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TEMPO DE TRABALHO NO PERÍODO RECENTE (2004-2009): UMA INFLEXÃO?

CAPÍTULO 2 – O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS ANOS 2000

2.2 TEMPO DE TRABALHO NO PERÍODO RECENTE (2004-2009): UMA INFLEXÃO?

De acordo com o que apresentamos na seção anterior (2.1), ficou explícito que o Brasil passou por expressivas transformações socioeconômicas ao longo dos anos 2000, principalmente a partir dos dois governos Lula. O que procuraremos sustentar agora é que, nesse cenário pouco mais favorável ao mercado de trabalho e à ação sindical, as disputas em torno do estabelecimento do tempo de trabalho foram forjando um novo padrão de horas trabalhadas no país, tendo como marco o ano de 2007, em que, pela primeira vez, foi possível observar o maior percentual relativo dos trabalhadores ocupados laborando jornadas de trabalho padronizadas com o ordenamento legal, delineada pelo limite entre as 40 e 44 horas semanais. Na realidade, isso representaria um marco na história do tempo de trabalho no Brasil, mas que exige certa cautela em sua análise.

Com efeito, conforme já indicamos, a atuação do Governo Lula no âmbito das relações de trabalho se dá de maneira ambígüa e, por vezes, contraditória, ora na direção de refrear, ora na direção de avançar com o processo de flexibilização. Sendo assim, do ponto de vista das medidas legislativas, registram-se duas importantes sinalizações que reforçam a tendência de flexibilização da jornada de trabalho: a prevalência de atribuir à negociação coletiva a questão do intervalo intrajornada e a consolidação da realização do trabalho aos domingos no comércio (KREIN et al, 2011).

Verificamos quanto à temática do intervalo intrajornada que o governo passou a autorizar a sua redução através de negociação coletiva de trabalho, permitindo com que o campo em torno de sua disputa estivesse marcado pelo prevalecimento do acordo a ser negociado entre as partes representativas do capital e do trabalho. O problema é que, apesar de contar com uma legislação que o regulamente, trata-se de uma questão que divide muito os trabalhadores e que conta com o apoio da classe patronal no sentido de flexibiliza-lo.

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Por sua vez, no que concerne ao trabalho aos domingos, o acordo foi na perspectiva de reduzir a possibilidade de utilização da flexibilização da jornada de trabalho, especialmente através da determinação da obrigatoriedade da negociação coletiva, em vigor com a legislação municipal, e da atribuição das folgas, que podem se dar em ao menos dois domingos no mês56. Contudo, em linhas gerais, trata-se de um movimento do governo no sentido de legitimar e ratificar essa possibilidade flexibilizadora aberta nos anos 1990.

Destarte, em contraste a essas duas mudanças, seria necessário enfatizar ainda a existência de uma medida considerada contrária ao processo de flexibilização, tal qual aquela em que se observa a regulamentação dos regimes de estágios. Com ela, houve a ocorrência da estipulação de uma jornada de trabalho de no máximo 6 horas diárias, inclusive com o direito ao recebimento de férias para todos os estagiários do país.

Vemos, assim, que se trata de alterações bastante pontuais e específicas, que seguem o movimento geral das demais mudanças legislativas, de escopo restrito a públicos-alvo (GALVÃO, 2010).

Contudo, o mais importante a destacar é que, na sociedade brasileira, sob a administração Lula, o papel do Estado quanto à relação capital e trabalho, se bem não foi capaz de propiciar as condições para um maior acirramento e combatividade das lutas políticas e sociais, por outro lado contribuiu para que houvesse um enfraquecimento daquelas teses conservadoras favoráveis à desregulamentação e flexibilização dos direitos e das relações de trabalho.

Tal caráter ambígüo revela-se tanto pelo apoio explícito de amplos setores do empresariado e das organizações sindicais ao governo, quanto no descontentamento de parte dos mesmos com algumas de suas ações ou ainda com a própria condução mais geral do processo político.

No que tange a atuação dos capitalistas, num contexto de melhoria dos indicadores do mercado de trabalho e das condições de vida da população em geral e da tentativa de retomada da

56 Segundo KREIN et al. (2011), no ordenamento anterior, realizado pelo Governo FHC, não havia a previsão de

exigência da negociação coletiva de trabalho; além disso a folga mínima estabelecida para os trabalhadores do comércio era apenas de 1 domingo ao mês.

