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4. PERSPECTIVAS PARA DEMOCRATIZAÇÃO DA RADIODIFUSÃO

4.5 O POTENCIAL DEMOCRÁTICO DA TECNOLOGIA DIGITAL

4.5.1 Televisão Digital

Atualmente, está em pleno andamento o processo de implementação da “televisão digital”197 no Brasil, ou seja, inicia-se um processo de migração do sistema

de transmissão analógico para o digital.

Na verdade, na década de 80 a tecnologia digital já se tornava muito útil na produção televisiva, por exemplo, com as ilhas de edição digitais; o próprio controle remoto trata-se de um dispositivo que opera com tecnologia digital. Mesmo antes de iniciadas as transmissões digitais, grande parte dos estúdios de geração das maiores operadoras brasileiras já estavam digitalizados. 198

197

“A Tv digital nada mais é do que a transmissão digital dos sinais audiovisuais.(...) As pesquisas para a TV digital começaram no final da década de 1980 e se consolidaram na década de 1990, com o lançamento comercial dos dois primeiros padrões: o ATSC e o DVB, nos EUA e na Europa, respectivamente. O Japão, primeiro país a iniciar as pesquisas para uma TV de alta definição digital, somente lançou comercialmente o padrão ISDB em dezembro de 2003. O desenvolvimento e a implementação comercial da TV digital estão diretamente atrelados à queda dos preços dos microprocessadores, necessários para a codificação e decodificação dos sinais audiovisuais em tempo real.” MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos,

desafios e perspectivas para o Brasil. 2. ed. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,

2005, p.36.

198 MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e

As primeiras experimentações com a tecnologia digital teriam se iniciado em 1998 depois que, mediante autorização do Ministério das Comunicações, diversas empresas de radiodifusão, integrantes da ABERT (Associação Brasileira de emissoras de Rádio e Televisão) em conjunto com a SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações), que já vinham estudando a tecnologia digital desde 1994, firmaram um acordo com o Instituto Mackenzie a fim de testar os padrões até então existentes, o Mackenzie instalou em seu campus São Paulo um laboratório de televisão digital e ainda adquiriu uma estação móvel de transmissão.

O processo de implantação da transmissão digital dos sinais televisivos iniciou-se formalmente com a promulgação do Decreto Presidencial nº 4.901, de 23 de novembro de 2003 que instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD).

A fim de promover a instalação da tecnologia digital no país, o referido decreto criou três comitês: de desenvolvimento (que definiria políticas de desenvolvimento do sistema, formado por ministros de estado), consultivo (com participação de representantes da sociedade civil) e gestor (que executaria as diretrizes emanadas dos outros comitês).

O comitê de desenvolvimento foi criado em março de 2004; conforme o decreto presidencial, os relatórios deveriam ser entregues no prazo de um ano, mas devido a inúmeros atrasos, o Decreto nº 5.393 ampliou o prazo para 23 meses.

Foi instituída, ainda, a criação de um consórcio de pesquisa com a participação de 79 instituições diferentes, ligadas a diversas universidades brasileiras e apoiadas pelo CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações). O Instituto Presbiteriano Mackenzie, por exemplo, executaria um projeto de pesquisa focado na transmissão, recepção e codificação de canal e modulação; enquanto a Universidade Federal de Santa Catarina estudaria aplicativos e conteúdo (aplicações interativas em saúde).

A interatividade também é questão fulcral no debate sobre televisão digital, alguns serviços indisponíveis no sistema analógico são possíveis graças à dimensão interativa da tecnologia digital; como, por exemplo, o comércio televisivo direto (sem uso do telefone), a programação sob demanda;199 o aceso à internet, o acesso a serviços públicos, informações governamentais. Seria possível, por exemplo, a extensão dos serviços de “governo eletrônico” ( denominados de “e-gov”), que correspondem a diversos serviços que podem ser acessados pela internet; com a televisão digital interativa, esse tipo de serviço (nesse caso seria denominado de “t- gov”), representaria maior acessibilidade aos serviços já disponibilizados pela internet (como a possibilidade de efetuar a declaração de imposto de renda), mas também a disponibilidade de outros serviços mais essenciais à população em geral, como o acesso a informações sobre transporte público, matrículas escolares, agendamento de serviços de saúde etc., além de maior acesso às informações de gestão pública, de destinação orçamentária, licitações e prestações de contas.

