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Capítulo II “A gente tem sabedoria só para entrar, mas não tem para sair”

2.2 O Tekoha 2: um barraco colado no outro

O Tekoha 2 é uma retomada Kaiowá e Guarani que está localizado numa área contínua a aldeia Bororó e a margem da estrada, próximo à área urbana, onde se localiza o Bairro 3. Além da proximidade com a reserva e com a cidade, ao lado do Tekoha 2, também às margens da estrada, se encontra outra retomada, o Tekoha 3 86.

A liderança do Tekoha 2 é um senhor entre 50 e 60 anos de idade. Sua família é oriunda da Reserva de Amambai. Ele é casado e sua esposa é quem conseguiu reunir alguns de seus filhos na área (três filhas e um filho). O espaço em que está montado o barraco da liderança fica próximo da estrada (ver croqui 4, abaixo) e está cercado por madeiras. Existe uma entrada larga, que dá acesso aos barracos. Logo na frente, colado com a cerca tem um barraco de madeira que não é muito alto, próximo a esse barraco existe um outro ainda maior.

A área da liderança está dividida pela plantação de bananeiras que fica do lado direito mais próxima à rodovia e pelas construções dos barracos, no lado direito. Na área mais ao fundo é onde costuma-se plantar milho e ramas, e seguindo a plantação de bananas, ao fundo, tem o barraco de uma das filhas de sua esposa. O terceiro barraco, mais ao meio da área, coberto com palha é a cozinha, e ainda existiam mais dois outros barracos. Esses barracos são construídos de madeira e estavam cobertos de telha Eternit. Apenas a cozinha era coberta com lona e folhas secas. A configuração da área que a liderança ocupa no tekoha tem um formato de um U, o espaço aberto é uma espécie de pátio para onde os barracos estão voltados e onde está a cozinha. A plantação de banana estava muito bonita, havia vários pés, e a maioria deles estavam com grandes cachos, a liderança me falava com orgulho do número de cachos de bananas.

A vice-liderança e sua família vivem na outra extremidade do Tekoha 2, próxima a uma escola da aldeia Bororo. A vice-liderança é uma mulher de 34 anos de idade, casada e mãe de três filhos: uma menina adolescente e mais dois meninos, um de 9 anos e outro de 11 anos de idade87. A área onde a família da vice-liderança mora é bem espaçosa. Nela existe uma casa em construção88. Ao lado do barraco da casa tem um barraco grande, maior do que o primeiro utilizado como cozinha. Na frente da

86 Ver croqui 4, pp. 81.

87 Detalhes sobre a trajetória da vice-liderança do Tekoha 2 será apresentada no Capítulo III.

88 Na primeira vez que estive no acampamento havia bastante materiais e madeiras espalhadas pelo chão. Das outras vezes que estive no local o pátio estava limpo e a vice-liderança falou que tinha adiantado a reforma do barraco, mas que ainda estava terminando. Também encontrei algumas vezes seu marido trabalhando nessa reforma.

cozinha há um barracão que serve como uma varanda e nos fundos tem um espaço fechado para guardar materiais e ferramentas. Do lado esquerdo desse barracão tem um barraco menor, com piso no chão e existe um balcão que separa da área construída na frente. Dentro desse cômodo havia chinelos pendurados, biscoitos salgados e doces, bem como chicletes e balas. Esse espaço funciona como uma venda e lanchonete que atende os moradores do tekoha, mas principalmente as crianças e adolescentes que frequentam a escola.

Todos os barracos são feitos de madeiras grossas que envolvem as laterais da estrutura, segundo a vice-liderança, ela costuma pedir madeira para algumas pessoas da cidade. Apenas a cozinha é coberta com lona preta, os outros três barracos são cobertos com telhas Eternit que ela comprou ou aproveitou de outros espaços. O chão do barraco que serve como dormitório é feito de cimento.