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ação sindical, podemos dizer que, apesar das alianças importantes de empresários com o Governo Lula, sobretudo dos grandes grupos nacionais, existem indicações de continuidade do processo de flexibilização e intensificação da jornada de trabalho.

Ainda que a partir de 2007 os dados indiquem um maior volume de pessoas ocupadas no país laborando entre 40 e 44 horas semanais, não apenas manteve-se alto o patamar de execução das sobrejornadas, em termos do contingente populacional relativo, como também se verificou evidências do avanço das estratégias empresariais no sentido de se flexibilizar e intensificar o trabalho, conforme será discutido abaixo.

Além da permanência de alguns dos elementos históricos flexibilizadores das relações de trabalho (alta ilegalidade, informalidade e rotatividade), somados com os demais, surgidos no bojo da reestruturação produtiva (terceirização, just in time, polivalência, PLR, subcontratação, contratação com pessoa jurídica), continuaram a avançar aqueles mecanismos atinentes especificamente a questão da jornada de trabalho, a exemplo do banco de horas e da compensação individual da jornada; da liberação do trabalho aos domingos; da recomposição dos turnos ininterruptos de revezamento; do descumprimento do descanso intrajornada; da descaracterização do regime de sobreaviso, dentre outros, apontado por vários pesquisadores57

Mesmo em se tratando de um cenário em que a classe trabalhadora logrou expressivas conquistas através das negociações coletivas, especialmente em relação à recuperação dos níveis salariais profundamente defasados nos anos 1990 - marcado pelo maior protagonismo da ação sindical que pode ser vista no crescente volume de greves -, não foi possível ocorrer um refreamento ou contraposição efetiva quanto à tendência geral ocorrida com a jornada de trabalho flexível que se constituiu nos anos 1990, uma vez que o setor patronal continuou contrário à inclusão de novas cláusulas, nas negociações coletivas, relacionadas à questão do tempo de trabalho (CARDOSO et al., 2011).

Em grande medida, as estratégias utilizadas pelos capitalistas, tais como o uso abusivo de horas extras (ainda que em menor patamar), a descaracterização das horas extras e o descumprimento e/ou a reavaliação de seu pagamento (especialmente naqueles setores onde se

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verifica a presença do regime de banco de horas), a manutenção do baixo custo e risco para as empresas em descumprir com o pagamento dos direitos dos trabalhadores, as alterações na jornada diária, semanal, anual e na escala do ciclo de vida dos trabalhadores, o avanço dos mecanismos introduzidos na reestruturação produtiva e das estratégias específicas utilizadas em cada empresa e setor da atividade econômica, o ajuste do tempo de trabalho aos interesses e à sazonalidade das próprias empresas, a intensificação do ritmo, a eliminação das porosidades, o maior controle sobre a realização do trabalho e sobre a própria reprodução social dos trabalhadores, servem de indicação de que a classe patronal continuou a aprofundar o processo de flexibilização e intensificação do trabalho no Brasil, ao longo da década de 2000, sobretudo quando se verifica o movimento mais geral de negociação da redução da jornada de trabalho acompanhada pela flexibilização e intensificação do labor.

Seguindo a lógica da reprodução do capital em escala global, a classe patronal brasileira continuou a desencadear um forte movimento pela transformação dos sete dias da semana em dias normais de trabalho e pelo funcionamento, ao longo das 24 horas do dia, de todas as suas atividades empresariais, mantendo os trabalhadores à disposição da empresa em qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana e do ano, e remunerando-os apenas na efetividade da realização do labor, dado a necessidade de ajustar o uso do tempo de trabalho segundo o corolário das sazonalidades das atividades econômicas e da demanda efetiva da economia (CALVETE, 2006; KREIN, 2007).

Em face da manutenção da posição refratária dos capitalistas em relação ao processo de flexibilização da jornada de trabalho e das ações contraditórias desempenhadas pelos dois governos Lula quanto às disputas entre o capital e o trabalho, a atuação da classe trabalhadora organizada, em grande medida, se viu premida pela acomodação política e pela condução por dentro da institucionalidade amplamente promovida pelo governo. Porém, ao contrário dos anos 1990, as organizações sindicais lograram conquistas importantes que, em geral, indicam uma tentativa de retomada de seu protagonismo na sociedade brasileira.

