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Tempo de trabalho no Brasil Contemporâneo : a duração da jornada de trabalho (1990-2009)

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i

Eduardo Martins Ráo

TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: A DURAÇÃO

DA JORNADA DE TRABALHO (1990-2009)

Campinas

2012

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iii

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

EDUARDO MARTINS RÁO

Tempo de Trabalho no Brasil Contemporâneo: a Duração da Jornada

de Trabalho (1990-2009)

Prof. Dr. José Dari Krein– orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO EDUARDO MARTISN RÁO ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ DARI KREIN.

CAMPINAS 2012

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUARDO MARTINS RÁO

TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: A DURAÇÃO

DA JORNADA DE TRABALHO (1990-2009)

Defendida em 29/02/2012

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vii

DEDICATÓRIA

Tatiana Portela, Gabi “Marruá” e Tomás de Oliveira Taulois Silva (in memorian)

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RESUMO

Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil assistiu a mudanças expressivas em relação ao tempo de trabalho. Através da realização de nosso estudo foi possível constatar a existência de três padrões do tempo de trabalho no Brasil, que revelam dois momentos distintos: um primeiro, delimitado entre 1992-1998 e entre 1999-2003, onde se verifica um processo de alongamento das horas trabalhadas acompanhado pela exacerbação da flexibilização e da intensificação da jornada de trabalho e, um segundo, ocorrido entre 2004-2009, em que a duração do trabalho sugere um movimento de maior padronização da jornada de trabalho de acordo com a legislação laboral. Na realidade, este último padrão representa um marco na história do tempo de trabalho no Brasil, mas que exige certa cautela em sua análise, uma vez que continuaram a se ampliar os mecanismos de flexibilização e intensificação utilizados pelas empresas.

__________________________

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xi

ABSTRACT

Over the last two decades, Brazil has witnessed significant changes in relation to working time. By performing our work, we determined the existence of three patterns of working time in Brazil, which reveal two distinct periods: the first, delimited between 1992-1998 and between 1999-2003, where there is a process of elongation the hours worked accompanied by exacerbation of flexibility and the intensification of the working day and a second occurred between 2004-2009, where the duration of the work suggests a movement of greater standardization of working day of according to the labor law. Indeed, the latter pattern represents a boundary in the history of working time in Brazil, but that requires some caution in his analysis, since continued to expand the flexibility and intensification mechanisms used by companies.

__________________________

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CAT Central Autônoma de Trabalhadores

CESIT Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho

CF Constituição Federal

CGT Central Geral dos Trabalhadores

CGTB Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNI Confederação Nacional das Indústrias

CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora

CONCUT Congresso Nacional da CUT

CONTRACS Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços CTB Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

CUT Central Única dos Trabalhadores

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

EC Emenda Constitucional

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetário Internacional

FNT Fórum Nacional do Trabalho

FS Força Sindical

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDORT Instituto de Organização Racional do Trabalho

INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

LER Lesões por Esforço Repetitivo

LC Lei Complementar

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

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xiv

MEI Microempreendedor Individual

MP Medida Provisória

MPT Ministério Público do Trabalho

TEM Ministério do Trabalho e Emprego

NCST Nova Central Sindical de Trabalhadores

OECD Organization for Economic Co-operation and Development

OIT Organização Internacional do Trabalho

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PEA População Economicamente Ativa

PEC Projeto de Emenda Constitucional

PIB Produto Interno Bruto

PJ Pessoa Jurídica

PLC Projeto de Lei Complementar

PLR Participação nos Lucros e Resultados

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PT Partido dos Trabalhadores

RGPS Regime Geral de Previdência Social

RJT Redução da Jornada de Trabalho

RJU Regime Jurídico Único

SACC Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas

SDS Social Democracia Sindical

SIPS/IPEA Sistema de Indicadores de Percepção Social

TI Tecnologia da Informação

TST Tribunal Superior do Trabalho

UGT União Geral dos Trabalhadores

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LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil - 1990-2002

41

Tabela 02 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil: 1992-1998

50

Tabela 03 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo sexo) – Brasil: 1992-1998

51

Tabela 04 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998

53

Tabela 05 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998

54

Tabela 06 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998

56

Tabela 07 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1992-1998

57

Tabela 08 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil: 1999-2003

60

Tabela 09 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo sexo) – Brasil: 1999-2003

61

Tabela 10 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003

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Tabela 11 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003

64

Tabela 12 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003

65

Tabela 13 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 1999-2003

66

Tabela 14 - Total anual e distribuição das greves segundo reivindicações selecionadas, Brasil - 2003-2011

98

Tabela 15 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade) – Brasil: 2004-2009

107

Tabela 16 - Evolução do tempo de trabalho (Nº horas habitualmente trabalhadas por semana – todos os trabalhos – dez anos ou mais de idade, segundo sexo) – Brasil: 2004-2009

108

Tabela 17 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por posição na ocupação de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009

110

Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por grupos de ocupação na atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009

112

Tabela 19 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por ramos de atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009

114

Tabela 20 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de horas habitualmente trabalhadas por semana no trabalho principal, por classes de rendimento mensal em atividade do trabalho principal (%) – Brasil: 2004-2009

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Balanço das Contrareformas Trabalhistas na Região Latinoamericana 27 Quadro 2 - Balanço da flexibilização das relações de trabalho no Brasil na década de 1990 30 Quadro 3 - Tempo de Trabalho nos Congressos da CUT (1983-2000) 44 Quadro 4 – Principais medidas flexibilizadoras das relações de trabalho no Brasil

(2003-2010)

86

Quadro 5 –Medidas contrárias à flexibilização das relações de trabalho no Brasil (2003-2010)

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LISTA DE ANEXOS

Tabela 1 - População Economicamente Ativa, segundo posição na ocupação na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009

150

Tabela 2 - População Economicamente Ativa, segundo grupos de ocupação na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) - Brasil: 1992-2009

152

Tabela 3 - População Economicamente Ativa, segundo ramos de atividade do trabalho principal (em milhões e em %) - Brasil: 1992-2009

153

Tabela 4 – População Economicamente Ativa, segundo classes de rendimento mensal na atividade do trabalho principal (em milhões e em %) – Brasil: 1992-2009

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xxi SUMÁRIO

RESUMO ... IX ABSTRACT ... XI LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ... XIII LISTA DE TABELAS ... XV LISTA DE QUADROS... XVII LISTA DE ANEXOS ... XIX

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1 - O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS ANOS 1990 ... 21

1.1 OCONTEXTOPOLÍTICOESOCIOECONÔMICONOBRASIL ... 22

1.2 NEOLIBERALISMOETEMPODETRABALHONOBRASIL(1990-2003) ... 35

CAPÍTULO 2 – O TEMPO DE TRABALHO NO BRASIL NOS ANOS 2000 ... 83

2.1 ACONJUNTURADECRESCIMENTOECONÔMICOEDETENTATIVADEMAIOR PROTAGONISMODOMOVIMENTOSINDICAL ... 84

2.2 TEMPODETRABALHONOPERÍODORECENTE(2004-2009):UMAINFLEXÃO? ... 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 141

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 147

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1

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa realizar uma reflexão sobre o movimento que vem tomando o tempo de trabalho no Brasil, especialmente a partir dos anos 1990, quando o país se insere definitivamente nos marcos da globalização da economia e da financeirização do capitalismo. Em outras palavras, procuramos apontar as mudanças ocorridas com o tempo de trabalho no Brasil, em face das transformações suscitadas no capitalismo contemporâneo.

