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3. O TEMPO COMO CATEGORIA ESTÉTICA E POLÍTICA

3.5 O tempo e a arte visual contemporânea

O estudo da maneira pela qual as artes visuais articulam a dimensão temporal aponta para uma percepção diferenciada, que inclui o compartilhamento de contexto e de concepção de mundo e tempo. Assim, faremos o estudo de alguns elementos presentes na arte pública da contemporaneidade que evidenciam uma conexão entre a dimensão temporal e uma estética relacional, pois o estudo de uma possível ênfase dada à dimensão temporal pelas artes visuais contemporâneas em suas expressões terá como referência as noções de estética relacional de Nicolas Bourriaud.

Bourriaud é curador, ensaísta e crítico de arte, tendo também dirigido revistas especializadas e o Palais de Tokyo em Paris. Sua atuação versátil abrange uma produção teórica da qual destacamos o texto Estética relacional. A partir deste contexto, o autor desenvolveu conceitos que são encarados por ele como ferramentas teóricas contra os equívocos que envolvem a arte na contemporaneidade. Seu conceito de estética relacional indica a superação de aspectos duais da arte, como artista-produtor e público-espectador. A estética relacional expressa uma forma de arte “cujo substrato é dado pela intersubjetividade e tem como tema central o estar-juntos”. (BOURRIAUD, 2009, p.20). Conforme visto antes, Hannah Arendt considera que o estar entre homens é próprio da experiência política:

As obras já não perseguem a meta de formar realidades imaginárias ou utópicas, mas procuram constituir modos de existência ou modelos de ação dentro da realidade existente, qualquer que seja a escala escolhida pelo artista. (BOURRIAUD, 2009, p.18).

Porém, embora tenham ocorrido grandes mudanças no universo da arte visual, para o autor, ela sempre foi relacional. Bourriaud considera que a imagem tem a capacidade de gerar empatia. Assim, mais que outras formas de arte e de comunicação como, por exemplo, a televisão, que apresenta imagens unívocas a grupos de espectadores, a arte visual promove uma construção coletiva de sentidos. Nicolas Bourriaud afirma que a natureza de uma exposição de Arte Contemporânea, mais especificamente, cria espaços livres, gera tempos diferentes daqueles que são própios da vida cotidiana, favorece formas

diferentes de interação. E, para o autor, isto ocorre porque “a obra de arte representa um interstício social" .(BOURRIAUD, 2009, p.22). Ele vai buscar o termo “interstício” em Karl Marx, que originalmente designava comunidades de troca desvinculadas da economia capitalista. Esta forma de relação comunitária lembra ao autor a obra de arte que, assim, cria um espaço de relações humanas. E quando a arte põe em questão a esfera das relações, sua proposta alcança a ordem do político.

Nicolas Bourriaud constata que a Arte Contemporânea representa uma inversão de objetivos estéticos. E este quadro tem relação com a forma como uma cultura urbana se estruturou mundialmente. Dentre as questões urbanas, temos o redimensionamento do espaço pois, a partir do desenvolvimento dos centros urbanos, os espaços habitáveis se estreitam e a escala dos objetos se reduz na arte. O autor observa que, por muito tempo, a obra de arte ostentou um ar de luxo. Mas o contexto das cidades modificou esta realidade, o que resultou em uma mudança de função e apresentação. Para Bourriaud, é a forma aristocrática de ver a obra de arte que está desaparecendo:

Em outros termos, já não se pode considerar a obra contemporânea como um espaço a ser percorrido (a “volta pela casa” é semelhante a do colecionador). Agora ela se apresenta como uma duração a ser experimentada, como uma abertura para a discussão ilimitada. A cidade permitiu e generalizou a experiência da proximidade: ela é o símbolo tangível e o quadro histórico do estado de sociedade, esse “estado de encontro fortuito imposto aos homens”, na expressão de Althusser, em oposição àquela selva densa e “sem história” do estado de natureza na concepção de Jean-Jacques Rousseau, selva que impedia qualquer encontro fortuito mais duradouro.( (BOURRIAUD, 2009, p.20-21).

Com relação à imagem, o autor destaca a sua referência ao culto que remete à presença divina, bem como a invenção da perspectiva centralizadora no Renascimento, que reforça o valor simbólico do olhar. Ele observa que, a Arte Moderna rompeu com este modelo, porém, de qualquer forma, Bourriaud lembra que em uma representação, temos um momento fixo que remete a um ponto no espaço e a outro em um tempo determinado. Ele se pergunta então que proximidade esta imagem pode ter com a vida. O autor constata que a realidade é o que pode ser comentado com outros e se, na arte, o sentido se dá na interação entre artista e espectador, com a desmaterialização do objeto artístico, o artista lida com formas cada vez mais tênues. Assim, na Arte Contemporânea, o público escasso é incluído no próprio processo de produção do artista e a constituição

de sentidos na obra se mantém pelo movimento dos signos que o artista emite, bem como pela interação dos indivíduos no espaço expositivo. Para Nicolas Bourriaud, estas práticas relacionais possuem um valor formal que é político: “a transposição dos espaços construídos ou representados pelo artista para a experiência vivida, a projeção do simbólico no real”. (BOURRIAUD, 2009, p.115). Assim, este teor político da Arte Contemporânea não está em uma proposta sociológica ou panfletária:

Pois essas iniciativas não provêm de uma ‘arte social’ ou sociológica: elas visam à construção formal de espaços-tempos que não

representariam a alienação, não transporiam a divisão do trabalho para as formas. (BOURRIAUD, 2009, p.115-116).

Nicolas Bourriaud afirma que as imagens em vídeo alcançaram a manipulação de imagens artísticas. Mas as novas abordagens operadas pelos vídeos domésticos levaram a uma outra percepção temporal das obras de arte. O registro em vídeo de experiências artísticas oportunizaram uma outra forma de lidar com a efemeridade do cotidiano. Como observado a partir de Deleuze, a imagem de uma filmagem é o que vemos e também o seu duplo. Neste jogo, para usar a terminologia deleuziana, as imagens-movimento se sucedem no espaço e a imagem-tempo indica o todo temporal, envolvendo o sensível e o imaginado ou lembrado.