Segundo destacou o DIEESE (2010), em 2009, por exemplo, 80% das negociações salariais realizadas por 692 categorias de trabalhadores conquistaram aumento real de salários e outros 88 documentos (quase 13% do total) asseguraram, no mínimo, a reposição da inflação com

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base no INPC-IBGE. Além disso, os reajustes salariais foram pouco afetados pela crise econômica internacional deflagrada nos últimos meses de 2008. Já em relação aos pisos salariais registrados em acordos e convenções coletivas de 635 unidades de negociação de 2009, aproximadamente 96% das unidades de negociação consideradas conquistaram pelo menos a reposição das perdas salariais ocorridas desde a última data-base, com base no INPC-IBGE. E cerca de 93% das unidades de negociação consideradas conquistaram aumentos reais para os pisos em 2009.

Entretanto, se do ponto de vista da renda do trabalho houve conquistas - principalmente num quadro de conformação de um maior volume de greves desencadeadas no país, conforme ressaltamos anteriormente - em relação à questão da jornada de trabalho foram muitas as dificuldades encontradas pelos trabalhadores no sentido de refrear ou até mesmo dirimir algumas das tendências verificadas nos anos 1990.

Muito embora a atuação sindical tenha se revigorado, em certa medida, isso ajuda a explicar, apenas em parte, a perspectiva de aparente redução das horas trabalhadas no Brasil, sobretudo após o ano de 2007, ainda que ela tenha tanto conseguido emplacar até mesmo, de modo limitado, o lançamento de uma Campanha Nacional sobre a redução da jornada de trabalho sem a redução dos salários, a partir de 2003, quanto indicar de maneira tímida algumas reivindicações mais consistentes sobre o tempo de trabalho, no plano da negociação coletiva.

Não obstante, faz-se necessário levar em conta outros elementos, tais como o forte crescimento do emprego formal e a própria formalização do trabalho enquanto relevantes para esse processo de maior padronização das horas trabalhadas. Todavia, os assuntos e as cláusulas relacionados à flexibilização e à intensificação do trabalho continuaram bastante residuais nas pautas das negociações coletivas.

De acordo com o balanço da atuação sindical frente às disputas em torno da jornada de trabalho, a Tabela 1458, abaixo, nos permite tecer as seguintes considerações:

58 A propósito, tomaremos como fonte CARDOSO (2009), referente aos anos 2003-2006. Para os anos posteriores,

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(i) entre 2004 e 2010, começa a ocorrer uma primeira reação do movimento sindical, em grande medida, influenciada pela iniciativa promovida pela Campanha Nacional. A partir de 2005 é possível verificar tal movimento (CARDOSO, 2009), sendo que, em 2008, o total de greves realizadas sobre a questão da jornada de trabalho atinge o seu ponto máximo de 18%. Se comparado ao período anterior, vigorado nos anos 1990, essa série representa um aumento expressivo de quase o dobro de reivindicações efetuadas pelos sindicatos. Deste total, as greves referentes exclusivamente à redução da jornada de trabalho alcançam maior destaque nos anos de 2007 (47,7%), 2009 (47,8%) e 2010 (53,6%), onde se observa o efeito importante da crise econômica sobre a economia brasileira, em termos de negociação coletiva;

Tabela 14 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil - 2003-2010

Ano Total de Greves (A)

Reivindicações relativas a jornada Total de Greves sobre

Jornada (B) Manutenção de Jornada Redução de Jornada Extinção de Horas Extras (1) Não-flexibilização da Jornada

% sobre (B) % sobre (B) % sobre

(B) % sobre (B) % sobre (B) 2003 340 34 10,0 6 17,6 18 52,9 2 5,9 2 5,9 2004 302 36 11,9 1 2,8 14 38,9 4 11,1 2 5,6 2005 299 40 13,4 1 2,5 16 40,0 5 12,5 7 17,5 2006 320 51 15,9 3 5,9 9 17,6 16 31,4 2 3,9 2007 316 44 13,9 2 4,5 21 47,7 3 6,8 4 9,1 2008 411 74 18,0 3 4,1 27 36,5 1 1,4 10 13,5 2009 518 69 13,3 11 15,9 33 47,8 1 1,4 2 2,9 2010 446 56 12,6 4 7,1 30 53,6 2 3,6 5 8,9

Fonte: CARDOSO (2009, p. 115) - Referente aos anos 2003 – 2006; DIEESE – Referente aos anos 2007 – 2010. Elaboração: CARDOSO (2009).