Através da realização de nosso estudo será possível sustentar a hipótese da existência de três padrões do tempo de trabalho no Brasil, demarcados por duas conjunturas distintas: aquela delimitada entre 1992-1998 e entre 1999-2003, onde se verifica um processo de alongamento das horas trabalhadas e, aquela ocorrida entre 2004-2009, em que a duração do trabalho sugere um movimento de maior padronização da jornada de trabalho de acordo com a legislação laboral.

A princípio, essa constatação indicaria, por um lado, uma tendência de menor execução das horas trabalhadas pela população economicamente ativa brasileira acima das 45 horas semanais, revelando um momento de inflexão histórico no aspecto da duração do trabalho no país. Por outro lado, ela nos apresenta ainda um movimento de maior padronização das horas laboradas segundo estabelece o ordenamento legal, correspondente à faixa daqueles que trabalham entre 40 e 44 horas semanais. Haveria, portanto, uma forte evidência na década de 2000, sobretudo entre 2004-2009, de redução e de maior padronização das horas trabalhadas pelos trabalhadores brasileiros. Essa será a hipótese geral que norteará a nossa pesquisa.

No entanto, seria interessante analisar de que maneira esta nova conjuntura de menor duração das horas laboradas no Brasil reflete necessariamente o fato de os trabalhadores estarem trabalhando menos. Nesse sentido, nosso trabalho ainda não conseguiu dar uma resposta contundente a esse questionamento, devido o foco ter-se centrado fundamentalmente no aspecto da duração do tempo de trabalho. Porém, a despeito dessa limitação, será possível sugerir, pelo menos a partir de um conjunto de evidências, uma maior cautela em relação ao movimento generalizado de inflexão da duração do trabalho no país na última década, dado que o tempo de trabalho passou por mudanças substantivas oriundas das transformações ocorridas no capitalismo

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contemporâneo e, certamente, dentre uma destas alterações, reside a ampliação e a sofisticação dos mecanismos utilizados pelas empresas inscritos na flexibilização e na intensificação do tempo de trabalho.

Tratam-se de dois processos que mereceriam a incidência de maiores estudos, especialmente do ponto de vista dos impactos que os mesmos teriam na conformação da jornada de trabalho contemporânea. Contudo, eles nos servem de elementos que ajudam a sustentar a idéia da conformação de uma nova jornada de trabalho em curso: uma jornada mais flexível e mais intensa, cujas dimensões se encontram cada vez mais imbricadas; uma jornada mais adensada e ao mesmo tempo mais fluida.

Sendo assim, procuramos colaborar nesse trabalho com as teses que defendem a implicação destes elementos na análise do tempo de trabalho contemporâneo, sustentando então o seguinte: nos anos 1990 a duração do trabalho passou por um alongamento exacerbado que, na conjuntura dos anos 2000, sofreu uma expressiva inflexão; no entanto, o mesmo não aconteceu com a distribuição e a intensidade, uma vez que ambas indicam a continuidade de um processo de flexibilização e intensificação do tempo de trabalho no Brasil.

Desta forma, nossa pesquisa busca contemplar a análise da duração do trabalho no país ao longo das duas últimas décadas, sem deixar de lado totalmente as implicações ocorridas nas outras duas dimensões do tempo de trabalho, inclusive as referendando enquanto elementos que contribuem para que se relativize um pouco o movimento de inflexão das horas trabalhadas no país. Na realidade, cumpre considerá-los até certa medida em nossa pesquisa, posto se tratar de objetos que serão investigados em estudos posteriores.

Conceitualmente, o tempo de trabalho pode ser identificado nas sociedades capitalistas por meio de três aspectos indeléveis que o compõem, a saber, a duração (ou extensão), a distribuição e a intensidade (DAL ROSSO, 2000). A maneira mais comum de se compreender o tempo de trabalho nessas sociedades diz respeito à duração ou à extensão do trabalho. Forjado pela relação de subordinação do assalariamento, o trabalhador que vende a sua força de trabalho no mercado procura tomar conhecimento, a princípio, de qual será a sua remuneração - dada a

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sua respectiva função na atividade econômica - assim como de qual será o total de horas a serem trabalhadas – de acordo com o nível de rendimento estipulado.

De fato, a duração do trabalho se expressa através do estabelecimento de uma jornada de trabalho, que pode ser distinguida de várias formas: jornada diária, semanal, mensal e anual, jornada remunerada e não remunerada, jornada legal ou contratual, jornada extraordinária, jornada efetiva, etc. Conforme acontece com a noção de jornada de trabalho, a noção de duração do trabalho também apresenta costumeiramente modalidades como duração diária, duração semanal e duração anual (CALVETE, 2006). Além destas, existe ainda a duração na escala do ciclo de vida (SAMUEL & ROMER, 1984) ou a duração da vida ativa1 (CETTE & TADDÉI, 1997 apud FERREIRA, 2004) as quais ambas se referem ao tempo de trabalho realizado pelo indivíduo durante toda a sua vida laborativa.

Entretanto, o mais importante ao se analisar a composição da jornada de trabalho - seja de qualquer forma ou modalidade acima descrita -, é avaliar se ela representa a jornada de trabalho efetivamente laborada pelos trabalhadores, tendo em vista o absenteísmo, as greves, as paralisações por falta de serviço e, sobretudo, as horas extraordinárias. Em geral, a duração da jornada efetiva sofre influência de vários fatores: da lei, convenção ou acordo coletivo que estipulam a jornada normal de trabalho a partir de onde começarão a serem pagas as horas extras; da existência ou não de limitações para as horas extras diárias, semanais, mensais e/ou anuais; do pagamento adicional estipulado em relação às horas extras e dos custos atinentes à contratação e demissão dos trabalhadores, às licenças, aos dias parados e/ou folgados, à publicidade da oferta de trabalho, aos treinamentos e à seguridade social (CALVETE, 2006, p. 34).

Não obstante, Ferreira (2004, p. 14) ressalta ainda que não é apenas a duração do trabalho designado em horas, dias e semanas, meses ou anos, para fins de remuneração do trabalho assalariado, que ganha destaque para a sociedade e, para o trabalho, em particular. Faz-se imperativo levar em conta outros elementos igualmente relevantes, tais como: (i) o tempo dispendido pelos trabalhadores para permanecerem ativos no mercado de trabalho, apoiados em

1 Para Cette & Taddéi (1997, p. 33-34, apud Ferreira, 2004) o conceito de duração da vida ativa passa a considerar o

tempo de trabalho total realizado durante a vida laborativa do indivíduo. Ele se mostra relevante para os estudos de mercado de trabalho e de sistemas de aposentadoria.

