• Nenhum resultado encontrado

Duas gestões: a vigência e a crítica do modelo

III. 2.2 A tecnologia como crise

Também no terreno das tecnologias de informação, o diagnóstico e as ações pretendidas e levadas a termo na gestão de Sonis teriam implicações estruturais. Seu primeiro contato com a questão, ainda como interino, não produziu as melhores impressões. As mínimas informações gerenciais, tais como custos e resultados alcançados, pareciam indisponíveis, da mesma forma que as bases propriamente técnicas para a uma avaliação institucional. Isto resultou em considerações bastante críticas sobre a forma pela qual havia se dado a condução administrativa do projeto. Mais tarde, um gerente administrativo foi designado para realizar um acompanhamento exclusivo (Bireme,1976, p. 17-18).

No que concerne à utilidade em si do sistema, Sonis mais uma vez constatou que sua utilização se restringia a uma elite médica dedicada à pesquisa acadêmica voltada para temas ultraespecializados. Àquela altura, para Sonis, o desafio era fazer com que a tecnologia avançada se tornasse de utilidade na consecução de objetivos como a extensão da atenção, o controle de doenças transmissíveis, a gestão de serviços, entre outros da agenda estratégica da Opas (Bireme, 1976, p. 19).

O número de solicitações de bibliografias revelava uma tendência decrescente e o funcionamento de terminais na Bireme e nas outras instituições era bastante irregular, assim como a conexão telefônica com o Instituto de Energia Atômica. O número de terminais em operação havia se reduzido a dois: um na Bireme, outro na Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Uma peça fundamental do projeto da Bireme como contribuição para uma modernização da infra-estrutura docente; o sonho da recuperação da informação assistida por computador, que havia maravilhado os assistentes da película cinematográfica promocional de Lazerow, na distante Poços de Caldas de 1964, estava se transformando em pesadelo.

Para além das dificuldades de ordem técnica, havia outras de caráter orçamentário. Financiado pelo Pnud até finais de 1975, o projeto Medline passou a ser após este ano integralmente coberto pelos recursos regulares da Bireme, ainda que uma política de cobrança de taxas fosse praticada. Deste modo, para Sonis, se a instalação de Medline significava a modernização dos procedimentos de referência, envolvia também riscos importantes e comuns aos processos de automação: “custos crescentes e baixa eficiência para cuja solução se exigem maiores investimentos que vão aumentando o comprometimento financeiro de maneira tal que, pelos investimentos realizados, se torna cada vez mais difícil tomar decisões racionais: é a manutenção do próprio sistema o que dirige o processo” (Bireme 1976, p. 21).

O encaminhamento do problema envolveu a realização de entendimentos com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - Ibict, desde 1974 a nova denominação do IBBD144. Em princípio, a possibilidade estudada foi a da completa assimilação do projeto Medline pelo Ibict como parte da arquitetura do Sistema Nacional de Informação Científica e Tecnológica - Snict, permanecendo a Bireme como usuária. Situações intermediárias foram conjeturadas, com a Bireme aparecendo como uma espécie de parceira preferencial. Mas a perda do controle do projeto por parte da Bireme, inclusive com suas implicações simbólicas, foi considerada um aspecto crítico (Bireme, 1976, p. 22). A decisão sobre o futuro de Medline no Brasil, portanto, possuía um forte componente político.

Para avançar no exame do projeto, foi instituída uma comissão tripartite de alto nível, formada pelos diretores da Bireme, do Ibict e pelo Diretor Associado para Sistemas

de Computação e Comunicações da NLM, Davis B McCarn. Seu propósito era estabelecer um diagnóstico abrangente e descortinar os melhores cenários à frente. Ao final dos trabalhos, realizados entre 6 e 17 de dezembro de 1976, a comissão diagnosticou sérios problemas de gerência e planejamento - inclusive de projeto. Estabeleceu-se uma agenda de requisitos a serem observados, caso houvesse uma decisão pela continuidade do projeto, que incluía a montagem na Bireme de uma unidade dedicada à sua operação e administração. Esta nova unidade ficaria responsável pelas atividades de gestão, treinamento e suporte técnico ao usuário, assim como a articulação com as atividades de processamento propriamente documental ou bibliográfico.. A esta área caberia também a responsabilidade de produzir um novo padrão de relacionamento entre as instâncias técnicas das instituições parceiras na iniciativa. Em especial, seria preciso tornar a relação com as áreas de desenvolvimento de tecnologias da informação da NLM, mais regular e dinâmica. Por fim, seria preciso estabelecer um programa de desenvolvimento da por etapas que pudesse servir de roteiro para uma gestão estratégica neste domínio tecnológico (Bireme, 1977c, p. 81-82).

A capacidade de computação do IEA e a qualidade dos terminais foram consideradas satisfatórias. As maiores dificuldades localizavam-se, segundo a comissão pôde estabelecer, na qualidade e custos da infra-estrutura de comunicações e, quanto a este aspecto, o projeto original se mostrou incorretamente dimensionado. Recomendou-se o abandono de parte da rede projetada em 1974 porque não se adequava às condições técnicas existentes e porque o baixo volume de tráfego não justificava os custos envolvidos. E esta crítica à arquitetura original trouxe à baila a existência de pareceres contrários aos termos técnicos do projeto desde a época do seu encaminhamento para análise do Pnud, em 1972 (Bireme, 1977c, p. 9-12 e 72-100).

Ao que parece, Neghme passou ao largo das recomendações técnicas, na iminência de um aceite do projeto por parte do Pnud. Ao contrário do que imaginou Sonis, certamente não foi o volume de recursos já investidos. Talvez a possibilidade de financiamento, a chance de poder tornar uma realidade o componente tecnológico do projeto da biblioteca regional de medicina para as Américas, o componente onde residia boa parte da sua mística modernizadora, tenha retirado do então diretor - como diria Sonis - a capacidade de agir racionalmente.

Quando o tema foi levado à análise do Conselho Científico Assessor, na reunião de maio de 1977, este se pronunciou pela continuidade do projeto, uma vez realizadas as modificações recomendadas. Ao fim e ao cabo, resultou na criação de um embrião de área técnica especializada em computação na Bireme, cujos desenvolvimentos posteriores resultariam, alguns poucos anos mais tarde, em novas e importantes transformações no projeto institucional da Bireme.

No final de 1977, a Bireme adquiriu e instalou um computador Digital PDP-11/34, contratou um engenheiro de sistemas e deu início ao desenvolvimento local de soluções nas áreas de registro, controle e estatística das atividades de disseminação seletiva da informação, elaboração do catálogo local de periódicos, administração de projetos e gestão orçamentária, entre outras soluções (Bireme, 1978, p. 2).

Quando a elaboração do Index Medicus Latino-Americano entrou em fase de desenvolvimento, em 1979, a conjugação das experiências em computação de dados e em processamento documental, somadas à própria prática no uso de metodologias subjacentes a Medline, permitiu à Bireme desenvolver componentes método-tecnológicos próprios. Esta aquisição representou uma base de competências para que, na década seguinte, a instituição se estabelecesse como uma referência em soluções de baixo custo para a automação das bibliotecas de medicina e saúde, uma competência extremamente atrativa no contexto de países em desenvolvimento145. Pari passu estabelecia a massa crítica para um novo ciclo de cooperação técnica rumo ao estabelecimento de Lilacs, a base de dados para a Literatura Latino-Americana e do Caribe de Ciências da Saúde. Mas não adiantemos tanto os nossos passos.