As lideranças vivem em lados opostos da área do Tekoha 2, essa localização permite que as lideranças acompanhem o movimento de entrada e saída de pessoas no tekoha89. Assim, a localização dos moradores nas áreas de retomadas, também são

importantes para pensar, não só em termos de organização, mas também de estratégia de vigilância e de segurança, uma vez que os moradores dessas áreas, temem algum tipo de ataque.90

Em relação a estrutura física dessa retomada, os moradores não têm luz elétrica nem água encanada. Para ter acesso a água eles abrem poços. As lideranças já haviam feito pedido, tanto para conseguirem água, como energia elétrica para o Tekoha 2, mas por ser uma área de ocupação, na qual ainda não foi realizado nenhum estudo, a Funai avisou que o fornecimento de energia elétrica poderia não se concretizar.

89 Era notório como as lideranças com quem eu conversei estavam sempre muito atentas com tudo que acontecia ao seu redor. A liderança do Tekoha 1, por exemplo, avista uma pessoa chegando a área a uma longa distância, uma vez também, enquanto conversámos ele viu um carro branco na rodovia e comentou que era o carro da Sesai, tempo depois esse carro chegou ao tekoha.

90 A preocupação com a segurança é cotidiana, visto o longo histórico de ataques que a população Guarani e Kaiowá vem sofrendo no MS. Exemplos disso são os ataques que ocorreram nos meses de junho e julho de 2016 no Tekoha Guapoy, no município de Caarapó. Pistoleiros com tratores e caminhonetes atacaram os moradores. No primeiro ataque, no mês de junho, o agente de saúde Clodiodi Souza foi assassinado e mais seis indígenas foram hospitalizados. Um mês depois, na mesma área, outro ataque a população e mais três indígenas foram baleadas. A violência desses ataques, foi tamanha, que algumas pessoas passaram a denominá-lo de “massacre de Caarapó” (http://cimi.org.br/massacredecaarapo/cronologia/). Em Dourados, em março, após retomadas que aconteceram nas proximidades do Tekoha 2 e Tekoha 3, o indígena Isael Reginaldo foi baleado durante um ataque de fazendeiros contra o tekoha Ita Poty, na divisa dos municípios de Dourados e Itaporã (MS). Infelizmente, esses são só dois exemplos da violência cotidiana enfrentada pela população Guarani e Kaiowá.

O tekoha conta com uma área de 26 hectares, as famílias estão espalhadas pelo terreno ocupado. Essa distância entre os barracos e o relativo espaço da área permite que as famílias plantem algumas coisas, como rama, feijão e as vezes milho. É comum ver próximos aos barracos dos moradores áreas cultivadas. A vice-liderança por exemplo, além dos cultivos costumeiros, já citados, e de hortas, também cria patos e galinhas. Além disso, ela e seu marido plantaram várias árvores frutíferas. As árvores frutíferas, além das suas qualidades práticas como a produção de frutas e sombras para as pessoas, podem ser pensadas, nesses contextos, como expressões simbólicas do desejo de permanência no tekoha retomado. Micaelo (2014) ao estudar um assentamento rural na Zona da Mata dedicou parte do seu trabalho para falar da “importância das árvores enquanto elemento indissociável da posse da terra para os habitantes de Arupema e a história das suas tensões na região” (2014, 167). As árvores frutíferas são descritas como um atributo de autoridade por estabelecer uma relação mais duradoura com o local, motivo pelo qual, muitos fazendeiros proibiam que os trabalhadores rurais as plantassem nos seus locais de moradia, e acrescenta: “as árvores de fruto ganham com efetividade um lugar específico nesta luta pela posse da terra que se articula também com outros sentidos de uma identificação entre pessoa e o chão [...]” (2014, 168).

Figura 9. Croqui 4: Tekoha 2, fevereiro de 2016. Representação elaborada a partir da pesquisa etnográfica realizada no período de fevereiro a abril de 2016. Elaboração do croqui: Marcia Soares.

A organização desse tekoha foi um dos elementos que me chamou atenção. Distinto de outras áreas de retomada que conheci, no Tekoha 2 há um cadastro de moradores, ele foi feito e era atualizado pela vice-liderança. Os barracos dos moradores são numerados e há um regulamento, o qual foi escrito e, inclusive enviado para a Funai e o MPF. Nesse regulamento constam as normas de convivência na área, a principal delas refere-se a proibição de bebida alcoólica no tekoha. Ademais, no Tekoha 2, também existe a figura dos conselheiros. Segundo a vice-liderança são 12 conselheiros divididos por áreas: saúde, educação, criança e adolescente, mulheres, segurança e agricultura.

