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5. DISCUSSÃO

5.2. Manifestações do comportamento suicida: a especificidade das

5.2.1. Tentativas efetivas

5.2.1.1. Presença de tentativa efetiva durante a vida

Como primeira análise, objetivou-se avaliar as associações existentes na diferenciação entre os pacientes que relataram presença de pelo menos uma tentativa de suicídio efetiva durante a vida e aqueles sem esta manifestação. Não foram observadas diferenças na impulsividade entre os grupos. No entanto, no aspecto sociodemográfico, as mulheres apresentaram cerca de 5 vezes mais presença de TEDV que os homens. Em relação aos transtornos psiquiátricos comórbidos, a ausência de transtorno de ansiedade esteve associada ao TEDV: os pacientes sem esta comorbidade apresentaram em torno de 17 vezes mais tentativas efetivas de suicídio. Ambos resultados se mantiveram controlando-se para idade e pontuações da escala BIS total e subtipos.

Em referência ao gênero, apesar dos dados populacionais globais da Organização Mundial de Saúde (OMS) demonstrarem taxas de suicídio cerca de 3 vezes maiores em homens (2), as mulheres apresentam aproximadamente 2 vezes mais tentativas de suicídio (15). Dados brasileiros coletados para o estudo multicêntrico da OMS, o SUPRE-MISS, constataram que as mulheres apresentavam cerca de 13 vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio que os homens (32). Ao levar-se em consideração os transtornos mentais como fatores de risco presentes em tentativas de suicídio na comparação entre os gêneros, observa-se que o sexo masculino está relacionado à maior gravidade e prevalência dos transtornos de humor. Em um estudo retrospectivo com 193 pacientes no Japão, ao verificar que transtorno depressivo maior e transtorno bipolar foram fatores preditivos

significantemente maior para tentativas de suicídio em homens, enquanto distimia e transtornos de personalidade foram significantemente preditivos em mulheres (85). Um estudo brasileiro em um hospital de emergências constatou em atendimentos por tentativas de suicídio, maior predominância do sexo feminino, porém, os homens apresentavam maior prevalência na maioria dos transtornos mentais tanto únicos quanto comórbidos, sendo a depressão o diagnóstico mais frequente (16).

Em relação aos transtornos ansiosos, nossos resultados não condizem com a grande maioria dos estudos, os quais demonstram associação entre transtornos ansiosos e risco para o comportamento suicida, tanto isoladamente como em comorbidade com transtornos de humor (86,87). Por outro lado, em concordância com nossos resultados, um estudo realizado em pacientes depressivos com transtornos de ansiedade comórbidos, não observou influência da ansiedade na presença de tentativas de suicídio ao longo da vida, constatando, ainda, que pacientes sem histórico de tentativas de suicídio obtiveram pontuação mais alta em escala de ansiedade que aqueles com tal histórico (88). Um estudo de meta-análise recente, ao analisar 65 artigos de estudos longitudinais, concluiu que transtornos ansiosos apresentam pouca significância estatística na predição de futuras tentativas de suicídio e não apresentam significância estatística para o suicídio completo (89). Reforçando esta hipótese, outros estudos demonstraram que a associação entre quadros ansiosos e o comportamento suicida se dá com maior força quando da apresentação de sintomas ansiosos de maior intensidade e agressividade, como transtornos de pânico e estresse pós traumático (90), sem associações significativas com outros transtornos ansiosos (91).

