oito anos estudando Bharatanatyam e, posteriormente, Kuchipudi e Mohiniyattam, todas elas, formas 1 Processo nº 2016/10719-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

(FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas nesse material são de responsalibidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.

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de dança clássica da Índia. Neste percurso intenso e prazeroso, posso dizer que praticamente “esqueci” qual era a motivação inicial que havia me levado até aquele encontro e mergulhei de cabeça num universo que se apresentava para mim como muito mais rico, multifacetado e complexo do que eu podia imaginar. De fato, sem ter planejado, tornei-me dançarina, e este acontecimento deu novo rumo e significado à minha vida pessoal e profissional.

Eu poderia ter mergulhado de vez nesta aventura de assumir-me como dançarina e abandonar o teatro, não fosse a voz – às vezes desconfortável, mas sempre necessária, de meu companheiro a me dizer: “Mas o que você quer com a dança indiana?”, “Qual o significado de fazer dança indiana no Brasil?”, ou colocações mais provocativas como: “Lembre-se que você não é indiana”, “Você é uma atriz ocidental que faz dança indiana”. Graças às suas provocações e um sentimento de que suas colocações eram pertinentes, consegui manter-me alerta o suficiente para não sucumbir às tentações de – esquecendo quem sou e onde estou – tentar ser exatamente aquilo que não era. Comecei, então, a colocar em prática tudo que tinha aprendido com a dança indiana nos processos de criação do Grupo Caldeirão2, primeiro como treinamento a dar suporte aos atores e, posteriormente, como elemento estético ocupando a cena.

Desde então, fui inúmeras vezes à Índia, estudei com diferentes mestres, conheci muitos artistas das tradições clássicas e populares, do teatro e da dança, produzi espetáculos, dei muitas aulas e cursos pelo Brasil, fundei minha própria escola e centro de pesquisa, o Núcleo Prema (2007), berço de tudo quanto pude produzir e pensar sobre a cultura indiana em relação à cultura teatral ocidental, ao teatro e a dança que eu gostaria de fazer aqui no Brasil, e também à forma como gostaria que a dança indiana fosse vista e compreendida por brasileiros. Finalmente, percebi que havia me tornado atriz e dançarina. De tudo isso, nasceram dois frutos muito significativos: o espetáculo “Orè Yèyé O, Oxum Tarangam”3 (2013) e a dissertação de mestrado, defendida em 2015, no Instituto

2 Grupo Caldeirão: Companhia teatral paulista, fundada em 1988, por Edilson Castanheira e

Maria da Betania Dias Galas, com a qual trabalho desde 1996. Juntos, fundamos o Espaço Caldeirão em 2004, local de produção alquímica do teatro, da dança e da vida. O Núcleo Prema é sediado no Espaço Caldeirão, desde 2007.

3 O espetáculo e o documentário que conta sobre seu processo de criação podem ser vistos no Youtube através do link: https://www.youtube.com/watch?v=MPTqQtwbwQs

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de Artes da Unicamp, intitulada: “Abhinaya: a construção de um corpo narrativo. O elemento expressivo do teatro e da dança na Índia”.

E, então, veio um sentimento de esgotamento... uma sensação de que era hora de dar um novo sentido à trajetória. A Índia clássica tinha me apresentado um caminho e eu era grata por todos os frutos colhidos nessas andanças, mas havia o desejo de conhecer uma outra Índia, aquela que eu vislumbrava nos rituais de difícil compreensão, nos diagramas e imagens nas portas dos templos e das casas, nas canções e brincadeiras populares, na confusão das ruas onde cada esquina é um templo, no corpo das crianças com seus colares e amuletos protetivos, no kumkum vermelho no cabelo das mulheres, nas festividades, nas celebrações familiares ou públicas, nas inúmeras superstições e crendices, no modo de vida dos vilarejos que conheci, onde uma outra lógica de vida opera, tudo aquilo que a cultura clássica absorveu e tratou de suavizar ou mesmo camuflar. Nasceu, então, o desejo de conhecer esta outra faceta da Índia, sua contraparte popular ou folclórica e compreender melhor como tudo isso podia dar um novo rumo ao meu trabalho como artista e pesquisadora da cultura indiana no Brasil.

Havia também um desejo sincero de “voltar para o teatro”. Explico: toda minha pesquisa de mestrado se debruçou sobre a técnica expressiva do Abhinaya4 que, embora também se aplique ao teatro, é mais claramente afeita à dança. De 1999 a 2015, quando defendi meu mestrado, foram anos dedicados a este assunto. De repente, nasceu em mim o desejo de abandonar esta zona de conforto e me lançar num mundo desconhecido. Lembrei da frase: “Você é uma atriz que dança” e concluí: “É a hora de mergulhar no abismo”. Sim, um abismo. Devo confessar que eu pouco sabia sobre o que era o Theru-K-Koothu5 e muito menos sobre o terreno espinhoso do interculturalismo em que estava me metendo, quando comecei esta jornada. Minha escolha foi afetiva, motivada por

4 Abhinaya é a técnica expressiva do teatro e da dança indiana que se vale dos gestos de mão

codifica, das expressões faciais e da movimentação corporal estilizada.