Também é realizado no Tekoha 2 reuniões com os moradores, a cada 15 dias. Nessas reuniões, que as lideranças chamam de “reunião da comunidade”, geralmente são discutidas as normas do tekoha, bem como informações sobre o processo de estudo da terra e os principais problemas que eles enfrentam. Em conversa com a ex-liderança de Caarapó91, atualmente morador e conselheiro de saúde no Tekoha

2, ele me contou que foi ele quem pediu para as reuniões acontecerem com maior frequência:

Nós pedimos para reunião, reunião 15 em 15 dias né, conversar com a comunidade, né. Conversei com a [vice-liderança], com [liderança], aí nós tivemos reunião. Aí nós agendamos a cada 15 dias vai ter que ter reunião, conversar com o pessoal, organizar. O que quer dizer organização, o pessoal tem que entender, porque se eu falar organização eles não sabem, mas tem que explicar o que quer dizer organização, né. Por isso que eu falei lá, muitas vezes se fala, ‘vamos se organizar?’ Todo mundo fala vamos, mas, você não sabe se ele está entendendo o que ele está falando. Organização não é tão fácil, como se organizar. Estava falando, nós somos equipe de 11 pessoas né, da comissão, eu estava falando, para a [vice-liderança] esses dias, estava aqui sentado, eu falei para ela: ‘vamos organizar primeiro uma equipe, porque se a equipe não se organizar, como que nós vamos organizar a comunidade. Tem que organizar a equipe primeiro, para depois organizar a comunidade. Como começamos, agora já teve primeira reunião, domingo que passou né, esse domingo vai ter, outra vai ter de novo, então vamos começar.

Esse tipo de organização é incomum nas áreas de retomadas indígenas. Por outro lado, há uma extensa bibliografia, sobre a temática do mundo das ocupações sem- terra, que descreve as organizações de acampamentos, como os do Movimento Sem

91 A ex-liderança de Caarapó e sua família são antigos moradores do Tekoha 1, como mencionado anteriormente.

Terra (MST), situando os cadastros de moradores, a numeração de barracos e o regulamento interno, com a proibição de bebidas e agressões dentro dos acampamentos como uma das principais regras para gerir o cotidiano nesses espaços92.

As reuniões acontecem num barracão que foi construído especialmente para ocasiões como essa. Segundo me informou a vice-liderança, o barracão foi construído por iniciativa dela, quando ainda não era vice-liderança, e de outras mulheres do tekoha, elas o ergueram em conjunto. O barracão é feito com madeiras e troncos de árvores, o teto e suas laterais são cobertos com uma grande lona. Nas duas laterais estão dispostas tábuas em cima de pedaços de troncos de árvores que servem como bancos para as pessoas se sentarem nos dias de reuniões, além desses bancos o outro objeto que fica dentro do barracão é uma mesa, também de madeira.

A reunião da comunidade

Em um domingo de abril de 2016, participei pela primeira vez da reunião da comunidade, após o convite da vice-liderança, a quem já vinha mostrando meu desejo de participar dessas reuniões há um tempo. Quando cheguei ao Tekoha 2 para a reunião, ainda não tinha ninguém no barracão, mas, aos poucos algumas mulheres foram chegando e a vice-liderança pediu para nós nos dirigirmos ao barracão. Seus filhos levaram uma cadeira para ela se sentar e outra para mim. Nessa reunião, a maioria das pessoas que participaram foram mulheres que vieram junto com seus filhos pequenos. A presença masculina se restringia a liderança, ao marido da vice-liderança e a ex-liderança de Caarapó. Como eu, mais dois mascateros (vendedores) que comercializam no Tekoha 2, também foram convidado para participar dessa reunião (os motivos exponho a seguir), a liderança, fez questão de agradecer a nossa presença, em mais de uma ocasião.

