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No limiar deste novo século e milênio, o panorama político institucional é de novo de grandes transformações e instabilidade, como observa Miranda. Desapareceram ou entraram em colapso, na sua maior parte, os regimes totalitários312 e

311

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 220.

312

Sobre Totalitarismo e Autoritarismo, ver: ORR, Robert. Reflexões sobre o Totalitarismo. In: CRESPIGNY, Anthony de; CRONIN, Jeremy (Eds.). Ideologias políticas. Trad. Sérgio Duarte. 2. ed.

autoritários313, mas, em contrapartida, irrompeu um regime de outro tipo, diverso do modelo de Estado europeu – o Estado de fundamentalismo islâmico (desde 1979), no qual se fundem lei religiosa e civil, poder espiritual e temporal. De outro lado, no Estado social de Direito, a grave crise do chamado Estado-Providência derivada tanto de causas ideológicas314 quanto financeiras315, administrativas316 e comerciais317.318

Brasília: UnB, 1999, p. 116-126. Título original: Ideologies of politics; LINZ, Juan. “Um regime autoritário; Espanha”. In: CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, C.E. Política e Sociedade. São Paulo: Nacional, 1979; O’DONELL, Guillermo. Contrapontos. Autoritarismo e Democratização. São Paulo: Vértice, 1986; MAGRIDIS, Roy C. Ideologias políticas contemporâneas. Brasília: UnB, 1982; LEFORT, Claude. A invenção Democrática: os limites do totalitarismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987. Sobre a ideologia do Totalitarismo, elucida Wolkmer: “Deve-se ter presente que, após a 2ª Grande Guerra, ocorreu um notável avanço da ciência política, primordialmente no que tange aos estudos de sistemas políticos comparados. Pode-se visualizar um quadro conceitual que busca definir, nos parâmetros de uma macroanálise, a especificidade de sistemas políticos democráticos, totalitários e autoritários. O Autoritarismo, uma certa vertente atenuada do Totalitarismo, peculiar aos sistemas políticos do Terceiro Mundo, tem sido examinado consistentemente por autores como Juan Linz e Guillermo O’Donnell. Os regimes autoritários são caracterizados por Juan Linz como ‘sistemas políticos com um pluralismo político limitado e não responsável; sem uma ideologia elaborada; sem mobilização política intensiva; e nos quais um líder exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas realmente bem previsíveis’ Deduz-se assim que, ao contrário do Autoritarismo, o Totalitarismo tem objetivos e alcances bem mais amplos e abrangentes, inclusive na formalização totalizadora de uma ideologia oficial. Como se vê, apesar de algumas semelhanças superficiais, há que se fazer, como sustenta Roy C. Magridis, uma distinção entre regimes autoritários e os totalitários:

‘Os sistemas totalitários dão importância à mobilização e à participação dos cidadãos; os sistemas autoritários tentam manter o cidadão em um estado de obediência passiva. Os governantes autoritários ficam satisfeitos quando os cidadãos permanecem apáticos e não se opõem ao governo. Já a ideologia política oficial nos sistemas totalitários é ‘total’ – afeta todos os aspectos da vida social, econômica, política, religiosa, familiar etc. O objetivo é criar ‘novos’ homens e mulheres. Os sistemas autoritários, por outro lado, não possuem tal ideologia globalizante; eles se satisfazem não interferindo nos grupos sociais – sejam a igreja, a família, grupos econômicos, esportivos, ou atividades individuais e culturais.

‘Em sistemas totalitários, o partido único é o instrumento de controle e de mudança mais dinâmico; em sistemas autoritários com um único partido este tem bem menos poder e não é importante como instrumento de controle e de governo. O partido se subordina ao governo e aos grupos socioeconômicos poderosos.

‘(...) O alcance e o controle dos sistemas totalitários é mais amplo e mais firme; o dos sistemas autoritários é mais restrito e relativamente fraco. Os objetivos dos regimes totalitários são amplos; os dos sistemas autoritários são específicos’” (Wolkmer, ibidem, p. 140-141).