5Theru-K-Koothu (TKK): teatro ritual do estado de Tamil Nadu, surgiu entre 200 a.C. e 200 d.C.

Tradicionalmente narra episódios do Mahabharata, épico hindu. Seu objetivo é, mais do que entreter, educar as populações rurais iletradas, apresentando conteúdos históricos e religiosos.

Theru quer dizer espaço aberto e Koothu dança ou teatro, o que remete à ideia de um teatro feito

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uma experiência marcante que tive numa das minhas viagens à Índia, junto ao grupo Koothu-P-Pattarai6. Outro desses momentos fundantes que transformam toda uma vida.

Tudo começou assim: em 2005 fui selecionada pela UNESCO/Aschberg Bursaries Programme for Artists para um Intercâmbio Cultural junto ao Koothu-P-Pattarai. O grupo era dirigido por Na. Muthswamy7, escritor e diretor teatral responsável por uma retomada do Theru-K-Koothu nos anos 1970, quando a cultura popular e seus artistas estavam em franca decadência, sem nenhum respaldo governamental e gozando de má reputação. Naquela ocasião, recebi treinamento em Theru-K-Koothu, Devarattam8, Silambam9 e Thudumbu10; todas formas populares de teatro, dança, arte marcial e música, respectivamente, de Tamil Nadu. Depois de anos estudando dança clássica indiana, este foi meu primeiro mergulho na cultura popular indiana. Desse modo, descobri que havia todo um mundo novo de possibilidades expressivas ainda pouco aprofundadas por mim e, até mesmo, pelos artistas teatrais contemporâneos locais. De fato,

6 Koothu-P-Pattarai (KPP): é um grupo de teatro Tamil, fundando em 1977. Possui, em seu

currículo, mais de 60 produções em vários gêneros, trabalhando com temas diversos, sempre no idioma Tamil. Sua linguagem mescla elementos da dança, do teatro popular, do teatro de bonecos e das artes marciais. O KPP é reconhecido como um dos cinco centros de treinamento selecionados em todo mundo, pela UNESCO, para participar de seu programa de bolsas. O KPP também colabora com a revitalização e documentação da tradição KOOTHU e oferece suporte contínuo aos artesões tradicionais e a grupos de teatro por todo o estado. Para saber mais, acesse no site http://www.koothu-p-pattarai.org/index.html

7 Na. Muthuswamy: Fundador e dramaturgo do grupo Koothu-P-Pattarai, Na Muthuswamy,

falecido em 2018, é reconhecido como um pioneiro do teatro experimental em Tamil Nadu. Em 1969, sua produção intitulada “Time after time” foi considerada a primeira peça “moderna” na história do teatro Tamil. Após oito anos de intenso estudo sobre o Theru-K-Koothu, o tradicional teatro de rua de Tamil Nadu, Muthuswamy criou o grupo de teatro KPP, em 1977. Sua façanha contribuiu para uma revalorização das formas de teatro tradicionais e para a criação de uma nova estética teatral.

8Devarattam: dança tradicional preservada pelos descendentes da dinastia de Veerapandiya

Kattabomman, em Kodangipatti, no distrito de Madurai, Tamil Nadu. Conhecida como “a dança dos deuses”, tem um significado social e ritualístico especial para sua comunidade. Seus moradores acreditam ser os descendentes diretos dos “Devas” ou deuses e, por isso, a dança leva esse nome: DEVA – deuses e ATTAM – Dança.

9 Silambam: Arte marcial própria do estado de Tamil Nadu que muito se assemelha ao Kalaripayatt, originário do estado de Kerala. Os movimentos mais marcantes são aqueles

realizados com longas varas de bambu, mas outras armas também são utilizadas. Existem diferentes linhagens de Silambam e não se sabe, ao certo, quando esta forma de arte marcial surgiu.

10 Thudumbu: Forma de música popular realizada por tambores de diferentes tamanhos e

timbres, produzindo uma sonoridade cadenciada e potente. Tradicionalmente, é executada nas vilas apenas por homens. É complementada por danças simples, coreografadas e executadas em roda.

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eles também, muitas vezes, são estrangeiros dentro de sua própria cultura, resultado de anos e anos de achatamento cultural, desconhecimento ou preconceito em relação às manifestações populares e suas próprias tradições11. Daí a importância do trabalho de resistência desenvolvido pelo Koothu-P-Pattarai e a razão pela qual preciso falar dele nessa pesquisa.

Esta foi a primeira vez que entrei em contato com o Theru-K-Koothu, e preciso agradecer a Na. Muthuswamy por me propiciar este primeiro encontro sem tentar me convencer de que ali havia algo importante para ser visto. E eu não vi... não “logo de cara”. Precisei de alguns anos para entender o valor daquele encontro, e só hoje posso dimensionar sua generosidade em entender minha limitação e incapacidade em abandonar a “pseudo-superioridade-transcedental” das tradições clássicas a que eu estava completamente familiarizada, em favor do, aparentemente, grotesco “high pitch” do Theru-K-Koothu, com sua estética masculinizada nada sutil. A desconstrução de estereótipos tão arraigados sempre vem acompanhada de alguma recusa, que demanda um tempo de vivência e assimilação, até que a realidade possa ser vista sem os filtros de nossas preferências pessoais, fora da caixa de nossos extratos culturais, sociais e econômicos.