A reunião foi conduzida pela liderança, o único que não se sentou, ficando atrás de uma mesa, alocada mais ao fundo do barracão. Em cima da mesa tinha os documentos que a liderança havia levado, dentro de uma pasta e que foram espalhados pela mesa e uma garrafa de dois litros com água usada para preparar o tereré faziam a composição final da mesa. Nessa reunião os principais temas tratados foram: as eleições para prefeitos e vereadores de 2016, o fornecimento de energia elétrica ao Tekoha 2, o cultivo de roças na área, as regras de participação nas reuniões e, como se aproximava o

dia 19 de abril, a maior parte da reunião foi para organizar a festa do dia do índio, para a qual foi pedida contribuições, principalmente aos mascateros.

Figura 10. Dia de reunião no Tekoha 2. Foto: CORRADO, 2016.

A liderança começou a reunião falando a respeito do encontro que havia participado na Aldeia Jaguapiru, onde estavam presentes políticos locais que buscavam apoio para as eleições de 2016. Segundo a liderança esse é um assunto relevante para o Tekoha 2 porque “uma retomada também é política, está na política”. Depois de algum tempo transcorrida a reunião, ele voltou a falar do encontro com os políticos/candidatos e disse, que nessa ocasião, pediu para que eles visitassem “acampamento por acampamento, porque retomada faz parte da política”, era preciso que eles chegassem ao acampamento e perguntassem como estavam, “ver nossa situação” e perguntar que tipo de ajuda a ‘comunidade’ precisa e mais uma vez mencionou que “uma retomada não está fora da política”. A ex-liderança de Caarapó, ainda complementou dizendo que “todas as coisas são com política que se faz”. Com relação a esse assunto a vice- liderança disse que não vendia seu voto e que era preciso que o candidato trouxesse uma proposta, dizer “que propósito você tem para povos indígenas” e “ouvir nossos propósitos e ver o que a gente precisa”, ela citou, por exemplo, que o tekoha precisava de muita segurança, de uma vigilância 24 horas.

Boa parte dessa discussão aconteceu em guarani, a questão era se eles iam apoiar os candidatos da reunião, da qual a liderança do Tekoha 2 participara, ou não. Por isso, levantaram a necessidade dos candidatos conhecerem as áreas de retomadas, as

realidades de seus moradores e apresentarem proposta, não bastava eles visitarem apenas as áreas de reserva, como é comum em época de eleições.93

Outro ponto da reunião foi a respeito do documento sobre o fornecimento de energia elétrica. O documento apresentado pela a liderança, que também pediu para a ex-liderança de Caarapó ler e dar sua opinião, era da agência de fornecimento de energia. Esse assunto não tomou muito tempo e a maior parte dele foi dita pela liderança em guarani, um dos poucos comentários ditos em português foi que a “energia faz parte da saúde”.

Depois disso os temas abordados na reunião giraram entorno das questões internas ao Tekoha 2. Nessa parte, a vice-liderança é quem tomou a frente da reunião. Foram citados os nomes das pessoas que, pela segunda vez, não vieram à reunião; a vice-liderança também apresenta reclamações de algumas famílias e acrescenta que quem não comparecer a três reuniões seguidas terá que ir embora do tekoha. Outro ponto mencionado foi sobre o que eles chamam de ‘lotes sujos’, as áreas que não estão sendo cultivadas pelos seus moradores e estão com mato alto. A esse respeito, decidiu- se que os moradores que não tem terra plantada, vão ter seu lote dado a outra família, ficando apenas com o local da sua casa, pois, como a vice-liderança disse, “eles iriam dar prioridade para quem plantar”. Ela ainda ressaltou que tudo que eles plantam dá para ser vendido, porque eles estão próximos da cidade.

