• Nenhum resultado encontrado

3 AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL

3.3 MOVIMENTOS SOCIAIS NEGROS: UMA TRAJETÓRIA NA LUTA ANTI-RACISTA

3.3.2 O Teatro Experimental do Negro

Entre os anos de 1940 e 1960 outras experiências começaram a surgir no cenário político brasileiro, entre eles a União dos Homens de Cor e o Teatro Experimental do Negro, liderado por Abdias do Nascimento no Rio de Janeiro entre os anos de 1944-1964.

A idéia de criar o Teatro Experimental do Negro surgiu em Lima, capital peruana. Lá Abdias do Nascimento assistiu a peça ―O Imperador Jones‖, do dramaturgo norte-americano Eugene O`Neill. Na peça Jones era negro, mas o ator que o interpretava era branco que precisou pintar as mãos e o rosto de preto. Ao assistir a peça Abdias do Nascimento logo se lembrou da situação dos atores negros no Brasil. A maioria dos negros atuavam apenas nos bastidores e os poucos que subiam aos palcos desempenhavam papéis secundários ou como figurantes. Às atrizes negras restavam os papéis como empregadas domésticas ou prostitutas. Protagonistas negros ou negras, simplesmente não havia. Situação que começou a mudar a partir da criação do Teatro Experimental do Negro em 1944. (ARTICULAÇÃO, 2007, p. 11)

De acordo com a Revista Vozes e Faces (ARTICULAÇÃO, 2007, p. 15) a estréia da primeira peça teatral promovida pelo Teatro Experimental do Negro ocorreu em 1945 em grande estilo no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Abdias do Nascimento requereu os direitos autorais da peça O Imperador Jones à Eugene O`Neill. O personagem Jones foi interpretado pelo ator negro Aguinaldo Camargo. A crítica teatral reagiu bem a estréia e o grupo teatral passou a partir de então a promover outras peças.

O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi considerado uma das principais organizações negras do país naquele momento. Guimarães (2002, p. 89) afirma que embora no começo o Teatro Experimental do Negro estivesse voltado apenas para questões culturais, ou seja, relacionado as artes cênicas e na inclusão de atores negros nesse segmento profissional, aos poucos essa experiência se transformou num verdadeiro movimento social preocupado em restaurar a auto-imagem e auto-estima dos negros brasileiros.

Fernandes (2007, p. 222) afirma que o que tínhamos até então nas artes cênicas e nos demais arranjos culturais do país era uma visão folclorizada e não valorizada do negro. Em demonstrações culturais procurava-se ostentar o mito da democracia racial disfarçado na mestiçagem tipicamente freyreana que inferiorizava o negro ao mesmo tempo que ―desconhecia‖ práticas racistas e discriminatórias. Portanto, de acordo com o autor:

Engendrar um teatro negro significa dar oportunidade de formação e de afirmação artísticas ao negro – algo em si mesmo revolucionário, que implicava revisões de estereótipos negativos para o negro e na eliminação progressiva de barreiras que proscreviam o negro de nossa vida intelectual produtiva e criadora. Mas um teatro experimental tem de visar outros fins. Ou seja, ao dar canais de expressão à capacidade criadora do negro e ao redefinir representações sobre suas aptidões intelectuais ou morais, ele precisa concorrer para modificar alguma coisa em determinada direção. Isso levanta várias questões, ligadas à elaboração dos dramas, à composição dos auditórios e às influências educativas do teatro. (FERNANDES, 2007, p. 222)

Apesar de atuar em prol da causa negra, Abdias do Nascimento foi sem dúvida umas das figuras históricas mais importantes desse país, mas também foi a mais controversa. Primeiramente é importante entender o momento político pelo qual passava o país durante a criação do Teatro Experimental do Negro: era Vargas, Estado Novo, mesmo momento em que há o desmonte dos partidos políticos (para o bipartidarismo) e dos movimentos sociais. E nesse momento político,

―os intelectuais do TEN e a sua ideologia estiveram, portanto, em sintonia com a política nacionalista e populista da época [...].‖ (GUIMARÃES, 2002, p. 89)44

É inegável constatar que o Teatro Experimental do Negro foi responsável por ampliar significativamente a luta anti-racista no país, no entanto a ideologia desse movimento que lutava contra o racismo na sociedade brasileira esteve relacionada fortemente com ideário de branqueamento e com a negação da herança cultural africana. A idéia era de ―assimilação‖. E essa assimilação implicava na incorporação dos negros aos costumes e valores dos brancos.

Guimarães afirma que o nacionalismo e o integracionismo fazem parte da ideologia predominante desse movimento social. ―A idéia de que somos uma só nação e um só povo é casada com a negação das raças enquanto realidade física, e com a busca de uma redefinição do Brasil em termos negros-mestiços.‖ (1999, p. 227)

O Teatro Experimental do Negro organizou e patrocinou a Conferência Nacional do Negro realizada em 1949. O pronunciamento de abertura do evento coube ao seu líder, Abdias do Nascimento que reacendeu a discussão da necessidade de os negros assimilarem os valores dos brancos. Não é difícil compreender os aspectos ideológicos presentes nesse movimento artístico-social, uma vez que as teorias raciais deterministas do final do século XIX condicionavam o imaginário social, baseado em teorias pseudo-científicas, pressupondo a hierarquia entre as raças, na qual a ―negra‖ era considerada inferior em relação a ―branca‖. Anos mais tarde surgiram as teorias freyreanas que fizeram um verdadeiro elogio a mestiçagem e quebraram as barreiras – em plano formal – da hierarquização entre as raças.

Do ponto de vista lógico-formal a mestiçagem causava uma sensação de harmonia social, ao mesmo tempo em que identificava os negros pertencentes à identidade nacional. Ou seja, a mestiçagem dava a impressão de que no Brasil vivia-se uma democracia racial, com apenas alguns resquícios de discriminação racial e que era isso que precisava ser sanado. A bandeira da democracia racial esteve presente nessa época no imaginário da maioria das forças políticas, inclusive nos integrantes

44

No campo dos direitos civis e políticos, Carvalho (2004, p. 110) afirma que os primeiros

anos do Estado Novo representaram um ―[...] grande momento da legislação social. Mas foi uma legislação introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária vigência dos direitos civis. Este pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa.‖

do Teatro Experimental do Negro. (HOFBAUER, 2006, p. 372) Mesmo assim, o Teatro Experimental do Negro liderado por Abdias do Nascimento foi um importante movimento social na luta anti-racista no contexto histórico-político em que foi criado no país.