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sua sustentação física (energia para repor as próprias forças) ou da ausência mesma de trabalho (caso dos desempregados); (ii) a evidência notável do crescimento da longevidade alcançada pelo ser humano que faz estender (ou não necessariamente) o número médio de horas trabalhadas durante a vida; (iii) a criação dos sistemas de aposentadoria como instituto que busca a proteção do trabalhador contra o desgaste ou invalidação, total ou parcial, de sua força de trabalho; (iv) a diversidade de medidas possíveis adotadas pelo capital para a duração dos regimes de trabalho humano (trabalho a tempo integral, parcial, noturno, etc.) e (v) a existência dos tempos de não trabalho necessários à reprodução física e social da própria força laboral, isto é: descansos intrajornada (paradas para descanso e refeição); descansos entrejornadas (descanso realizado entre um dia e outro de trabalho); descansos semanais; férias e dias feriados; paradas obrigatórias em determinadas atividades repetitivas e insalubres; trocas de turnos; absenteísmo e trabalho doméstico (realizado majoritariamente por mulheres2).

Por sua vez, o estudo de Cardoso (2009) aponta para a necessidade de se reconhecer a existência de tempos dedicados ao trabalho que se encontram fora do espaço restrito do local de trabalho. Por exemplo, o tempo gasto com o transporte entre a casa e o trabalho, o tempo ocupado pelas atividades de (re)qualificação, as horas de sobreaviso, o tempo dedicado às tarefas levadas para a casa, os tempos em que os trabalhadores se vêem obrigados a trazer soluções para o melhor desempenho do processo de trabalho e, finalmente, o tempo dedicado às atividades associativas e culturais, de responsabilidade social, atribuídas pela exigência crescente das “empresas cidadãs”. Sem dúvida, todos esses elementos caracterizam tempos de trabalho, o problema é que eles deixam de serem considerados enquanto tais inclusive para grande parte dos próprios trabalhadores. Em verdade, tratam-se, ademais, de esferas em que o capital procurará atuar no sentido de impor maiores constrangimentos ao uso do tempo dos mesmos e que serão fortemente irreconhecidos pelos capitalistas como situações de labor (CARDOSO, 2009).

2 Na avaliação de Cardoso (2009), a partir do advento do trabalho industrial, vai se impondo nas sociedades

capitalistas uma “separação” entre o tempo/espaço de trabalho e o tempo/espaço de não trabalho, ou seja, entre aqueles trabalhos considerados produtivos e aqueles trabalhos considerados reprodutivos. Nesse processo histórico, somente o trabalho contido especificamente no espaço da produção com uma jornada estipulada passou a ser remunerado pelos capitalistas, deixando as demais atividades voltadas à reprodução social das famílias sob a responsabilidade feminina, desprovidas de qualquer tipo de renda monetária e de valorização social, muito embora tais atividades cumpram um papel significativo em relação ao processo de acumulação do capital.

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Desta forma, a análise sobre a extensão ou a duração da jornada de trabalho nos dá uma das dimensões acerca do nível geral das condições de vida dos trabalhadores em cada contexto específico das sociedades capitalistas, enaltecendo o campo da disputa inscrita na relação entre o capital e o trabalho. Para os capitalistas existe o incessante interesse de se prolongar ao máximo possível o número de horas trabalhadas, trazendo conseqüências importantes para a sociedade e para a vida de todos os trabalhadores. Já a classe trabalhadora busca, de alguma forma, obstaculizar essa tendência inexorável no uso que se pode dispor de seus instrumentos revelados em cada momento da história específica da luta de classes.

O segundo aspecto fundamental do tempo de trabalho a ser avaliado nas sociedades capitalistas é a distribuição do trabalho. Dado a sua natureza mais complexa e suscetível a graus de diferenciação enormes entre países e dentre as múltiplas atividades econômicas existentes, cada qual com as suas especificidades técnicas, a dimensão da distribuição do trabalho acabou sendo pouco estudada. A despeito dessa constatação, nessa esfera propriamente podemos observar as configurações dos diferentes modos em que as horas de trabalho se encontram distribuídas ao longo dos regimes de trabalho, assim como também o campo das inúmeras possibilidades colocadas pela flexibilização das jornadas: se estão definidas em tempo integral, tempo parcial e/ou rodízios por turnos e escalas interruptos ou ininterruptos; quais são os dias de descanso remunerado e os mecanismos de compensação das horas folgadas (semanais, mensais e/ou anuais); como se compõe as horas extras e o absenteísmo, etc. Decerto, tais configurações estão relacionadas a inúmeros fatores políticos, sociais, culturais e econômicos que são frutos de um processo histórico-societal estabelecido a partir da constituição do capitalismo e das relações sociais de produção (DAL ROSSO, 2000; CALVETE, 2006).

Finalmente, o terceiro aspecto fundamental do tempo de trabalho nos remete à intensidade do trabalho. Ele é caracterizado pela maneira como o tempo de trabalho é utilizado, ou ainda, pela maneira como é realizado o ato de trabalho nas sociedades capitalistas (DAL ROSSO, 2000, 2008). Nessa ótica emergem questões atinentes ao uso da força de trabalho, como por exemplo, o controle sobre o ritmo de trabalho, a execução dos gestos, as porosidades (os tempos mortos), o irrompimento da continuidade do fluxo produtivo, as multiplicidades de tarefas e funções, a exigência de atributos mentais e intelectuais e/ou de envolvimento emocional com o trabalho. Devido a forte concorrência estabelecida no mercado, os capitalistas se deparam

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com a incessante necessidade de utilização destes instrumentos com vistas a aumentar o grau de intensidade do trabalho, seja através do desenvolvimento tecnológico e científico, seja também a partir da reorganização e da gestão do trabalho3 (DAL ROSSO, 2000; CALVETE, 2006). Isto significa uma situação complexa e difícil para a classe trabalhadora, que procurará lutar de modo a abrandar o excesso de trabalho, os acidentes letais ou parciais, as lesões físicas permanentes, os suicídios e as psicopatologias e/ou doenças ocupacionais, ocasionados direta ou indiretamente pelos processos de trabalho.

De maneira geral, o capitalista utiliza-se de inúmeros instrumentos para alterar os limites impostos ao tempo de trabalho em suas três dimensões (duração, distribuição e intensidade). A jornada de trabalho pode ser alongada ou reduzida, se tornar mais flexível para a empresa ou para o proveito do trabalhador e, ainda, tornar-se mais intensa ou não. À frente disto, existe uma gama de combinações em relação à utilização do tempo de trabalho dos trabalhadores delimitados tanto pelo aspecto físico-biológico quanto pelo social, o que supõe uma série de arranjos da forma de produção da mais-valia (MARX, 1996).

Na condição de uma relação social, o capital busca, por um lado, pressionar pela superação das limitações impostas aos indivíduos inerentes ao processo de trabalho, que esbarram nas capacidades de adaptação e de risco de saúde dos trabalhadores constrangidos à execução de jornada de trabalho mais longas, mais flexíveis e mais intensas. Por outro lado, a sociedade procura impor certos parâmetros à jornada de trabalho a partir da legislação trabalhista, dos acordos e convenções de trabalho definidas pelo antagonismo entre as classes (CALVETE, 2006).