Motivada por esse incômodo, já no desenrolar do projeto de pesquisa, realizei um levantamento das pesquisas acadêmicas em andamento ou já realizadas no Brasil, que tratavam das artes cênicas indianas e notei que praticamente a totalidade delas se debruçava sobre a cultura clássica da Índia: diferentes danças dramáticas (Bharatanatyam, Odissi, Chauv etc.); formas teatrais clássicas (Kathakali, Kudiyattam etc.); Teoria Estética (Natyasastra, Abhinaya Darpana, etc.), inclusive meu próprio mestrado (vejam só que ironia). Concluí, desta breve pesquisa, que muito pouco se sabe, se fala e se produz no meio acadêmico e artístico sobre a cultura folclórica da Índia, que considero, à luz de tudo quanto sei hoje, muito mais profícua que a própria cultura clássica. Isso ocorre, em parte, porque se trata de um desafio hercúleo, já que as formas dramáticas populares (teatro e dança) excedem muito, em

11 Refiro aqui, especialmente, ao período que corresponde a colonização britânica e seu legado

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número, as formas clássicas: enquanto temos apenas oito formas de danças dramáticas consideradas clássicas na Índia, temos mais de 2.000 formas dramáticas de origem popular. E em parte, porque sempre há um grande preconceito com as manifestações de origem popular, consideradas, erroneamente, como decadentes, sempre à beira do precipício da extinção, gozando de má reputação como resposta à sua falta de sistematização e registro escrito e, portanto, menos interessantes como objeto de estudo.

Por este motivo (mas não que eu o soubesse desde o início), creio que esta pesquisa seja de grande relevância no âmbito artístico-acadêmico, dado seu caráter inovador e o valor potencial que esta informação pode agregar às reflexões teórico-práticas no campo das artes cênicas brasileiras. Não há, por aqui, nenhuma pesquisa realizada sobre o Theru-K-Koothu ou mesmo sobre outras formas teatrais populares da Índia, inaugurando todo um novo campo de pesquisa sobre o teatro indiano para aqueles que virão depois de mim, ainda bastante desconhecido e instigante, resvalando na difícil e complexa discussão das experiências interculturais, tão pertinentes e necessárias de serem travadas no Ocidente como um todo.

Esta tese expressa claramente meu desejo de pesquisadora em dar visibilidade a outras tradições dramáticas indianas, historicamente negligenciadas, renegadas ou usurpadas. Expressa um desejo sincero de me colocar de outra forma, talvez mais ética, frente a esta cultura com a qual trabalho há tantos anos, me permitindo caminhar por terrenos menos sólidos, de estar mais vulnerável, de simplesmente não saber por onde a transformação começa e, ainda assim, não me furtar dela. Expressa meu desejo latente de celebrar os inícios, os mestres da Grécia, do Brasil e da Índia, de celebrar o teatro... ah, o teatro, essa arte tão decadente e tão necessária. Deixarei essas reflexões mais pessoais para as conclusões do trabalho que assim se estrutura: No primeiro capítulo, apresento – de modo panorâmico – o universo da cultura teatral popular da Índia. Este capítulo tem a importante função de contextualizar o Theru-K-Koothu dentro da grande diversidade de manifestações teatrais populares existentes, para que seja possível compreender como este estilo dialoga com o todo, não apenas no âmbito das manifestações teatrais

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populares, mas da cultura teatral de forma geral. Para torná-lo mais rico, apresento duas abordagens distintas da cultura popular teatral da Índia: a primeira, representada pelo historiador indiano Varadpande (1992); e a segunda, pelos pesquisadores ocidentais Richmond, Swann e Zarrilli (1990). Tal contraponto enriquece esta discussão porque nos faz perceber como a leitura do pesquisador ocidental sobre a cultura da Índia, muitas vezes, é bem distinta daquela que o pesquisador nativo faz de sua própria cultura. Isso ajuda a lembrar que é sempre bom pisar com cautela num terreno onde seremos sempre estrangeiros e/ou “descendentes de colonizadores”. Ciente desta condição, procuro enriquecer o capítulo com algumas fotos e informações que refletem minhas percepções, como artista-pesquisadora ocidental, sobre a cultura teatral popular da Índia.

No segundo capítulo, a lente, que antes estava aberta sobre o teatro folclórico da Índia, começa a se fechar sobre o Theru-K-Koothu em sua íntima relação com os Paratams, festivais religiosos do estado de Tamil Nadu, relacionados ao Mahabharata, em especial o Festival de Draupadi Amman, que ocorre tradicionalmente nas áreas rurais do estado, procurando compreender como as apresentações de Theru-K-Koothu, encenando diversos episódios do Mahabharata e culminando com a cena da morte de Duryodhana, se relaciona com o culto das divindades femininas primitivas conhecidas como Ammans ou Grande Mães; inserindo-se no cotidiano da vida comunitária em seus aspectos materiais e imateriais. Este capítulo cumpre a importante missão de apresentar o Theru-K-Koothu em seu contexto original, de modo a compreendê-lo como um teatro ritual, popular, feito a céu aberto.

