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PRIMEIRA PARTE

TEATRO DO GUADELUPE

Com essa denominação surgiu o terceiro teatro da Bahia, do prédio pertencente ao capitão João Pessoa da Silva e sua mulher, d. Maria Clara de Carvalho Pessoa, sito ao largo do mesmo nome, hoje Praça dos Veteranos, assim chamada pelo fato de ali morar o brigadeiro Joaquim Antonio da Silva Carvalhal, em cuja casa de residência se reuniam os veteranos da independência da Bahia, para tratar de assuntos patrióticos. Desconhecemos, igualmente, a data de sua fundação ou inauguração, sabemos, porém, que era todo de madeira, forrado de pano, e muito pequeno.

As águas que corriam ou se represavam ao longo da antiga rua da Valla, formando brejos, serviam de refúgio aos sapos, que, em noites de espetáculo, confundiam seu coaxar com as melodias da or- questra, e, por vezes, os sórdidos anfíbios saltavam sobre as estantes, interrompendo os compassos da música.

No Teatro do Guadelupe exibiram-se os notáveis musicistas baianos Damião Barbosa, José Rebouças, Honorato Régis, e outros,

dando relevo às peças teatrais aclamadas na época, tais como – La- byrintho de Creta, Guerras do Alecrim e da Mangerôna, Encantos de Medéa, do celebrado brasileiro Antônio José, queimado vivo, como ju- deu, em Lisboa, numa fogueira da Santa Inquisição.

Inaugurado, em 1812, o Teatro São João, começaram de chamar ao de Guadelupe casa da Ópera Velha, e com esta denominação foi vendido ao Senado da Câmara, por seus proprietários, já aludidos, em 6 de julho de 1827, pela quantia de 800$000, sendo 600$000 à vista, e 200$000 pagos por prestações.

A escritura de compra que fez a Câmara se acha registrada no livro respectivo do Tômbo (fls. 40 e verso), e reproduzida na Revista do Arquivo do Município da Bahia, de janeiro de 1900 (ano I, n. 1).

Na praça do Guadelupe, até bem pouco tempo, ainda, antes da construção do novo quartel do Corpo de Bombeiros, inaugurado a 29 de março de 1917, viam-se destroços de alvenaria, atestando a edifi- cação da Capela de N. S. de Guadelupe, que ali existiu, e foi demolida em 1858.

Nos tempos coloniais as matas do Guadelupe eram opulen- tas de jacarandá, vinhático e cedro. Todas as madeiras de lei empregadas pelos jesuítas, em 1549, na construção da capelinha de Nossa Senhora da Ajuda, foram tiradas dessas matas.

São estes os gérmens, conhecidos, da formação do teatro, na Bahia.

TEATRO S. JOÃO (Construção e Inauguração)

Foi o quarto, este de linhas arquitetônicas definidas, obede- cendo ao estilo Luís XVI e o primeiro, em tais condições, levantado em todo o Brasil.

O Real Teatro de São João (ao depois denominado São Pedro de Alcântara), mandado construir no Rio de Janeiro por D. João VI, de

planta, e arquitetura muito semelhantes ao nosso, foi inaugurado de- zessete meses depois, a 12 de outubro de 1813, aniversário genetlíaco de D. Pedro I, incendiando-se (primeira vez) a 25 de março de 1824, após um espetáculo de gala com que foi festejado o juramento da Constituição do Império.

Dentre todos os teatros construídos no tempo do Brasil co- lonial, o S. João da Bahia é o único que subsiste.

Embora ressentindo-se de alguns defeitos a sua construção, não se pode negar, atendendo-se à época, que ao nosso teatro presidiu muito gosto artístico de ornamentação, sendo notória sua acústica, parcel onde naufragam, muitas vezes, arquitetos de nomeada.

Esse teatro é para nós, baianos, uma gloriosa tradição. Nele foi, verdadeiramente, que, em todo o Brasil, surgiu, primeiro, a arte dramática nacional.

É o único monumento, ainda de pé, de todas as nossas hon- rosas grandezas artísticas de cem anos passados!

Seus fundamentos foram lançados em 1806, por D. João de Saldanha da Gama e Mello e Torres Guedes de Brito, (6.° Conde da Ponte), 52.° Governador Régio da Bahia, que não pode concluir as obras, por haver falecido, nesta cidade, a 24 de maio de 1809, ficando, então, a província sob um governo interino, que nenhuma proteção deu à louvável iniciativa do Conde da Ponte.

No ano de 1810, aqui chegando D. Marcos de Noronha e Brito (8.° Conde dos Arcos), 53.° Governador Régio, o grande adminis- trador público, instituidor da Imprensa, nesta cidade, da Biblioteca Pública, da Associação Comercial e de outras notáveis instituições nos- sas, nome que não deve perecer na memória do nosso povo, mandou, sem demora, proseguir as obras, que estavam paralisadas, inauguran- do o teatro, apesar de não estar inteiramente concluído, a 13 de maio de 1812, aniversário genetlíaco d’El-Rei D. João VI.