3 Na avaliação de Dal Rosso (2008), o estudo da intensidade, a rigor, busca identificar o grau de dispêndio de todas

as capacidades do trabalhador utilizadas no processo de trabalho, sejam elas energias físicas, intelectuais e relacionais, com o intuito de medir a quantidade e a qualidade de mais trabalho realizado sob as mesmas condições técnicas e no mesmo período de tempo considerado. Assim, quanto maior for a intensidade, mais trabalho é produzido num dado período considerado, culminando no alcance de resultados mais elevados. Sem embargo, o tratamento teórico-conceitual, metodológico e empírico da questão da intensidade se apresenta de modo muito escasso na literatura. Aliás, são muitas as dificuldades encontradas pelos especialistas para definirem apropriadamente o que é a intensidade e para identificarem o impacto que ela gera ao conjunto da sociedade, perpassando todas as modalidades particulares verificadas em cada ramo de atividade, nas unidades de trabalho dentro de empresas e nas distintas posições e classes de ocupação. Para um estudo detalhado sobre essa discussão, ver: DAL ROSSO, S. Mais trabalho: a intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.

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Acontece que, como na sociedade capitalista a acumulação de capital torna-se um processo incessante de valorização do valor, os empresários buscarão dispor de distintas formas de extração de mais-valia de acordo com o grau de disputa circunscrito em cada momento da história. Por exemplo, a burguesia, em meados da Revolução Industrial, conseguiu promover um processo de alongamento das horas trabalhadas para algo em torno de 16 a 18 horas diárias, deixando de poupar sequer a participação de mulheres e crianças. Essa longuíssima carga horária traduziu-se na desvalorização da força de trabalho e resultou em ganhos extraordinários de mais-valia através do aumento absoluto da jornada de trabalho (MARX, 1996, 2004).

Posteriormente, quando se tornou insustentável a manutenção de tal padrão de exploração, sobretudo pela luta do movimento dos trabalhadores em prol da redução da jornada de trabalho, os capitalistas acabaram difundindo os novos métodos taylorista-fordistas apoiados na administração científica do trabalho, coadunando a nova realidade de menores patamares de horas trabalhadas com a de maior intensificação do processo de trabalho. Assim, é o desenvolvimento das forças produtivas que passou a imprimir o teor da extração de mais-valia sob as bases genuinamente capitalistas4, implicando tanto nos portentosos ganhos de produtividade do trabalho e no barateamento dos bens-salários para a classe trabalhadora bem como num maior controle da produção e da reprodução da própria vida dos trabalhadores (GRAMSCI, 1984).

Nessa fase histórica marcada pela preponderância da mais-valia relativa, o capitalismo pôde aparentemente exibir o seu potencial “civilizatório”, sustentando a incorporação de grandes contingentes de trabalhadores ao regime de assalariamento e ainda possibilitando a estes o desfrute de um padrão de vida razoavelmente estável. Além disso, com o embaratecimento e a ampla difusão das mercadorias nos mais distintos ramos dos mercados, as grandes massas - agora convertidas em vigorosos consumidores – cumpriram parte fundamental da engrenagem inscrita no processo de reprodução societal do capital através do consumo massificado, ao mesmo tempo em que ampliavam suas “virtualidades democráticas” registradas nos marcos da afluência e da ascensão social, principalmente com a composição das inebriantes “novas classes médias”.

4 Contudo, o mais importante a destacar é que na discussão sobre essa temática, realizada por Marx, em O Capital, a

preponderância da mais-valia relativa sobre a mais-valia absoluta é algo eminentemente dialético e contraditório, já que o autor não descarta a possibilidade da ocorrência de interações entre estas duas formas concomitantemente, ou até mesmo, do retorno da mais-valia absoluta, em condições qualitativamente avançadas.

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Por se tratar de um quadro de reprodução ampliada do capital, o alcance promovido pelo desenvolvimento das forças produtivas permitiu a simultaneidade das esferas de atuação do cidadão e do consumidor. O corolário da concertação política entre o Estado, os capitalistas e os trabalhadores contribuiu sobremaneira para que estes últimos pudessem ampliar o escopo das conquistas tolhidas pela burguesia ao longo do século XIX. Não obstante, o crescimento econômico elevado e as significativas melhorias no padrão de vida das massas trabalhadoras foram decisivos para que em algumas sociedades capitalistas o desemprego atingisse patamares residuais e os frutos dos expressivos ganhos de produtividade do trabalho pudessem não apenas ser incrementado aos salários, mas ainda estar atrelado a um conjunto de políticas públicas e sociais trazidas à baila pela institucionalidade do Estado de bem-estar social.

Entretanto, com a eclosão da crise ocorrida nos anos 1970, evidenciou-se o real esgotamento das condições societais que se colocavam até então. Nesse sentido, parece ter havido o surgimento de um novo quadro marcado por profundas transformações no padrão de acumulação capitalista. Harvey (1993) acredita que, desde a grande crise estrutural de 1973, passou a vigorar um novo padrão de acumulação de capital que reflete um conjunto significativo de transformações no plano político, econômico, cultural, social e ideológico. Em sua visão existe “algum tipo de relação necessária entre a ascensão de formas culturais pós-modernas, a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de compressão do tempo-espaço na organização do capitalismo”. E isto não deve ser confundido “como sinais de surgimento de alguma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial inteiramente nova” (HARVEY, 1993, p. 7).

Na realidade, o autor marxista entende que o atual padrão de acumulação de capital é uma resposta à crise de superacumulação inerente ao modo de produção de capitalista, que culmina na passagem – embora não necessariamente na superação – do modelo fordista-taylorista para um modelo de acumulação mais flexível, sustentado pela flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, cujo objetivo central reside na intensificação da exploração sobre a força de trabalho e no agravamento da precarização do trabalho (HARVEY, 1993).

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Dado se tratar de um processo que abrange as diversas esferas da vida social, alguns autores evidenciam transformações consideráveis nos mais distintos planos que compõem a totalidade societal do capital. Por exemplo, no plano cultural-ideológico verifica-se o predomínio dos valores do pós-modernismo, tais como, o relativismo, o individualismo e a crença no “fim das utopias”. No plano político, por sua vez, assistimos em muitos países a uma efusiva guinada à direita, nos marcos da hegemonia neoliberal, que expressa uma verdadeira restauração conversadora combativa ao comunismo e às organizações dos trabalhadores5 (ANDERSON, 1995). Não obstante, no plano econômico há uma radical reconfiguração do padrão de acumulação de capital fomentada pela vinculação da globalização da economia à financeirização do capitalismo, implicando na reformulação da política econômica, na alteração dos padrões de concorrência internacional (CHESNAIS, 1996; BRAGA, 1998) e no processo de reestruturação produtiva (ANTUNES, 2008). Já no plano social, o avanço do desmonte do Estado de bem-estar social, aliado às demais mudanças em curso, repercutiu em duras conseqüências ao mercado de trabalho, às relações de trabalho, aos processos de trabalho, à própria sociabilidade dos indivíduos e às condições de reprodução social da classe trabalhadora (CALVETE, 2006; DEDECCA, 1999; KREIN, 2007).