(1) Inclui redução do número de horas extras

(ii) no que diz respeito às greves desencadeadas sobre a “manutenção da jornada”, destaca-se, sobretudo, o ano de 2009, revelando se tratar de um movimento de caráter propriamente reativo da ação sindical em face do imediato da crise econômica;

(iii) no que concerne às greves realizadas sobre a flexibilização da jornada de trabalho, verifica-se um forte aumento desta reivindicação nas pautas das negociações coletivas, ao contrário do observado na década de 1990, sendo 2005 o ano mais representativo (17,5%)

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(CARDOSO, 2009), acompanhado de 2008 (13,5%). Contudo, veremos nesta seção que, na grande maioria das pautas, poucos foram os avanços significativos;

(iv) o mesmo movimento é indicado pelo quesito “extinção ou limitação de horas extras”, onde chama a atenção o aumento considerável desta questão, especialmente em 2006 (31,4%) (CARDOSO, 2009). No entanto, apesar do maior destaque, ainda se verifica relativamente a baixa incidência desta reivindicação junto ao movimento sindical.

Um fato importante a se ressaltar é que, diante dessa nova conjuntura um pouco mais favorável, é reacendido, em 2003, o debate sobre a redução da jornada de trabalho, através da execução da “Campanha Nacional pela Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de Salário”, sob os auspícios das seis maiores centrais sindicais do país até então naquele momento (CUT, Força Sindical, CGT, CGTB, CAT e SDS) e do apoio do DIEESE.

O conjunto dessas instituições passaram a somar esforços no sentido da aprovação no Congresso Nacional da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 393/01) de autoria do senador Paulo Paim (PT) e do deputado federal Inácio Arruda (PCdoB)59. O projeto prevê a redução do limite legal para 40 horas semanais, podendo alcançar 35 horas dois anos depois, e estabelece uma compensação maior para as horas extras (CARDOSO, 2009).

Segundo Cardoso (2009), apesar de tudo, a Campanha - que tinha como mote não apenas a redução da jornada de trabalho, sem redução de salários, mas também a limitação da hora extra e do banco de horas - não conseguiu se traduzir em um amplo e efetivo processo de discussão de alcance nacional devido a inúmeras razões. Em primeiro lugar, foi muito difícil ao movimento sindical garantir a mobilização dos trabalhadores quanto a esta reivindicação, em parte pela preocupação dos mesmos com a questão do emprego e dos salários e não com a própria redução da jornada de trabalho, mas também pelo fato de que muitas categorias importantes lograram conquistas da diminuição das horas trabalhadas, a despeito da flexibilização e da intensificação da mesma.

59 De acordo com CARDOSO (2009), em 2001, a CUT e o DIEESE criaram um sítio (www.tempolivre.com.br)

disponibilizando informações acerca do tempo de trabalho no Brasil e no mundo. Em 2003, por sua vez, as Centrais sindicais promovem um seminário do qual se constitui o planejamento da “Campanha Nacional pela Redução da Jornada de Trabalho, sem Redução dos Salários”.

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Outro elemento seria a dificuldade do movimento sindical em torno das tomadas de decisão coletiva e da manutenção das propostas e, sobretudo, do nível de verticalização que as decisões foram sendo implementadas pelos atores envolvidos no processo (CARDOSO, 2009).

De maneira geral, os representantes sindicais entenderam que o alcance da redução da jornada de trabalho deveria ser conquistado através de mudanças na legislação, acreditando que o novo contexto político, propiciado pelo governo Lula, seria mais favorável à sua implantação. Acontece que, entretanto, a partir da crise política ocasionada com o “mensalão”, em 2005, o governo abandona as discussões da Reforma Sindical e Trabalhista. Mesmo assim, sem o apoio do governo, durante o ano de 2005 e do início de 2006, a Campanha é retomada através de um novo abaixo-assinado e de marchas em Brasília (CARDOSO, 2009).

Tal processo, por sua vez, se estendeu até o ano de 2009, com a perspectiva da proposta de Redução da Jornada de Trabalho ser votada no Congresso Nacional. No final de junho de 2010, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisou a redução da jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais, aprovou por unanimidade o relatório favorável à proposta apresentado pelo deputado Vicentinho (PT-SP) relativo à Proposta de Emenda à Constituição PEC 231/95. A proposta, em tramitação há 14 anos no Congresso Nacional, também aumenta o valor da hora extra de 50% do valor normal para 75%. A expectativa era que a PEC fosse votada pelo plenário da Casa no início de agosto do referido ano. Ela teria que ser votada em dois turnos e para ser aprovada seriam necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis. Se aprovada na Câmara, a PEC seria encaminhada para discussão e votação no Senado Federal.