No terceiro capítulo, a lente que se projetava sobre o Theru-K-Koothu em seu aspecto ritual se afunila um pouco mais para esmiuçar a estrutura organizacional e performativa do estilo, a partir de informações recolhidas junto a duas importantes companhias: a Purisai Duraisamy Kannappa Thambiran Parambarai Therukkoothu Manran e Sri Thanthoniamman Therukkoothu Nadaga Sabha. Este capítulo coloca em evidência o Theru-K-Koothu como gênero performativo, apresentando sua estrutura de funcionamento e organização mais características: materiais textuais, treinamento, hierarquia, maquiagens,

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figurinos, tipos de personagens etc. Seu objetivo é oferecer um contato inicial com a performance Theru-K-Koothu, desmistificando a ideia bastante arraigada (e incorreta), tanto na academia quanto no meio artístico ocidental, de que as formas teatrais populares indianas são, esteticamente, menos elaboradas do que suas irmãs clássicas, por contarem com uma estrutura cênica menos sistematizada e codificada.

A segunda pesquisa de campo desenvolvida entre final de 2018 e começo de 2019, com suporte da BEPE/FAPESP, foi fundamental para a escrita deste capítulo e para a correção de muitos equívocos relacionados à natureza e finalidade do Theru-K-Koothu, passando pela correção da grafia dos principais jargões do estilo, até a desmistificação de uma suposta inferioridade estética e do declínio do estilo nas regiões onde ele ocorre. O Theru-K-Koothu segue pulsando e fazendo pulsar vida nos vilarejos de Tamil Nadu, o que não significa que não enfrente problemas e dificuldades, em especial aqueles decorrentes do êxodo rural, do empobrecimento paulatino das suas populações e do avanço da cultura de massa, principalmente a televisão e o cinema.

Um mergulho dessa profundidade não poderia se dar contando exclusivamente com o material bibliográfico disponível, mas, principalmente, por meio do contato direto com os artistas, estudiosos e pesquisadores locais nas diversas fases da pesquisa: Therukkoothu12, Kattaikkuttu Sangam13, Koothu-P-Pattarai, Pondicherry University14, Sri Thantoniammam Therukoothu Nadaga Sabha15 e Purisai Duraisamy Kannappa Thambiram Parambarai Theru Koothu Manran16, Professor Dr. K. R. Rajaravivarma17 e Professor A. Chellaperumal

12Therukkoothu: associação informal dirigida por Suraa Suresh (Founder) e Bala Tilak (Chief

co-ordinator), responsável por articular apresentações e encontros entre diferentes companhias

Koothus de Tamil Nadu, com página no Facebook. 13Kattaikkuttu Sangam: http://www.kattaikkuttu.org/

14 Pondicherry University Department of Performing Arts:

http://www.pondiuni.edu.in/department/department-performing-arts

15 Sri Thantoniammam Therukkoothu Nadaga Shaba: Akkur Village, Distrito de Kanchipuram,

North Arcot, dirigida por Elumalai e fundada em 1984.

16 Purisai Duraisamy Kannappa Thambiram Parambarai Theru Koothu Manran: Purisai

Village, Distrito de Thiruvannamalai, North Arcot, dirigida por Sambandan, com uma linhagem que remonta há, pelo menos, 3 gerações ou, aproximadamente, 150 anos de existência.

17Professor Dr. K. R. Rajaravivarma: Professor Assistente do Departamento de Artes Cênicas

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(2001)18, estes dois últimos a quem agradeço e preciso dizer que devo muito pelo apoio generoso em elucidar dúvidas, oferecer materiais complementares e dividir comigo a intimidade de suas tradições, aquilo que não está escrito em nenhum livro e que se sustenta unicamente sobre seus corpos e sobre os corpos daqueles que vieram antes deles, os segredos do green room.

O segundo e o terceiro capítulos cumprem, portanto, a função de permitir a visualização do amplo espectro de ação do Theru-K-Koothu dentro de suas comunidades, não apenas como forma ritual e artística, mas também como meio de expressão e manutenção dos valores sociais, religiosos, educacionais e éticos que são a base das sociedades rurais do sul da Índia.

No quarto capítulo, a tradição será confrontada com o tempo presente e os choques, contradições e dilemas em que ela se vê imersa para conseguir sobreviver. Primeiro, apresento a problemática, ainda atual, que envolve as culturas clássica e folclórica da Índia, com evidente supremacia da primeira sobre a segunda e seus desdobramentos sobre o Theru-K-Koothu, que apontam um certo “desencantamento”, mas também a possibilidade de subverter essa lógica e produzir vestígios de “reencantamento”.

Apresento, então, o primeiro desses vestígios: a experiência artístico-pedagógica única do Kattaikkuttu Sangam, organização social fundada pelo ator Theru-K- Koothu, P. Rajagopal, e a pesquisadora holandesa, Hanne M. De Bruin (1999), dedicada à preservação desta forma de arte em sua totalidade e à formação de jovens atores desde a mais tenra idade, em regime de internato ou Gurukulam.