Muitas são as evidências, portanto, que atestam a caracterização de um quadro de transformações substantivas na totalidade das relações sociais das sociedades capitalistas, revelando um avigoramento das ações da classe capitalista no âmbito das correlações de força e um questionamento acerca das possibilidades das lutas de classes, haja vista o certo arrefecimento das lutas coletivas (políticas e sociais) de caráter mais combativo e até mesmo projetado contra o sistema de dominação capitalista (ANTUNES, 2008).

Destarte, todas essas modificações ocorridas nas sociedades capitalistas contemporâneas causaram impactos decisivos sobre o tempo de trabalho. De maneira geral, existem indicações que asseveram o estabelecimento, por parte da classe patronal, de mecanismos de pressão frente aos trabalhadores em relação ao modo como o tempo de trabalho se encontrava constituído até

5 Apesar das inúmeras tentativas, sobretudo na década de 2000, representadas por governos supostamente contrários

à ideologia neoliberal, pouquíssimas foram as experiências políticas que conseguiram efetivamente se contrapor a ela ou mesmo criar as condições de sua superação.

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fins da década de 1970, de sorte que aquele padrão de trabalho mais rígido, composto pela jornada de trabalho integral, será fortemente contestado.

Em face das novas condições premidas pela reprodução ampliada do capital - incessante ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas - as empresas mostraram-se capaz de impor aos trabalhadores o uso mais flexível de suas jornadas de trabalho, procurando consolidar uma flexibilização totalmente favorável aos seus interesses e aos seus desempenhos nos mercados. E assim o fizeram, valendo-se da conformação de jornadas de trabalho irregulares ao longo do ano (modulação da jornada de trabalho) e da criação de novos métodos organizacionais e inovações tecnológicas que culminaram na ampliação e na variabilidade do tempo em que o trabalhador dispõe à realização do trabalho. Nesse sentido, conforme já discutido na literatura, esse movimento de racionalização dos processos de produção e de trabalho consiste concretamente em uma estratégia empresarial global pautada na busca pela redução dos custos, pelo aumento da intensificação do ritmo de trabalho e do alcance de maior amplitude à realização do labor de acordo com a instabilidade de suas atividades econômicas6.

No período atual, parece haver por parte dos capitalistas uma ação articulada visando transformar paulatinamente aquela jornada de trabalho típica do modelo fordista-keynesiano em uma jornada muito mais adensada, mais fluida e mais flexível. Observa-se, sem embargo, uma forte tendência na perspectiva de flexibilização do uso do tempo dos trabalhadores em espaços mais alongados (no decorrer de um ano inteiro e nos finais de semana e feriados) que passa a oferecer amplas vantagens aos interesses do capital em contraposição aos interesses da classe trabalhadora. Sendo assim, devido a estas possibilidades abertas pela flexibilização, existe a indicação de que as alterações em relação ao tempo de trabalho podem ter acabado por tornar as suas três dimensões (duração, distribuição e intensidade) um tanto mais difusas, de modo que elas se encontram cada vez mais imbricadas, dificultando bastante a compreensão de seus comportamentos particulares. Se estas análises estiverem corretas, podemos argüir que estamos, hodiernamente, diante de uma realidade marcada por uma profunda mudança na maneira como a jornada de trabalho vem se configurando nos últimos quarenta anos7.

6 Conferir, por exemplo: CALVETE, 2006; DEDECCA, 1999, 2004, 2005, 2008; KREIN, 2007; CARDOSO, 2009. 7

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De fato, o que parece estar acontecendo com as três dimensões do tempo de trabalho no capitalismo contemporâneo, segundo sugere a literatura que versa sobre essa temática, bem como indica a base de dados disponibilizada pelos organismos internacionais, é a constituição de um movimento geral definido pela redução da jornada de trabalho efetiva, acompanhada por um processo de flexibilização e aumento da intensificação do tempo de trabalho.

No caso da duração do tempo de trabalho, o estudo realizado pela OIT por LEE & McCANN & MESSENGER (2009), sustenta a existência em todo o mundo de um padrão dominante que gira em torno do limite das 40 horas semanais, afirmando que apenas 22% dos trabalhadores, em média, estão laborando mais de 48 horas por semana. Ainda que se ressalte as importantes diferenças entre os países do globo, há uma forte evidência empírica que atesta o gradativo decrescimento das horas médias efetivamente trabalhadas8. Ou seja, tudo levaria a crer na existência de uma redução da jornada de trabalho efetiva de maneira generalizada em todos os países do mundo, a despeito das diferenças existentes entre eles (LEE & McCANN & MESSENGER, 2009). No entanto, é importante destacar que a medição das horas na sociedade contemporânea é alvo de estudos que partem de distintas metodologias e de variados critérios adotados (horas remuneradas, horas trabalhadas etc.) pelos meios oficiais e órgãos de pesquisas. Além disso, a questão fundamental reside em saber qual seria a definição mais adequada e consistente atualmente para a mensuração da duração do tempo de trabalho, sobretudo em face do processo de esmaecimento das linhas demarcatórias que dividem o que é o tempo de trabalho e o que é o tempo de não trabalho.

No que diz respeito à distribuição do tempo de trabalho na contemporaneidade, observa-se de modo mais consensualizado que a flexibilização da jornada de trabalho tornou-se um fenômeno comum em quase todas as nações. Aquele padrão de distribuição das jornadas de

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Por exemplo, com base em OIT (2011), podemos indicar que nos países centrais o patamar da jornada média anual no início dos anos 1980 já era menor do que 2000 horas/ano; nos anos 1990 ela passa a se situar próxima a 1900 horas/ano, mantendo essa tendência ao longo dos anos 2000 e, finalmente no ano de 2010 ela atinge um nível médio inferior a 1800 horas/ano. A exceção fica para com algumas nações asiáticas (Coréia e Japão) e, apenas nas últimas duas décadas, à Grécia. Já no caso dos países latino-americanos, nos anos 1980 quase todos perseguiam jornadas anuais médias maiores de 2000 horas/ano; nos anos 1990 ela cai para um patamar um pouco menor do que 2000 horas/ano e na década de 2000-2010 ela continua com seu movimento de queda, situando-se mais abaixo das 2000 horas/ano (exceções feitas à Argentina e ao Chile que assistiram a aumentos graduais acima das 2000 horas/ano na referida década).

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trabalho em um regime mais rígido fora cedendo espaço à introdução de inúmeros mecanismos, tais como, o sistema de compensação de horas (conhecido por modulação anual), a liberação do trabalho aos domingos e feriados, o avanço dos trabalhos em tempo parcial ou por tempo determinado e, ainda, o uso de distintas formas de turnos de revezamento e de escalas de trabalho, que acabaram por transformar o tempo de trabalho em algo cada vez mais flexível aos interesses das empresas. No afã de ajustar o uso das horas trabalhadas de maneira mais adequada às suas necessidades e à nova realidade da reprodução ampliada do capital, as empresas foram conformando jornadas de trabalho irregulares ao longo do ano, remunerando os trabalhadores apenas nos casos em que se verifica efetivamente o labor. Além disso, criaram novos métodos de organização dos processos de produção e de trabalho e utilizaram as inovações tecnológicas com o intuito de manterem os trabalhadores à disposição da empresa em qualquer hora do dia e em qualquer dia da semana e do ano, implicando na ampliação e na alta variabilidade do tempo em que os empregados realizam os seus respectivos trabalhos9. Parece não restar dúvida, portanto, que a flexibilização da distribuição das horas trabalhadas se trata de um processo bastante expressivo no mundo contemporâneo, com consequências danosas para a classe trabalhadora, como demonstrado na literatura10.