313

Jorge Miranda chama a atenção para o desaparecimento dos regimes matrizes, tais como: o fascismo italiano (1943); o nacional-socialismo alemão (1945); o marxismo-leninismo soviético (1985-1991); assim como os regimes aparentados (1945) e comunistas da Europa centro-oriental (1989-1990); os regimes autoritários português, grego e espanhol (anos 70); as ditaduras militares latino-americanas (anos 80) e os regimes africanos de partido único (anos 90) (MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado. Ibidem, p. 54).

314

Decorrentes do “refluxo das idéias socialistas ou socializantes perante idéias neoliberais” (p. 54).

315

“Os custos insuportáveis de serviços cada vez mais extensos para populações activas cada vez menos vastas” (p. 54).

316

“O peso de uma burocracia, não raro acompanhada de corrupção” (p. 54).

317

Além de todas essas vicissitudes, somam-se a degradação da natureza e do meio ambiente, as desigualdades econômicas entre países industrializados e não- industrializados, a exclusão social mesmo nos países ricos, a manipulação das comunicações, a cultura consumista de massas, a erosão de valores éticos familiares e políticos.319

A crise do Welfare State, ou do Estado-Providência, pode ser entendida, consoante Regonini, como um processo de “socialização do estado”. O Estado assistencial teria difundido uma ideologia igualitária que tende a deslegitimar a autoridade política:

A disposição do estado a intervir nas relações sociais provoca um enorme aumento de solicitações dirigidas às instituições políticas, determinando a sua paralisia pela sobrecarga da procura; a competição entre organizações políticas leva à impossibilidade de selecionar e de aglutinar os interesses, causando a total permeabilidade das instituições às demandas mais fragmentadas. O peso assumido pela administração na mediação dos conflitos provoca a burocratização da vida política que, por sua vez, leva à ‘dissolução do consenso’. [...] torna-se claro que as possibilidades de saída da crise ficam entregues à capacidade de resistência das instituições, à sua autonomia em face das pressões de grupos sociais numa perpétua atitude reivindicativa.

Conclui a autora:

[...] o desenvolvimento e consolidação do estado assistencial nos últimos cem anos constituem um processo tão profundo, distanciam tanto essa instituição das que a precederam que tornaram amplamente inadequado o esquema conceptual elaborado pelas teorias clássicas para definir o estado e as suas funções.320

Além disso, no plano externo verifica-se intensamente a relativização do conceito de soberania nacional, pelo fenômeno da globalização, com a formação de blocos econômicos continentais e regionais, subvertendo as regras do direito político, da economia e das relações internacionais.

Essas transformações substanciais visualizadas no fenômeno da globalização321, na crise do Estado Contemporâneo, permitem detectar uma nova era,

protecção social” (p. 54).

318

MIRANDA, Jorge. Ibidem, p. 54.

319

Idem, ibidem, p. 55.

320

REGONINI, Glória. Op. cit., p. 419.

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um traspasse da Modernidade, para alguns definido como pós-modernidade e para outros ainda, transmodernidade.

Neste momento histórico de intensas e radicais transformações no plano político, social e econômico, em nível global e no plano interno, como visualizar este Estado pensado e concretizado pela modernidade? Afinal, o que remanesce dele?

Guéhenno dá algumas pistas deste Estado emergente desses tempos contemporâneos e do futuro que se desenha no horizonte para a humanidade. Verifica que muitos países já estão deixando de manter a ficção de unidade de representação moral do Estado, já que suas funções passaram a ser distribuídas entre inúmeras agências executivas. E sublinha:

O Estado não é mais o mediador comprometido entre o “interesse geral” e as administrações particulares. Torna-se uma soma de agências especializadas gerindo mais os interesses públicos do que um hipotético interesse geral. Sua legitimidade passa a depender menos da fidelidade à vontade geral popular do que de sua capacidade de mobilizar de forma útil os saberes especializados. Sua unidade não repousa nem na tirania tecnocrática do saber centralizado, que imporia a todos sua lei, nem na vontade geral de uma comunidade política – cuja evidência seria imposta a todos. O Estado não é mais o ponto de passagem obrigatório entre o particular e o geral, entre o interesse público e o particular. Sua permanência também está sendo repensada, à medida que se modificam as fronteiras entre os atores públicos e os atores privados, e que os atores privados se transformam em portadores e gestores dos interesses públicos. A política se privatiza, e as atividades privadas adquirem um significado político. Em meio à desintermediação política, o Estado não é mais o ponto central em torno do qual se organiza uma comunidade política. Ainda é um ator importante, mas deve, a cada dia, humildemente, justificar sua utilidade junto dos outros atores, que lhe fazem concorrência.322

de estandardização da cultura a nível mundial. Só que isso ocorre segundo os padrões e critérios de quem detém a maior parcela de poder na sociedade pelo domínio da informação, da ciência e da tecnologia; e um tal poder hoje transcende a nação e o Estado, projetando-se como poder mundial, não somente militar e econômico, mas científico, cultural e ideológico. Ou seja, o poder está como nunca jamais se vislumbrou nas mãos de quem domina o saber, que hoje se identifica com o crescente domínio da tecnologia e da informação. E o resultado desse processo, o fruto mais evidente e provavelmente mais nefasto da globalização é, como igualmente jamais se anteviu, a unidimensionalização do ser humano, traduzida na conformização com padrões heterônomos que tratam de amoldar não somente seu comportamento exterior, como também sua alma interior, sua cultura e seu sentimento” (COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro: Transmodernidade, Direito, Utopia. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001, p. 20).

322

GUÉHENNO, Jean-Marie. O futuro da liberdade. Trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 54-55.

Estamos num clima ideológico, diz Casanova, em que se enfraqueceram as propostas de soberania nacional em favor das propostas da “globalidade” e na qual se obscureceram os direitos “dos povos” diante dos direitos “dos indivíduos”.

Também houve mudança no desprestígio da “justiça social”, conceito ao qual se opõe o mais antigo de ‘justiça’, já desprovido de adjetivo, como quer John Rawls. As ‘lutas de libertação’ e as ‘lutas de classes’ aparecem como um fenômeno terminado, como conceitos obsoletos. Em vez da ‘libertação’ propõe-se a ‘inserção’ ou a ‘integração’, e, em vez da luta social, a ‘solidariedade’ humanitária ou empresarial. Ao mesmo tempo confirma-se que Bell teve razão e que já estamos no final das ideologias. Inclusive pensa-se que ‘a batalha para salvar o planeta substituirá a batalha ideológica como o tema capaz de organizar a nova ordem mundial’.323

A alternativa capaz de suplantar o neoliberalismo324 como modelo político e econômico nesse tempo de globalização, segundo Casanova, é um problema social e político de urgente solução.

323

CASANOVA, Pablo González. Globalidade, neoliberalismo e democracia. In: GENTILI, Pablo (Org.). Globalização excludente: Desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 46. Ver: BROWN, Lester R. The New World Order. Washington: Worldwatch Institute, 1991, p. 3. Ver ainda: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). A globalização e as Ciências Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, 572 p.; ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de; RAMOS, Alexandre (org.). Globalização, Neoliberalismo e o mundo do trabalho. Curitiba: IBEJ, 1998, 300 p.; ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima de. Direito e Século XXI: Conflito e Ordem na ordem neoliberal pós-moderna. 1. ed. Rio de Janeiro: LUAM, 1997, 138 p.; RIBEIRO, Edaléa Maria. Movimentos Sociais em Tempos de Democracia e Globalização em Santa Catarina: Os anos 90. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. 320 p.; FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1. ed., 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2002. 359 p.; SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. 174 p.; VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998. 142 p.

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Neoliberalismo, segundo Sérgio Couri, “é o nome que se convencionou dar à revivescência das idéias liberais no último quartel deste século a partir, principalmente, das experiências do Reino Unido com Margareth Thatcher (1979-1991), dos Estados Unidos com Ronald Reagan (1980-1988) e da Alemanha com Helmut Kohl (1982-1998).