Lanço, então, um olhar acerca da influência do Theru-K-Koothu sobre a produção teatral contemporânea de Tamil Nadu, partindo da trajetória do mais importante grupo do estado, o Koothu-P-Pattarai, um segundo vestígio de luminescência. Para tanto, parto de minhas próprias experiências com a companhia e seus artistas, seus relatos, depoimentos e entrevistas; dos materiais cedidos: fotos, vídeos, programas; e de informações mais atuais colhidas na segunda pesquisa de campo.

18 Professor Dr. A. Chellaperumal: chefe do Departamento de Antropologia da Pondicherry

University, pesquisador dos aspectos antropológicos do Theru-K-Koothu, em especial, a importância dos laços de parentesco na formação das linhagens.

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Fechando o capítulo, analiso criticamente a participação da companhia Purisai Duraisamy Kannappa Thambiram Parambarai Theru Koothu Manran no processo de produção do espetáculo “Chambre em Inde” ou “A room in India” (2016), pelo Thèâtre du Soleil, a partir de informações recolhidas com o artista-colaborador Palani Murugan, que participou do espetáculo, e a partir de conversas com a pesquisadora-colaboradora Hanne M. de Bruin e o renomado escritor indiano Rustom Bharucha (1993), resvalando no controverso e sempre delicado campo dos experimentos interculturais. Sem querer, tal descoberta, inesperada e não prevista inicialmente, acerta em cheio o centro da própria pesquisa e os últimos vinte anos de trabalho da pesquisadora. O mundo está mesmo em constante mudança e é preciso aprender a mudar com ele.

Este capítulo, que observa o salto do Theru-K-Koothu direto no olho do furacão da pós-modernidade, urbana, tecnológica e globalizada, tem como principal objetivo problematizar o estado atual do estilo e de seus praticantes em relação à realidade que ora se apresenta, as dificuldades e desafios encontrados, os desdobramentos, riscos, contradições, ganhos e apontamentos. Não há, portanto, como não pontuar o estado atual de fragilidade dessa tradição, decorrente do agressivo processo de enfraquecimento das culturas teatrais populares de toda a Índia, lançando seus artistas a uma “zona liminar e marginal” (Caballero, 2016) e produzindo uma espécie de “desencantamento” (Weber, 2015) que pode ser lido, ao mesmo tempo, como uma sentença de morte ou um convite à transformação (Fischer-Litche, 2008).

Nas considerações finais, analiso os ganhos obtidos pela pesquisa, seus desdobramentos, descobertas, perdas, limitações, acertos e desacertos por uma ótica mais pessoal e afetiva. Aproveito, também, para falar, com mais liberdade na escrita, das experiências vividas durante todo o processo da pesquisa, em especial, das viagens de campo e sobre aqueles desarranjos capazes de produzir novos e mais belos arranjos, ainda que às custas de alguma dor, de deixar de lado as velhas roupas, as velhas ideias e conceitos, para caminhar nu em busca daquela qualidade de presença e verdade que só o teatro é capaz de produzir. Através do Theru-K-Koothu, empreendi uma viagem que me levou de volta ao teatro, como eu tanto ansiava, e com ele, a profunda reflexão de meu

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próprio fazer artístico que, há mais de 20 anos, traça uma rota poética e imaginária entre Brasil, a terra do pau encarnado, e Índia, a terra mítica de Bharata. Aqui começa a soar uma cantiga... uma cantiga moura19. É um espetáculo que começa a se gestar. É a pesquisa buscando a oxigenação do palco e reconstruindo a experiência afetiva e artística da pesquisadora. Evoé! Sabhash!20

19Cantiga Moura – Arabi Gita (uma contra-fábula indobrasileira) é a mais nova produção do

Núcleo Prema, unindo a cultura indiana e a cultura brasileira.

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CAPÍTULO 1 - O TEATRO POPULAR DA ÍNDIA: PEQUENO RELICÁRIO

Figure 1 – Preparando a maquiagem. Intérprete Parthiban V. Companhia da

Therukoothu da região de Kongu, Tamil Nadu.

Foto: Cedida por Parthiban V.

1.1 PRA COMEÇO DE CONVERSA

Este capítulo se incumbe de lançar uma lente de aumento sobre a cultura teatral popular da Índia num percurso panorâmico, visitando algumas das formas teatrais folclóricas mais emblemáticas espalhadas por todo o território nacional, o que inclui também o Theru-K-Koothu, centro vital desta pesquisa, de modo a explicitar o contexto em que esta tradição se insere e com a qual dialoga permanentemente.

A opção por partir de uma visão panorâmica até atingir aspectos mais regionalizados da cultura teatral popular se dá por duas razões: a constatação da falta de conhecimento sobre o assunto, em termos de pesquisa no Brasil, tornando necessário um mergulho neste universo tão específico para que dele se possa extrair algum saber ou reflexão em cruzamento com nossas próprias reflexões sobre diferentes “práticas cênicas” (Caballero, 2016), surgidas no cenário pós Segunda Guerra Mundial, no Ocidente:

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[...] a denominação “práticas cênicas” tenta quebrar a sistematização tradicional e procura expressar o conjunto de modalidades cênicas – incluindo as não sistematizadas pela taxonomia teatral – como as performances, intervenções, ações cidadãs e rituais. (CABALLERO, 2016, p. 16).