Por fim, o tema central da reunião era acerca da organização da festa de comemoração do dia do índio e sobre a contribuição dos mascateros que, por venderem no Tekoha 2, deveriam colaborar com três eventos ao ano. Nessa parte da conversa, que também foi coordenada pela vice-liderança, ela dissera que “quem entrar vai pagar tudo”. Nessa discussão foi levantada a questão de quais mascateros continuariam liberados para vender no Tekoha 2, com a proposta, inclusive, de criar uma licença para aqueles que conseguissem a permissão. Então a vice-liderança começou a fazer uma lista dos mascateros que conheciam e vendiam para os moradores do tekoha, com a ajuda dos outros participantes da reunião. Essa lista tinha duas finalidades: escolher a contribuição de cada mascatero para a festa do dia do índio. O mascatero que não ajuda, ou ajuda pouco, teria que contribuir com uma maior parte. A segunda função da lista era decidir quais mascateros continuariam tendo permissão para vender na área. Assim, os nomes dos mascateros foram sendo citados e aqueles que sempre ajudavam e

93 As falas durante a reunião se dividiram entre o português e o guarani. O que não consegui entender durante a reunião perguntei para a vice-liderança ao final.

vendiam bons produtos, recebiam um ‘OK’, aqueles que nunca ajudaram, ou que foram acusados de levar produtos de má qualidade, ou estragados, seriam suspensos.

Com a reunião chegando ao fim, a vice-liderança colocou um caderno em cima da mesa e pediu para que todos que participaram da reunião assinassem a lista de prresença, feita por ela numa folha de caderno.

A descrição dessa reunião, além de mostrar uma das formas de organização interna das áreas de retomadas, nos diz acerca das relações, trocas e arranjos estabelecidos. Por exemplo, as pessoas que mais falaram na reunião foram as lideranças, mas a esse respeito, um ponto interessante a ser ressaltado é que a fala da liderança tratava sobre questões externas do Tekoha 2, como o encontro com candidatos na aldeia Jaguapiru e a questão da carta sobre a energia elétrica, enquanto todas as questões relativas as regras de condutas no tekoha, as regras das reuniões, bem como toda a discussão sobre os mascateros foram conduzidas pela vice-liderança. Isso pode nos dizer sobre o papel que cada liderança assume na área. A liderança do Tekoha 2 é conhecido pelas pessoas de fora e em nossas conversas também percebi que era ele quem ia a Funai fazer algum pedido ou reivindicação, era ele também, como mencionado, que estava cuidando do pedido da energia elétrica para a retomada. Por outro lado, a vice-liderança se debruçava sobre as questões internas da área, a própria liderança, me dizia que sobre os assuntos de regulamento do Tekoha 2 eu poderia perguntar para sua vice, porque era ela quem cuidava disso.

A ex-liderança de Caarapó também participou mais ativamente da reunião. Ele se sentou próximo da liderança do Tekoha 2 e a carta da agência de energia elétrica foi compartilhada apenas com ele. Embora a ex-liderança de Caarapó esteja a pouco tempo no Tekoha 2, ele já tem uma conduta de destaque na área e, como mencionado anteriormente, foi ele quem sugeriu que essas reuniões acontecessem com mais frequência.

A questão dos mascateros é um caso interessante para perceber como essas relações não são pautadas apenas pela compra e venda como, num primeiro momento, podem parecer, mas operam também pelo princípio da dádiva, de dar, receber e retribuir (Mauss, 1925). O mascateiro que não ajuda é aquele que não deve ter a licença para vender no Tekoha 2, ou seja, é aquele que deixa de participar da troca, enquanto que aquele que ajuda e contribuí nos dias de festas, mantem sua relação com a comunidade, que por sua vez retribuí mantendo a permissão de comercializar na área e comprando seus produtos.

A fofoca também foi um elemento presente. A partir das fofocas que circulam é possível aprender como se organizavam as relações nestes espaços. Em momentos de conflito e disputa, tanto a fofoca como “a feitiçaria é um aspecto central na vida dos grupos Guarani, e as acusações constituem um aspecto fundamental no estabelecimento dos conflitos – e das relações em geral - entre as pessoas” (BARBOSA da SILVA, 2007: 56). O cotidiano Kaiowá e Guarani, envolve disputas, acusações, fofoca e feitiçaria, mas antes de serem elementos desagregadores, eles fazem parte de uma forma específica de se relacionar com os espaços e com as pessoas, bem como de se fazer política. Através das fofocas, informações vão circulando, tornando-se um