Em virtude das diversas possibilidades de serviços agregados ao sistema de televisão, o que é tecnologicamente inviável no sistema analógico, notadamente a sua dimensão interativa, que quebra o caráter unidirecional da televisão, há quem afirme que estaríamos diante de uma nova mídia.200

O Decreto nº 5.820, de 29 de junho de 2006 instituiu o que o Brasil adotará o sistema de modulação de sinais do sistema ISBD-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial, o chamado modelo japonês) com inovações brasileiras e concedeu “em comodato” outra faixa de 6mhtz a todas as atuais concessionárias de

199

Uma breve descrição desse serviço: “O transmissor oferece determinado vídeo, e o telespectador somente assiste a ele se quiser e quando quiser. Esses serviços adicionais são possíveis graças ao datacasting, ou transmissão de dados multiplexados com o sinal audiovisual. MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa: conceitos, desafios e perspectivas para o

Brasil. 2. ed. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005, p.41.

200

“Essa quebra de paradigmas não representa o fim da televisão, pois a atual forma de ver TV pode continuar. Representa, isso sim, o surgimento de uma nova mídia, com características próprias, peculiares de sua natureza tecnológica. Tv interativa não é uma simples junção da internet com a TV, (...) é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet.” MONTEZ, Carlos; BECKER, Valdecir. A tv digital interativa:

conceitos, desafios e perspectivas para o Brasil. 2ª ed. Florianópolis: Editora da Universidade Federal

televisão pelo prazo de 10 anos, período estipulado de transição do modelo analógico para o digital.201

Cumpre-nos colocar que a televisão digital envolve um sistema complexo, com várias elementos que envolvem os aplicativos (tipos de serviços prestados), o moddleware, sistema de compressão, de transporte e de modulação. Dessa forma os chamados “três padrões” de televisão digital correspondem, cada um deles, a uma arquitetura própria que combina diversos sistemas entre si, isto é, cada um adota um sistema de modulação, de compressão, etc.

Severas críticas são apontadas em relação à escolha do padrão e a implementação do serviço: a escolha deveria ser precedida de aprofundada discussão para definição de modelo de exploração de serviços que, a partir desses objetivos, dessas escolhas, fosse escolhida e elaborada uma arquitetura de modelo digital mais compatível às necessidades e finalidades elencadas. Com a inversão do processo, ou seja, a escolha do modelo digital primeiramente, os serviços terão que se adequar às características e limitações dessa tecnologia. Segundo Lima, por exemplo, a escolha do padrão japonês teria engessado a possibilidade de multiplicação e democratização da programação, contribuindo para a perpetuação dos oligopólios televisivos.202

O debate inicial, aberto ao público e feito de forma transparente e participativa, deveria primeiro delinear as necessidades da população, considerando inclusive as peculiaridades regionais de nosso continental território e estabelecendo, assim, quais os serviços mais interessantes para a maior parte dos cidadãos, que influenciariam um aumento em sua qualidade de vida. Apenas depois de definidas as peculiaridades específicas e reconhecidas as prioridades da população nas

201 Durante esse período se dá o chamado simulcasting, em que serão transmitidas simultaneamente as programações analógica e digital. As primeiras transmissões digitais iniciaram dia 02 de dezembro, no Estado de São Paulo.

202

“A escolha do padrão tecnológico japonês (ISDB) pelo governo, em junho de 2006, no entanto, confirma que não haverá a esperada multiplicação de canais através de novas concessões e, mais ainda, que os canais digitalizados permanecerão sob o controle dos mesmos grupos historicamente dominantes em nossa radiodifusão.” LIMA, Venício Artur de. Mídia: crise política e

diferentes regiões do país é que se deveria partir para a busca do sistema que melhor atendesse a essas demandas, ou seja, o sistema cujas características melhor se adequassem à realidade brasileira, notadamente, um sistema que tivesse uma mínima flexibilidade de compatibilizar os diferentes contextos sociais, econômicos e culturais que convivem em nosso país, primando sempre pela observância dos princípios constitucionais, como o respeito à dignidade humana, a busca pela superação das desigualdades e o princípio de solidariedade, dentre outros.