A segunda razão é pela necessidade de se compreender quais os elementos constitutivos recorrentes que aparecem num grande número de manifestações e que acabam por configurar uma certa “estética do teatro popular indiano”, com a qual se possa conversar artisticamente, estabelecer paralelos, distanciamentos, cruzamentos transculturais que ampliem nosso olhar e entendimento sobre as tais “práticas cênicas” em termos mais globais.

Deste modo, não se trata de criar um compêndio de manifestações teatrais explicitando minuciosamente o aspecto particular de cada uma delas, o que já foi feito por outros historiadores, como, por exemplo, Varadpande (1992), que muito contribuiu para a escrita deste capítulo, mas em encontrar os elementos comuns que as agregam e, a partir deles, entrar em contato com algumas formas teatrais populares específicas, nas quais tais elementos comuns possam ser identificáveis, reconhecíveis.

Para tanto, tomo, como material de estudo obras de historiadores indianos e artistas-pesquisadores ocidentais das artes da cena. Essa dupla investida cria duas camadas diferentes de entendimento do fenômeno teatral indiano: uma macroscópica, de caráter histórico-reflexivo, que nos apresente o teatro popular da Índia dentro das engrenagens da História, e outra, microscópica, voltada à reflexão do fenômeno teatral a partir de suas próprias práticas, do olhar daqueles que estão imersos nelas: o artista e seu público. Espera-se que, ao final deste capítulo, o leitor tenha criado, em seu plano mental, uma imagem mais vívida do rico e dinâmico universo teatral popular da Índia e esteja curioso para aprofundar-se no universo único do Theru-K-Koothu, um grande expoente deste gênero cultural.

Creio que seja válido começar esta conversa tratando de afinar alguns conceitos, elucidando termos usados com frequência e que sempre geram muita confusão e discordâncias, como “clássico”, “folclórico”; “erudito”, ‘popular’; “tradição” e “tradicional”. Na Índia, a cultura teatral divide-se em dois grandes grupos de onde derivam outras categorias: as formas reconhecidas como

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clássicas e que descendem do teatro Sânscrito, em conexão direta com o Natyasastra de Bharatamuni (1986)21; e aquelas, reconhecidas como folclóricas, que nascem no seio das comunidades rurais e que respondem às necessidades de uma certa dinâmica da vida social e espiritual, muito específicas de uma região, de um vilarejo ou um povoado.

É certo que, no curso da História da Índia, o teatro dito “folclórico” e o teatro dito “clássico” convergiram e, mesmo, alimentaram-se mutuamente. Ainda hoje, no entanto, há divergências entre os estudiosos sobre qual teria surgido primeiro, e o mais aceito pela maioria deles é que o teatro sânscrito e o folclórico tenham sido contemporâneos, ressaltando-se que, ao declínio do teatro sânscrito, corresponde o período de ouro do teatro folclórico (séc. XV/XVI). Embora no Brasil e no Ocidente o uso da palavra “folclórico” tenha ganhado uma conotação pejorativa, na Índia este valor depreciativo imputado à palavra não parece aplicável. De fato, Rustom Bharucha, durante entrevista concedida em Janeiro de 2019, foi categórico em afirmar que essa palavra já era empregada pelos historiadores, pesquisadores e artistas tradicionais da Índia, muito antes de receber tal conotação pejorativa no Ocidente e que é exatamente pelo uso dessa palavra que os artistas tradicionais indianos se definem e categorizam. Dizer “teatro folclórico”, na Índia, é absolutamente natural e pertinente, e por essa razão, a palavra será sempre utilizada nesta pesquisa também.

Do mesmo modo, a categorização entre “erudito” e “popular” merece algumas considerações quando se examina a cultura indiana. A cultura clássica relaciona-se diretamente com um extrato social mais elevado, letrado e culto, que vê na arte uma manifestação de uma experiência com o Belo e a Verdade, como nos apresenta o filósofo Coomaraswamy:

Assim como o Amor é a realidade vivenciada pelo Amante, e a Verdade é a realidade vivenciada pelo Filósofo, a Beleza é a realidade vivenciada pelo Artista: e todas elas são fases do Absoluto22

(COOMARASWAMY, 1985, p. 36, tradução livre).

21 O Natyasastra, tratado da arte dramática hindu, escrito em sânscrito, é um dos mais antigos

textos sobre a “ciência da representação e do gesto” na história da humanidade, cujo conteúdo apresenta informações relevantes à compreensão do surgimento e o propósito da arte teatral. Acredita-se que tenha sido escrito entre os séculos II a.C e II d. C.

22 No original: “Precisely as Love is reality experienced by the Lover, and Truth is reality as experienced by the Philosopher, so Beauty is reality as experienced by the Artist: and these are phases of Absolute” (COOMARASWAMY, 1985, p. 36).