Finalmente, no que tange à dimensão da intensidade do tempo de trabalho, apesar da baixa incidência de pesquisas e de discussão sobre essa temática, existe o reconhecimento, por parte de alguns analistas, de que no cenário hodierno os capitalistas vêm conseguindo imprimir um processo muito mais sofisticado de controle da jornada de trabalho dos trabalhadores. Para um dos maiores estudiosos do assunto, é possível admitir que esteja em curso um movimento de maior intensificação do ritmo de trabalho, identificado, sobretudo, a partir das novas exigências laborais inerentes às distintas formas de organização do trabalho, voltadas ao alcance de resultados quantitativamente e qualitativamente superiores (DAL ROSSO, 2008).

9 Segundo LEE & McCANN & MESSENGER (2009), é crescente em vários países do mundo o surgimento de

diversos turnos de revezamento ou escala, sobretudo no período noturno, a ocorrência de trabalhos nos finais de semana e especialmente os trabalhos a tempo parcial. Esta seria uma realidade muito comum nos países centrais hoje. Naqueles outros considerados periféricos, embora a tendência da flexibilização seja também consistente, algumas peculiaridades como, por exemplo, a alta informalidade, os baixos salários e o recurso abusivo às horas extraordinárias indicam que as características encontradas nos países centrais se expressam em menor grau ou de modo mais precário nas nações periféricas.

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Dessa maneira, o trabalho contemporâneo estaria caracterizado pela imposição aos trabalhadores de maior velocidade, agilidade, ritmo, polivalência, versatilidade, flexibilidade, acúmulo de tarefas e busca incessante por mais resultados. Segundo o pesquisador, parece estar havendo nas sociedades contemporâneas, relacionado às inúmeras transformações ocorridas no capitalismo nas últimas décadas, o surgimento de um padrão mais intensivo de utilização capitalista das horas trabalhadas. Observa-se, ademais, a ocorrência de variados padrões de intensidade conforme a multiplicidade dos contextos sociais, especialmente das peculiaridades dos setores e das atividades econômicas de cada país ou região (DAL ROSSO, 2008).

Conseqüente a todas essas mudanças emergidas nas últimas décadas, o debate acerca da duração, da distribuição e da intensidade do tempo de trabalho situa-se em um quadro muito mais complexo, revelando uma capacidade inequívoca das empresas no sentido de reforçarem e/ou criarem outras formas mais consistentes de intensificação do ritmo de trabalho e de aumento do controle sobre a jornada de trabalho. Entretanto, do ponto de vista da luta de classes, nesse contexto de desemprego estrutural e de precarização das condições de trabalho, a ação da classe trabalhadora em todo mundo continua pautada na busca por reduzir a jornada de trabalho, ainda que às custas de sua flexibilização e intensificação e, no mais das vezes, do rebaixamento salarial, com o propósito de manter ou até mesmo de criar novos postos de trabalho (CALVETE, 2006). Registre-se, sem embargo, a baixa e insuficiente contestação das organizações dos trabalhadores em relação tanto ao conjunto das dimensões que integram o tempo de trabalho quanto da sua própria noção dominante no capitalismo contemporâneo (CARDOSO, 2009).

Essas seriam, em geral, as tendências ocorridas em vários países do globo. Por sua vez, em se tratando do caso brasileiro, é necessário ressaltar inicialmente que o tempo de trabalho fora desde sempre marcado por alguns traços particulares que o situam até hoje dentre as nações que apresentam um patamar de jornada de trabalho das mais extensas do mundo. No plano histórico, o padrão de horas trabalhadas exigido para o conjunto da classe trabalhadora estruturou-se, radicalmente, na existência de elevadas, flexíveis e intensas jornadas de trabalho (DAL ROSSO, 1996; 2006).

Segundo Dal Rosso (2006), o regime da carga horária constituída ao longo do processo de formação da sociedade capitalista no Brasil é distinguido por dois padrões históricos importantes.

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O primeiro padrão de tempo de trabalho do país, demarcado no ínterim da abolição da escravidão em 1888 até 1930, caracterizou-se, de maneira geral, pelas longas e extenuantes jornadas de trabalho, definidas exclusivamente a partir do poder discricionário da classe patronal emergente. Em seguida, entre as décadas de 1930 e 1980, o segundo padrão de tempo de trabalho tornou-se regulamentado.

Do ponto de vista da duração do trabalho, tal padrão - até a implantação do direito às férias - alcançou um patamar de mais de 2.400 horas anuais. Mas como era costume a realização de horas extras, a extensão das horas trabalhadas anualmente situava-se assim entre 2.400 e 3.000 horas. Com a garantia do estatuto das férias, além de outras medidas, este patamar chegou próximo a 2.000 horas anuais, evidenciando uma redução da jornada de trabalho inexpressiva, se comparado ao movimento que ocorreu nos países capitalistas avançados.

Na realidade, o Censo Demográfico de 1970 apontou que 31,4% da PEA faziam horas extraordinárias habitualmente. No Censo de 1980, com a inclusão na pesquisa de todas as pessoas economicamente ativas, a proporção daqueles que cumpriam horas extras alcançou 28,5%. Finalmente, o Censo de 1991, indicou que 40% da PEA trabalhavam além da jornada legal, mesmo com a promulgação, em 1988, da redução da jornada de trabalho de 48 horas semanais para 44 horas semanais. Do total, 42,8% dos homens e 27,7% das mulheres cumpriam jornadas que excediam às 44 horas semanais (DAL ROSSO, 2006).

Por sua vez, dentre a categoria empregado com carteira, mais de 40% dos homens e perto de 30% das mulheres trabalhavam acima da jornada legal, até o final da década de 1980. E dentre a categoria conta própria ocorreu um aumento significativo em ambos os sexos. Na comparação entre os Censos de 1980 e 1991, verificou-se um aumento de 12 p.p., no caso dos homens e de 9 p.p., no caso das mulheres, sendo que perto da metade dos homens e quase 1/3 das mulheres realizavam horas extras (DAL ROSSO, 2006).

Não obstante, nas atividades não agrícolas, para os homens se observava um elevado percentual de horas extras, especialmente nos seguintes setores: prestação de serviços (59,6%), transporte e comunicação (57,12%), comércio de mercadorias (54,91%), indústria da construção (51,6%) e indústria da transformação (42,55%); e, para mulheres: prestação de serviços

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(43,05%), comércio de mercadorias (37,12%), indústria da transformação (28,07%), transporte e comunicação (23,7%) e indústria da construção (13,08%). Certamente, conforme avaliado por Dal Rosso (2006) esses cinco ramos de atividade compuseram o núcleo duro do trabalho extraordinário, destacando-se o fato de que três deles especificamente se tratam de serviços (transporte e comunicação, prestação de serviços e comércio de mercadorias). Em paralelo, nas atividades agrícolas, segundo o Censo de 1991, 48,8% dos homens e 29,3% realizavam horas extras (DAL ROSSO, 2006).