De referência à sua construção, posto não fossem bem ob- servadas certas prescrições higiênicas e da ciência do arquiteto, embora de proporções acanhadas para a população hodierna da nossa urbi,

extraordinariamente aumentada no decurso de mais de um século, é, todavia, de admirar-se a espessura das paredes-bastilhas desse vetusto teatro, lembrando antigos castelos roqueiros, capazes de, impavida- mente, afrontarem todas as tormentas de mais cem anos de existência, sempre de pé!

É de maravilhar, ainda, a opulência, pela qualidade e dimen- sões, das madeiras de lei empregadas, até em soalhos, ressaltando o jacarandá, o vinhático e o cedro. Todo o ordimento é de jacarandá!

É de ver-se, com extraordinária surpresa, o perfeito estado de conservação em que ainda se acham, como se aparelhadas ontem!

Documentos da época, conservados no Arquivo Público e no Instituto Geográfico e Histórico, nos autorizam a afirmar que, para a construção desse teatro, ao Largo da Quitanda ou Portas de São Ben- to, hoje Praça Castro Alves, mandou o Conde da Ponte aplainar o terre- no por africanos, que estavam ainda presos e acorrentados, em virtude do levante da nação Uçá, e para ocorrer as despesas preliminares abriu uma subscripção. que montou em 37:000$000, mas na arrecadação verificou-se a existência somente de 18 :880$000.

Obteve, então, por Carta Régia de 27 de janeiro de 1809, a concessão de seis loterias, por espaço de seis anos, para coadjuvar essa empresa, havendo muita dificuldade para a extração, por ser a primeira vez que tal operação se fazia nesta cidade, segundo lemos em docu- mentos da época.

Um ano antes, em 1808, o mesmo Conde da Ponte contraíra empréstimo de 48:000$000, dividido em ações de 200$000 cada uma, deixando livre ao acionista a escolha do prêmio de 7º. ou o interesse como proprietário do teatro.

Nosso Instituto Histórico possui uma apólice desse emprés- timo, de n. 70, datada de 17 de novembro de 1808, passada a João dos Santos Orta, para lhe servir de título.

Tem ela uma nota, de haver sido transferida, com todos os poderes, em 1 de agosto de 1836, a Joaquim José Gomes, por falcimen- to do Sr. Orta.

A inauguração ofícial do teatro foi feita solenemente, representando-se o melodrama, A Escocesa cujo autor ignoramos.

Só no vol. 2. da Idade d’Ouro do Brasil, n. 39, de 1812, cuja coleção possui nossa Biblioteca Pública, incendiada, poderíamos achar notícia descritiva da inauguração desse teatro.

É possível, entretanto, que o possua a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

O poeta baiano José Francisco Cardoso de Morais, consegui- mos saber, recitou naquela memoranda noite um Elogio em decassíla- bos soltos cujo autógrafo deve existir na Biblioteca Nacional, para onde foi remetido, com outros manuscritos, pelo presidente desta, então, província, Cons. João Lustosa da Cunha Paranaguá, em 1881, a fim de figurar na Exposição de Geografia e História Pátria, que se efetivou na- quela Biblioteca, a 7 de setembro do mesmo ano.

No opúsculo titulado Apontamentos Biográficos de Varões Ilustres publicado em 1881 na tipografia do Diário da Bahia, encon- tra-se a relação de todos os manuscritos e impressos remetidos para a referida Exposição pela nossa Biblioteca.

É de crer não fosse restituído o autógrafo em estima, porque a maior parte dos objetos de valor histórico enviados para essa Exposi- ção, assim pela Biblioteca Pública, como pelo Liceu de Artes e Ofícios, e Grêmio Literário, lá ficaram, conforme fidedignamente somos infor- mado.

Na hipótese, porém, em contrário, está perdido, incendiada, como foi, totalmente, a nossa riquíssima biblioteca.

Em nossa obra O Teatro na Bahia editorada 1915, publica- mos (p. 62-65) uma poesia oferecida aos baianos no mesmo dia da inauguração do seu novo teatro, sem assinatura, apenas a inicial “B” seguida de três asteriscos, cujo autor, portanto, se tornava incógnito.

Extratamo-la do periódico O Patriota que se publicava no Rio de Janeiro (Imprensa Régia), n. 1, de janeiro e fevereiro de 1814.

Ao depois, lendo Sacramento Blake, verificamos que essa poesia é da autoria de Domingos Borges de Barros (Visconde da Pedra

Branca), à vista do que nos diz em seu Dicionário Bibliográfico Brasi- leiro (2 v., p. 196):

Borges de Barros foi colaborador do Patriota, jornal literário, político e mercantil, o primeiro deste gênero que se publicou no Brasil, e de que fora instituidor seu conterrâneo M. F. de Araújo Guimarães. Ai se acham muitos escritos seus, assina- dos por “B”, entre os quais Ode ao Conde dos Arcos, impres- sa na Relação do festim ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Se- nhor Conde dos Arcos.

Lotação do teatro: Platéia - 340 cadeiras; Camarotes (3ª. ordem de 20 camarotes cada uma) 300 cadeiras; gerais (4ª. ordem) 400.