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Este ideal acaba por gerar uma certa “estetização” da vida que resulta em altos graus de sistematização e sofisticação artística, destinados, primordialmente, a um grupo seleto de iniciados em seus códigos e regras, o que, numa sociedade altamente estratificada como a indiana, significa atender aos anseios estéticos das altas castas. A cultura popular, por sua vez, relaciona-se com as camadas mais baixas da sociedade indiana, geralmente iletrada, onde a arte tem uma relação mais direta, dinâmica e orgânica com os anseios da vida comunitária em seus aspectos espirituais, sociais e cotidianos. O discurso ético, nesses casos, antecede o discurso estético, se voltarmos à origem da palavra grega Ethos, compreendida como um certo conjunto de valores, hábitos, ideias e crenças que ajudam a organizar a vida em coletividade. O teatro, neste contexto, pode assumir diferentes usos, dos mais pragmáticos aos mais espiritualizados, para além dos ideais clássicos de Verdade, Virtude e Beleza, de Bharatamuni.

Isso não significa dizer que as formas populares não possuem graus de sistematização consideráveis e que não sejam também sofisticadas em termos estéticos. Ao contrário, observando-se mais de perto essas manifestações, em especial os dramas populares, veremos o cuidado que dedicam a todos os elementos de linguagem que compõem a cena, funcionando como uma verdadeira ópera popular onde teatro, dança e música formam um todo indivisível. Trata-se apenas de modos distintos de sistematizar e produzir beleza para extratos diferenciados de uma sociedade complexa como a indiana. Na cultura erudita e letrada, o saber escrito e expresso pelos grandes tratados de artes, dos quais o Natyasastra é apenas um exemplo, organiza e sistematiza os meios e modos de produção artística: tudo que está em acordo com essas diretrizes receberá, portanto, o crivo de clássico. Ao passo que na cultura popular, essencialmente oral, o conhecimento se sedimenta sobre o saber específico de cada linhagem, clã ou família teatral, de quem essas formas de arte dependem exclusivamente para se regular e continuar a existir.

Apesar disso, não é sempre fácil para uma cultura milenar como a indiana definir com clareza os limites entre clássico ou folclórico, erudito e popular, dado que a cultura é um organismo dinâmico em constante processo de troca e

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assimilação. A Sangeet Natak Akademi, instituição governamental dedicada à preservação da cultura tradicional da Índia, fundada em 1952, tem realizado esforços significativos no sentido de delinear, com mais clareza, as especificidades desses dois universos que coexistem, dando visibilidade, valorizando e catalogando centenas de manifestações culturais no campo da dança, do teatro e da música, e contribuindo para sua difusão dentro e fora da Índia e sua preservação no curso da História. No entanto, esta pesquisa não se destina a aprofundar esta discussão. Ela é relevante apenas na medida em que nos ajuda a estabelecer o terreno fértil onde pisaremos daqui para frente, de modo que o uso das palavras “folclórico” e “popular” seja compreendido da maneira como aqui foram apresentadas, não aprofundando, portanto, discussões mais complexas como, por exemplo, o uso pejorativo que hoje se faz da palavra “folclórico” ou certo juízo de valor e importância entre o que chamarei de “clássico” e de “folclórico”.

Mais interessante será centrar esforços em desbravar a cultura teatral popular da Índia, um universo ainda muito maior e mais diversificado do que o da cultura teatral clássica, para o qual, nota-se, o Ocidente e seus artistas ainda não olharam com a devida atenção. Dessa forma, utilizo nessa pesquisa as palavras folclórico e popular como sinônimos, variando entre uma e outra sem, com isso, adentrar no mérito da sutil diferença de significados que envolve essas duas definições. Quando me referir ao clássico, estarei tratando exclusivamente das formas derivadas do teatro sânscrito, sem relação direta com o teatro clássico ocidental.

Do mesmo modo, os termos “tradição” e “tradicional” serão utilizados para me referir aos diferentes gêneros de performance tradicional da Índia, algo que “implica movimento”, flexibilidade e adaptabilidade aos tempos e condições de vida, de acordo com definição apresentada por Richmond, Swann e Zarrilli no livro “Indian Theatre. Traditions of Performance” (1990):

Do mesmo modo, uma antiga tradição performativa não é necessariamente ossificada. Ao contrário, o que frequentemente diferencia uma tradição de outra, ou um grupo de tradições similares de um grupo de tradições distintamente diferentes, é o grau de mudança que é permitido dentro dos limites da tradição e quanto o peso da autoridade pode ser flexível em adaptar-se às mudanças

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socioeconômicas ou artísticas. (RICHMOND, SWANN e ZARRILLI, 1990, p. 4)23.

E segue:

Em outras palavras, uma tradição performativa é aquele corpo de conhecimento, incluindo técnicas de performance, textos e princípios estéticos ou regras ou suposições, que constituem e definem o que é um gênero em particular e é simultaneamente o processo de passar o conhecimento de uma geração para outra. (RICHMOND, SWANN e ZARRILLI, 1990, p. 4)24.