Por fim, dentre as ocupações majoritariamente de serviços (vendedores em lojas, motoristas, empregados domésticos não especializados, cozinheiros e serventes) o exercício da sobrejornada tornava-se comum: 35% (cozinheiras), no mínimo, e 55% (motoristas), no máximo, trabalham acima de 44 horas semanais. Mas também tanto as ocupações agrícolas (45% dos homens e 37% das mulheres), quanto os 41% dos mecânicos (indústria da transformação) e 45% dos pedreiros (indústria da construção) realizam sobrejornadas (DAL ROSSO, 2006).

Em relação à distribuição do tempo de trabalho, verifica-se o predomínio do trabalho em tempo integral ou jornada plena. Embora coexistissem demais práticas de trabalho com certos graus de variabilidade, como por exemplo, o trabalho agrícola e algumas atividades urbanas (prestadores de serviços, vendedores ambulantes, diaristas, dentre outras), a consolidação das empresas capitalistas industriais, comerciais, bancárias, de construção civil e de outros ramos de atividades, inerente ao processo de industrialização em curso no país, culminou na uniformização do trabalho em tempo integral. Aos poucos, os trabalhadores foram se adequando às regularidades do cumprimento de horas semanais contínuas e rígidas, definidas segundo os interesses da classe patronal e legitimada pela ação do Estado, chegando a consolidar-se enquanto um padrão habitual para partes expressivas da classe trabalhadora (DAL ROSSO, 2006).

Além disso, salienta-se ainda as amplas possibilidades de flexibilização das jornadas de trabalho encontradas no país, seja no âmbito da regulação social, seja nos acordos e convenções

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coletivas, seja também através do simples descumprimento da legislação11; algo que até mesmo a Constituição Federal de 198812 não foi capaz de dirimir.

Finalmente, no que diz respeito à dimensão da intensidade do trabalho, Dal Rosso (2006) enaltece dois movimentos históricos. Inicialmente, entre os estertores do século XIX e meados do século XX, os primeiros passos rumo ao processo de industrialização são marcados pelas tentativas de se introduzir as formas de administração da força de trabalho e da racionalização de seu uso apoiadas nas normatizações internas estabelecidas pelas próprias empresas. Nesse contexto, evidencia-se uma grande disputa na relação capital-trabalho em torno da estipulação e do controle sobre os ritmos de trabalhos determinantes.

11 Através da regulamentação do tempo de trabalho no Brasil foi possível estabelecer certos limites ao poder

discricionário patronal. No entanto, conforme prescrevia a própria legislação trabalhista, as empresas sempre puderam contar com a adoção de mecanismos de flexibilização que decerto dificultavam o processo de reversão das longas jornadas trabalhadas. Segundo o estudo amplo e sistemático realizado por Ferreira (2004), verifica-se na legislação consolidada em 1943 a permanência de vários pontos de flexibilidade existentes desde o surgimento da regulação pública da jornada de trabalho. Por exemplo, “a) o sistema de compensação de horas na semana, e o de elevação da jornada diária em até duas horas, sem limitação de dias por ano trabalhado, mediante acordo direto entre empregados e empregadores ou convenção coletiva de trabalho, sem majoração salarial para o primeiro caso e com o pagamento de adicional para o segundo, continuou a existir; b) continuou presente a possibilidade de elevação da jornada diária além daquela legal ou convencionada, independentemente de acordo ou convenção coletiva de trabalho, para atender a necessidade imperiosa, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto, na primeira hipótese com pagamento não inferior ao da hora normal e, na segunda, com o acréscimo de 25% sobre a hora normal, embora com algumas restrições; c) embora silente a legislação, o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento continuou a ser permitido sem qualquer ônus adicional para os empregadores; d) o intervalo para descanso e refeição continuou a ser majorado mediante acordo direto entre empregado e empregador ou convenção coletiva de trabalho, passando a poder ser reduzido por ato do ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, observadas algumas condições (art. 71, § 3º); e) continuou a ser facultado o trabalho aos domingos, mediante prévia autorização da autoridade competente em matéria de trabalho; f) a hora noturna voltou a ser considerada como de 52’30” e o período noturno voltou a ser considerado como sendo de 22 horas de um dia a 5 horas do dia seguinte (art. 71, §§ 2º e 3º); g) a comunicação de concessão de férias pelo empregador, de forma escrita e prévia, passa a necessitar de 30 dias, com parcelamento de no máximo dois períodos, facultado apenas para casos excepcionais e com duração mínima de dez dias para o período menor, vedado tal parcelamento aos menores de 18 anos e aos maiores de 50; h) foram mantidas penalidades administrativas para o descumprimento da legislação, porém com procedimentos demorados e ineficazes, na prática” (Ferreira, 2004, p. 115-116).

12 Dentre as mais comuns – e que a Carta Magna não suprimiu – destacam-se: a combinação da redução da jornada

com a redução salarial, através de negociação coletiva; a irrestrita facilidade de demissão; a negociação de turnos ininterruptos de revezamento, a utilização das horas extraordinárias e, finalmente, a concessão de férias coletivas (CARDOSO, 2009). Na mesma direção, Ferreira (2004) aponta que, embora seja necessário reconhecer os avanços advindos da Constituição da República de 1988, muitos destes “foram praticamente neutralizados pela legislação infraconstitucional da mesma década e por parte de uma jurisprudência conservadora que se formou a partir de disputas judiciais entre empregadores e empregados” (Ferreira, 2004, p. 194).

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Num segundo momento, a partir de 1930, sobretudo com a criação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), a situação passa a se colocar nos embates incessantes travados entre os interesses dos capitalistas e do Estado13 em incorporar e/ou adequar as práticas tayloristas-fordistas - já amplamente difundidas em boa parte do mundo capitalista ocidental – e a capacidade de resistência da classe trabalhadora, premida pela compulsoriedade e pela rigidez do trabalho, especialmente o industrial.

Sem embargo, embora o autor reconheça que a ausência de estudos sistemáticos dificulte a realização de uma avaliação mais segura acerca do movimento da intensificação do tempo de trabalho na sociedade brasileira, é legítimo supor que, no padrão histórico de longas e flexíveis jornadas de trabalho constituída no país, os trabalhadores certamente foram marcados por um processo expressivo de intensidade do labor: o permanente excesso de trabalho, os níveis execráveis de acidentes e lesões, os baixos salários e as péssimas condições de trabalho para a grande maioria dos trabalhadores dão indicações inequívocas do nível degradante de intensificação que demarcou a reprodução social da classe trabalhadora do país.