Acima de tudo, uma questão bastante importante merece ser discutida em relação ao impacto e ao teor que a Campanha Nacional emprestou ao debate sobre o tempo de trabalho na sociedade brasileira. Novamente, o foco da reivindicação por parte do movimento sindical residiu na vinculação da redução da jornada de trabalho com a geração de empregos, menosprezando-se por vezes a ideia do tempo livre e do bem viver.

Na avaliação de Cardoso (2009), ainda que a relação entre desemprego e tempo de trabalho seja algo muito comum em todos os discursos dos diversos atores sociais envolvidos no processo - uma vez que o problema do desemprego desde sempre passou a ocupar o papel de

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destaque nos processos de negociação coletiva, sobretudo na década de 1990 – existem razões de fundo que ajudam a explicar o apelo ao tempo de trabalho e não ao aumento do tempo livre, a exemplo da constituição e composição do próprio mercado de trabalho, marcado pela alta informalidade e precarização; a ausência de um estado de bem-estar social que garanta os direitos mínimos do trabalhador; os patamares muito baixos dos salários e, especialmente, o ardil da desmedida valorização do trabalho que acomete a classe trabalhadora brasileira.

Não obstante, Calvete (2006), por seu turno, assevera que os maiores obstáculos à aprovação da redução da jornada de trabalho não são de ordem econômica e sim de ordem política. Ademais, ressalta que a luta pela redução da jornada não pode ser vista como uma panacéia para o problema do desemprego, mas com objetivo de ajudar a unir a classe trabalhadora em torno de uma ação pró-ativa no sentido do desenvolvimento social.

Para o autor, as maiores dificuldades a serem enfrentadas em torno desta questão residem na resistência do setor empresarial; na fragilidade do movimento sindical; no tamanho do setor informal; na heterogeneidade da economia nacional; nos baixos salários; na amplitude das ocupações paralela à elevada desigualdade nos rendimentos do trabalho e na precariedade da fiscalização do trabalho.

Em suma, todos estes fatores levantados pelos autores ajudam a explicar porque, nas reivindicações dos trabalhadores referentes à redução da jornada de trabalho no período mais recente, continuou a ocorrer de modo intenso a relação desta com a questão do desemprego. No entanto, é importante destacar que, apesar do papel limitado da ação sindical no que tange ao avanço por reduzir a jornada de trabalho, por outro lado, não apenas o Brasil assistiu a um aparente processo de diminuição da execução das sobrejornadas, ainda que influenciado por outros fatores relevantes nesse sentido, tais como a recuperação do emprego formal e formalização do trabalho, como também se tornou talvez a única experiência no mundo em que verificamos uma tentativa da classe trabalhadora de pautar o debate nacional em torno da reivindicação da redução da jornada de trabalho, mesmo que isso tenha se mostrado mais fortemente significativo no imediato da crise econômica, por força de seu impacto à economia brasileira.

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Ao contrário dos anos 1990, o movimento sindical conseguiu expressar um maior protagonismo na sociedade, ainda que marcado por uma acomodação política, oriunda principalmente de suas relações estabelecidas com o Governo Lula. Apesar de contribuir de modo parcial ao processo de constituição, a partir de 2007, da tendência de maior padronização da jornada de trabalho, limitada pelo ordenamento legal das 40 às 44 horas semanais, ele não foi capaz de refrear ou até mesmo enfrentar com mais combatividade as tendências constitutivas do atual padrão de acumulação flexível no Brasil, surgidas na década passada.

A própria CUT, sem embargo, mostrou-se bastante tímida em relação às disputas travadas sobre o tempo de trabalho no país. Nas resoluções de seus Congressos, verifica-se certa tentativa de se criar, especialmente no seu 10º CONCUT, novas reivindicações mais efetivas e de procurar também reestabelecer as bandeiras quanto à jornada de trabalho, mas, no entanto, pouco se avançou nesse sentido, sobretudo em se tratando da distribuição flexível e da intensificação das horas trabalhadas.

Vejamos então um balanço realizado por Freitas (2009), com base no teor das resoluções

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