“É designação a rigor ambivalente, pois havia sido patenteada em favor da ideologia que se cristalizou a partir de 1930 – embora seus primeiros ensaios remontassem às intervenções estatais à época da Primeira Grande Guerra – quando o crackdown na bolsa de Nova Iork trouxe aos meios acadêmicos e governamentais a convicção de que o liberalismo deveria sofrer uma espécie de retroalimentação positiva, mediante maior participação do Estado na economia, no sentido de recuperar as economias abaladas, tarefa que não se podia confiar ao puro jogo das forças de mercado, cujas deficiências eram apontadas como a raiz da crise de 1929. O Estado intervinha assim para sanar essas deficiências, reduzindo o espaço liberal em nome do próprio liberalismo. Expoentes do neoliberalismo foram, além do próprio Keynes, com a instrumentação do Estado pela política fiscal e pela política de gastos públicos, o Partido Democrata dos Estados Unidos, notoriamente com Roosevelt e sua política de gastos públicos – consubstanciada no New Deal –, e a escola estruturalista, CEPAL à frente, que confia, ou confiava, na ação do Estado para remover os óbices ao crescimento e ao desenvolvimento econômico.

“O neoliberalismo era na verdade aquele conjunto de cristãos-novos da ideologia capitalista que desejava permanecer embutido na ideologia liberal, até mesmo por acreditar na compatibilidade entre

É também o mais importante problema intelectual que se coloca às ciências sociais do nosso tempo: estas não podem propor um regresso ao passado sem converter-se em piada. A alternativa para o Estado neoliberal será uma democracia social diferente do Estado benfeitor, do populista e do socialismo real. A única coisa que sabemos é que será uma alternativa democrática que lute pelo poder da maioria e para uma economia da maioria em cada nação e em nível mundial. É esse o projeto que devemos pensar e realizar.325

O novo paradigma que se afirma no atual horizonte das ciências sociais, para Coelho326, é uma “dialética de três fatores” – “a cibernética, referida ao controle das condutas, a globalização, referida à comunicação, e o binômio capitalismo/neoliberalismo referido aos espaços político, econômico e ético da sociedade”. Ditos fatores, segundo Coelho, repercutem na atualidade e interferem na

liberalismo e capitalismo. Defendia a intervenção do Estado na economia para compensar as dificuldades da economia de mercado, propunha o Estado assistencialista, na medida em que uma política social deveria ser adotada quando e se necessária.

“O neoliberalismo agora em voga não é aquele, então ameaçado pelas depressões e recessões econômicas e pelos totalitarismos de direita e de esquerda, que se lançava como uma opção para tais extremismos, mas o próprio liberalismo, que os liberais acreditam haver ressuscitado das cinzas, não suas, mas do societalismo, cujo colapso e cuja deficiência constituem, agora, seu carro-chefe. O neoliberalismo de antes sentia-se acuado, o de hoje proclama-se triunfante, tem seu hino de glória no livro O fim da história e o último homem, de Fukuyama.

“Outra grande alavanca do neoliberalismo é a rápida globalização da economia mundial, a exigir maior liberdade e flexibilidade dos agentes econômicos, para que possam atuar, competir e eficientizar-se em escala planetária, impondo, portanto, a queda de barreiras de toda ordem, sobretudo as exigências pelo nacionalismo econômico ao jogo das formas de mercado, Mudam-se rapidamente legislações nacionais quanto ao conceito de empresa nacional, participação do capital estrangeiro, privatização, enfim, tudo o que representou o aumento da participação do Estado na economia, diretamente, por meio de empresas públicas, sociedades de economia mista e autarquias, ou, indiretamente, pela regulamentação.”

E conclui Couri:

“O perigo do neoliberalismo é esse triunfalismo com que ressurgiu, ao acreditar que o retrocesso do societalismo, sua antítese, revitaliza todos os seus postulados, que vieram sendo temperados pela história, o que traz o risco de reconduzir as sociedades liberais a seu paroxismo, que é a sobrevivência dos mais aptos e o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. Esse triunfalismo tende a atropelar e a pretender neutralizar as conquistas sociais da segunda metade do século passado e da maior parte deste século, o que faria, em princípio, a história retroceder a épocas de nenhum pacto social, num momento em que o número absoluto de pessoas que vivem na miséria ou na penúria é muito maior que há duzentos anos.