Em grande medida, esse era o quadro caracterizado pelo tempo de trabalho no Brasil até o final da década de 1980. Sendo assim, levando em consideração esses elementos históricos, é importante ressaltar que o objetivo adotado nesse trabalho será o de analisar o movimento que vem tomando o tempo de trabalho no país, ao longo das duas últimas décadas, com o foco especialmente no que diz respeito à duração do trabalho.

Diante desse objetivo, em termos metodológicos, sabemos que no Brasil os estudos já realizados sobre o tema do tempo de trabalho caracterizam-se tradicionalmente por uma abordagem teórica sistêmica, voltada fundamentalmente para a análise das mudanças ocorridas a partir da política econômica e de seus impactos no mercado de trabalho e nas negociações coletivas. Nesse sentido, será adotada por nós uma abordagem que, embora explore esse conteúdo pesquisado, procurará destacar ainda as implicações que o tempo de trabalho incute do ponto de vista das disputas em torno do estabelecimento de seus limites, revelando-se enquanto

13 O IDORT tornou-se a principal instituição responsável pelo estudo e pela viabilidade dos mecanismos da

administração científica dos processos de trabalho no país, em princípio atuando somente na esfera da iniciativa privada e em seguida fazendo parte dos setores governamentais (DAL ROSSO, 2006).

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um campo de grande embate na correlação de forças entre o capital e o trabalho e que em cada conjuntura política, social e econômica adquire um padrão de conformação distinto.

Desta forma, no que tange aos procedimentos metodológicos, destacaremos a maneira com que, em cada conjuntura específica da realidade brasileira inscrita nas duas últimas décadas, a política econômica, o papel do Estado e a atuação das classes capitalista e trabalhadora impactaram as relações e o mercado de trabalho e forjaram determinados padrões de tempo de trabalho no país. Daremos relevo às alterações legais promovidas pelo Estado, às mudanças no teor das negociações coletivas; às ações estratégicas utilizadas pelos capitalistas e à capacidade de respostas e de ação da classe trabalhadora organizada, principalmente de uma das maiores Centrais sindicais do país.

Para apreendermos as transformações ocorridas na dimensão da duração das horas trabalhadas usaremos como referência a base de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) relativa aos anos de 1990-2009. Já em relação às outras duas dimensões (distribuição e intensidade) ressaltaremos algumas evidências encontradas na literatura que versaram sobre o avanço da flexibilização e da intensificação do labor na sociedade brasileira. Contudo, o mais importante para nós será procurar adotar uma perspectiva que privilegia a natureza das disputas inscritas na luta pelo estabelecimento do tempo de trabalho na sociedade brasileira, posto que, a partir dela podemos identificar não apenas os limites alcançados pela luta de classes como ainda a forma com que as horas executadas pelos trabalhadores vão conformando determinados padrões de tempo de trabalho ao sabor das correlações de força propiciadas em cada conjuntura.

Sendo assim, verificamos que nos anos 1990 o tempo de trabalho sofreu um processo de alongamento, de exacerbação de sua flexibilização e de ampliação da intensificação do ritmo de trabalho. No quadro de consolidação do neoliberalismo no país esse movimento refere-se, sem embargo, a uma das tendências constituídas pelo modo hegemônico com que a flexibilização das relações de trabalho se deu no Brasil. Além do surgimento de algumas mudanças legislativas e somadas as já insistentes características estruturais do mercado e das relações de trabalho brasileiro - expressas no uso abusivo das horas extras, nos baixos salários, na alta rotatividade e informalidade - novos elementos são trazidos à baila, como por exemplo, o banco de horas, o

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trabalho aos domingos e a jornada parcial, que se aliam à terceirização, ao just in time, à polivalência e à PLR, adotadas no bojo do processo de reestruturação produtiva (KREIN, 2007; CALVETE, 2006; CARDOSO, 2009). De fato, por trás de todo o discurso em prol da “modernização” das relações de trabalho, a classe patronal brasileira, sob o apoio dos governos vigentes, conseguiu adaptar as condições e os elementos centrais do trabalho ao atual padrão de acumulação flexível do capital.

Entretanto, a partir da ascensão de Lula ao poder, o cenário vivenciado pela sociedade brasileira sofreu algumas modificações importantes que rumaram, em certa medida, no sentido contrário àquele verificado no período anterior. Nesse quadro pouco mais favorável ao mercado de trabalho e à ação sindical, as disputas em torno do tempo de trabalho foram forjando um novo padrão de horas trabalhadas no país, tendo como marco o ano de 2007, em que, pela primeira vez, foi possível observar o maior percentual relativo dos trabalhadores ocupados laborando jornadas de trabalho padronizadas com o ordenamento legal, delineada pelo limite entre as 40 e 44 horas semanais. Vale destacar que esse movimento ocorreu de maneira generalizada, alcançando todos os setores, posições e ocupações, inclusive quando se trata do trabalhador autônomo, que também reduziu seu tempo de trabalho. Na realidade, o novo padrão representa um marco na história do tempo de trabalho no Brasil, mas que exige certa cautela em sua análise, uma vez que continuaram a se ampliar os mecanismos de flexibilização e intensificação utilizados pelas empresas, conforme indicam a literatura14.

Se, por um lado, a conformação de uma conjuntura econômica, política e social mais favorável no país, especialmente a partir de 2004, possibilitou, ademais, o lançamento de uma Campanha Nacional sobre a redução da jornada de trabalho, por outro lado, existem evidências de que as tendências verificadas ao longo dos anos 1990 não foram dirimidas e o movimento sindical encontrou muita dificuldade de inserir na agenda de negociação temas relacionados às mudanças tecnológicas e organizacionais (CARDOSO, 2009). Apesar do certo reconhecimento do conjunto de mobilizações dos trabalhadores desencadeados no processo de aparente redução

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da jornada de trabalho entre 2004-2009, poucas foram as conquistas em relação à flexibilização e intensidade do tempo de trabalho15.

Dessa maneira, a presente dissertação está dividida em duas partes. O capítulo 1 busca discutir as mudanças que estão ocorrendo na sociedade brasileira em relação ao tempo de trabalho ao longo dos anos 1990. Este capítulo nos permite avaliar inicialmente o contexto político e socioeconômico conformado na década de 1990, a partir dos dois governos de FHC. Desde então, destacaremos as principais alterações ocorridas na configuração do padrão histórico do tempo de trabalho (sobretudo no que tange a duração do trabalho) e nas lutas dos próprios trabalhadores sobre essa questão.

O capítulo 2, por sua vez, procede com uma análise do comportamento do tempo de trabalho no contexto dos anos 2000, marcado por uma conjuntura de maior crescimento econômico e de tentativa de retomada da ação sindical no país. A princípio, daremos ênfase ao quadro mais geral expressado por algumas mudanças na política econômica dos governos Lula e seus impactos ao mercado de trabalho. Em seguida, apresentaremos uma análise sobre o comportamento do tempo de trabalho, especialmente entre 2004-2009, que se refletiu inclusive de maneira contraditória na disputa em torno dos limites das horas trabalhadas. Novamente, nosso foco maior será dado a respeito da evolução da duração da jornada de trabalho, ainda que a abordagem da flexibilização e da intensidade do trabalho apareceram de certa forma referendada.

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