Tendo esclarecido o uso dessas importantes terminologias, que aparecerão muitas vezes ao longo deste texto, podemos passar ao próximo passo que é o de apresentar, de modo breve, uma cronologia do teatro na Índia.

1.2 BREVE, BREVÍSSIMA HISTÓRIA SOBRE O SURGIMENTO DO TEATRO NA ÍNDIA

Embora seja muito difícil precisar historicamente o surgimento do teatro na Índia, é certo que as primeiras evidências históricas apareceram entre 200 – 100 d.C. Neste período, já havia na Índia uma tradição suficientemente arraigada de dança e música, o que nos permite crer que o drama também fizesse parte deste conjunto, como ainda hoje se observa nas tradições performáticas da Índia, de contornos operísticos. Nesta época, também já existia uma rica tradição literária a dar suporte ao surgimento do teatro: histórias mitológicas, lendas, contos históricos e semi-históricos, e as próprias peças do teatro sânscrito encontradas neste período demonstram grande sofisticação estilística. Considerando todos esses aspectos, é possível conceber, portanto, que o teatro na Índia tenha surgido por volta do século II a.C.

23 No original: Even so, an “ancient” performance tradition is not necessarily ossified. To the contrary, what often differentiates one tradition from another, or a group of similar traditions from a group of distinctly different traditions, is the degree of change that is allowable within the limits of the tradition and the extent to which the weight of authority can be flexible in adapting to socio-economic or artistic change. (RICHMOND, SWANN e ZARRILLI, 1990, p. 4).

24 No original: In the other words, a performance tradition is that body of knowledge, including techniques of performance, texts and aesthetic principles or rules or assumptions, which constitutes and defines what the particular genre is and it is simultaneously the process of handing the knowledge on from one generation to another. (RICHMOND, SWANN e ZARRILLI, 1990, p.

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Se considerarmos correta a afirmação de que o teatro clássico e folclórico da Índia remontam à civilização do Vale do Indu, pelo que se observa nos templos das cidades de Mohenjodaro e Harappa, onde estão esculpidas diversas imagens de bailarinas e músicos, também encontraremos uma relação direta entre os primórdios do teatro e a vida religiosa da sociedade hindu, com seus festivais e rituais, outra característica fundante das artes performáticas na Índia. Neste sentido, o drama remontaria ao Período Védico (2.000 – 1.500 a.C.), cujos registros podem sem encontrados, por exemplo, em forma de desenhos rupestres dos povos aborígenes nativos.

Já no período ariano (1.500 – 1000 a.C.), em suas sucessivas invasões, aparecem os primeiros hinos laudatórios extraídos do Rig Veda e, com eles, as formas nascentes do texto em prosa, ainda como parte intrínseca do ritual, sem finalidade estética. Entre 1.000 – 100 a.C. são escritos os principais textos épicos da Índia, o Mahabharata e o Ramayana, com menções diretas à figura dos Natakas ou atores, sugerindo que a arte teatral já era familiar aos hindus desde tempos longínquos. Também encontramos registros destas manifestações no texto Arthashastra (321 – 300 a.C) de Chanakya, compêndio voltado originalmente para administração e economia, e na literatura Budista posterior.

Outra evidência bastante concreta é encontrada no texto Mahabhasya, de Patãnjali (140 a.C.) que descreve as seguintes ações associadas à arte dramática: (1) pantomima sem palavras, (2) uso de figuras para ilustrar histórias – Pad Tradition, (3) contação de histórias (homens), (4) danças femininas. Trata-se, portanto, de uma tradição antiga e profundamente entrelaçada à própria história da Índia, como nos diz Varadpande, citando outro conterrâneo em seu “Dictionary of Indian Theatre”:

Os indianos têm se destacado particularmente entre as nações como amantes da dança e da música desde que Dionísio e suas assistentes, as bacantes, fizeram seu cortejo festivo através dos reinos da Índia. Ele lhes ensinou a dança satírica ou, como dizem os gregos, o Cordax. (VARADPANDE, 2007, p. 89).25

25 No original: ‘Indians have been particularly distinguished among the nations as lovers of dance and song and ever since Dionysus and his attendant Bacchanals made their festive progress through the realms of India. He taught them the satiric dance or, as the Greeks call it, Cordax’.

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Segue figura extraída do livro ‘Indian Theatre. Traditions of Performance’, de Richmond, Swann e Zarrilli (1990), que apresenta a cronologia de surgimento e declínio dos teatros sânscrito e folclórico na Índia em relação ao surgimento do teatro Ocidental e do extremo Oriente. Vale ressaltar que, para Varadpande (1992) e muitos historiados indianos, há indícios de existência do teatro folclórico desde a civilização do Indu (2.300 – 1750 a.C), e que ao século XV corresponderia, tão somente, o período áureo dessas manifestações e não o seu surgimento. De toda forma, a cronologia proposta por esses autores nos ajuda a visualizar uma linha do tempo da História do Teatro na Índia em relação à História do Teatro Ocidental. Por este motivo, considero sua inclusão nesta pesquisa como uma ferramenta pedagógica à qual poderemos recorrer sempre que necessário para melhor compreender, em termos históricos, a trajetória do teatro na Índia.

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