“Por isso mesmo, o ressurgir do liberalismo é visto com preocupação entre os economistas políticos e os cientistas sociais em geral, e todos aqueles segmentos ou pessoas que se debruçam sobre os problemas sociais. Se o liberalismo, no passado, não conseguiu resolver ou equacionar a miséria de milhões e milhões de pessoas, como conseguirá fazê-lo agora, nessa nova maré, em que a miséria é quantitativamente maior e surgiram novas limitações ao crescimento? Por outro lado, implicará o liberalismo retrocesso para aqueles segmentos que conseguiram algum progresso ou estabilidade ao sabor das correntes, por assim dizer, ‘progressistas’?” (COURI, Sergio. Liberalismo e societalismo. Brasília: UnB, 2001, p. 77-79).

325

CASANOVA, Pablo González. Op. cit., p. 61.

326

compreensão do direito, como de resto em relação a todos os setores da atividade humana. Não se pode olvidar, porém, a questão ambiental que certamente ocupa igualmente largo interesse no espectro das relações sociais.

No pertinente ao conceito de transmodernidade, segundo Coelho

se distingue da modernidade e da pós-modernidade na medida em que alude à mesma pós-modernidade, mas entendendo-a inicialmente como fase de transição para um futuro que ainda não se acha definido, mas que desde logo envolve aspectos que levam a uma superação dos velhos paradigmas de comportamento individual e coletivo e dos modelos de saber que já haviam se consolidado como algo produzido pela modernidade, para finalmente entender- se como antecipação de um futuro que, antes vivenciado na ficção, nas profecias, conjeturas e utopias, já se apresenta como definitivo a catalisar as energias da humanidade.327

Esse clima de incertezas, de turbulências sociais, políticas e econômicas que se verificam no Estado contemporâneo projeta, de outro lado, uma realidade, em nível mundial, que parece contrastar com o atual estágio civilizatório de parcela significativa da humanidade. De fato, parece que a humanidade vive simultaneamente a Idade Média, o Renascimento, o Estado moderno e todas as contradições do Estado Contemporâneo. A miséria, esse grande apartheid social328, ainda separa países, continentes e segrega, mesmo no interior de países desenvolvidos, parcelas sociais, colocando a nu as contradições da modernidade.

O Brasil contemporâneo329, Estado democrático de direito, país continental, parece refletir de maneira significativa todas essas contradições. Por isso,

327

Idem, ibidem, p. 33.

328

O termo apartheid social é empregado no sentido de desigualdade social.

329

No Brasil, segundo Streck, a modernidade é tardia e arcaica. E acrescenta: “Para tanto, chamando a atenção para o fato de que as sociedades exigem que o poder retome as funções de árbitro na solução das injustiças, Touraine diz que a América Latina, como as demais regiões do mundo, ingressa num novo período de sua história. Até o presente, nenhum de seus países, nem mesmo o Chile, foi capaz de implementar um plano global de progresso econômico e social, e tal situação não pode durar. Não se trata mais de livrar a economia de vínculos paralisantes, mas ao contrário de reintegrar a atividade econômica ao conjunto da vida social e reforçar as intervenções do poder político. O que houve (há) é um simulacro de modernidade. Como muito bem assinala Erik Hobsbawn, o Brasil é um ‘monumento à negligência social’, ficando atrás do Sri Lanka em vários indicadores sociais, como mortalidade infantil e alfabetização, tudo porque o Estado, no Sri Lanka, empenhou-se na redução das desigualdades. Ou seja, em nosso país as promessas de modernidade ainda não se realizaram. E, já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno ao Estado (neo)liberal. Daí que a pós-modernidade é vista como a visão neoliberal. Só que existe um imenso deficit social em nosso país, e, por isso, temos que defender as instituições da modernidade contra esse neoliberalismo pós-moderno” (STRECK, Lenio Luiz. Op.

é importante fazer um recorte para o exame de nossa realidade política e social, numa perspectiva da Teoria Política e do Constitucionalismo.