Outra hipótese levantada é a de que, os sintomas ansiosos possam, de alguma forma, atuar de forma a aumentar o medo da dor e da morte, agindo como fator protetor. Neste caso, de acordo com a Teoria Interpessoal do Suicídio (92), um dos fatores necessários para a realização do ato da tentativa de suicídio é o desenvolvimento da capacidade para o suicídio. Esta capacidade, formada ao longo da vida, consiste na perda do medo da dor gerada pelo ato da tentativa e pode ser amplificada por repetidas vivências de dor e sofrimento (93). Reiss (1985), em sua teoria da Expectativa do Medo, descreve a “sensibilidade à ansiedade”, como um traço de personalidade associado ao sentimento de medo referente à situações futuras,

sendo este traço composto por 3 dimensões distintas: cognitiva (medo do descontrole de pensamentos), social (medo da rejeição social) e física (medo da dor física) (94). Estudos têm demonstrado existência de maior sensibilidade à ansiedade principalmente em indivíduos com transtornos ansiosos (95), correlacionando a maior expressão da dimensão física da teoria da Expectativa do Medo, com uma possível ação protetora para o comportamento suicida (96), na proposição de que o medo da dor física possa evitar o ato da tentativa de suicídio.

Dentre os possíveis fatores limitantes deste resultado está o fato de que não houve especificação e quantificação da intensidade dos sintomas dos transtornos de ansiedade presentes, além do pequeno número de pacientes que possuíam tal diagnóstico, limitando-se ao número de seis casos do total da amostra.

Com relação à impulsividade, em nossos resultados, este traço, conforme medido pela BIS-11, não demonstrou efeito significativo na comparação entre a presença ou não de tentativa de suicídio efetiva no histórico de comportamento suicida. Muitos estudos descrevem a impulsividade como fator de risco no comportamento suicida de pacientes depressivos (29,63,97). No entanto, segundo outros estudos, a atuação da impulsividade como traço de personalidade por si só não pode ser considerada como fator de risco direto, mas sim distal (69). Nesta consideração, a agressividade, como um componente deste traço, exerceria grande influência para a manifestação do comportamento suicida (98,99), sendo a ativação do comportamento agressivo modulada por fatores emocionais e cognitivos em pacientes depressivos (100). Em um estudo sobre impulsividade em pacientes com transtornos de humor, observou-se que pacientes depressivos eutímicos apresentavam menores pontuações na escala BIS em comparação aos com sintomas manifestos, sugerindo pequena mas presente correlação entre a impulsividade e sintomas depressivos (101). Reforçando esta possível correlação, dois estudos prospectivos compararam sintomas depressivos e impulsividade em pacientes com diagnóstico de depressão, observando diminuição da pontuação em ambas medições entre o início e após quatro semanas de tratamento medicamentoso, sugerindo, ambos, que a impulsividade como traço de personalidade se manifeste em diferentes dimensões, com características fixas e não modificantes (“traço”), e características (como a agressividade e irritabilidade), que são passíveis de influência de estados emocionais e de tratamentos (“estado”) (102,103). Portanto, considerando que a

coleta de 80% da amostra deste trabalho foi realizada em ambiente ambulatorial, ou seja, consistindo em pacientes em tratamento psiquiátrico, um questionamento levantado para a diferença não significativa da pontuação na escala BIS entre pacientes com e sem tentativas efetivas durante a vida, é o da possível influência do tratamento medicamentoso na modulação dos sintomas impulsivos, tanto pela provável redução da intensidade dos sintomas do transtorno de humor, quanto da auto-percepção das características impulsivas relatadas no momento da entrevista.

5.2.1.2. Múltiplas tentativas de suicídio

Devido à ausência de resultados significativos na primeira análise dicotômica na comparação entre pacientes com e sem TEDV, decidiu-se por uma segunda análise, levando-se em consideração o número de tentativas de suicídio relatada por cada paciente na tentativa estabelecer uma correlação entre a maior quantidade de tentativas e maior impulsividade. Nesta segunda análise, os resultados das correlações demonstraram associações significativas moderadas para a pontuação da escala BIS total (rs = 0,301, p = 0,009) e subtipo planejamento (rs =

0,305, p = 0,008); e mais fraca para o subtipo atencional (rs = 0,255, p = 0,027).

Entretanto, não houve associação significativa para o subtipo motor (rs = 0,191, p =

0,101).

Considerando-se este comportamento, independentemente da atuação da impulsividade, transtornos de humor são fortemente relacionados à recorrência de tentativas de suicídio (26), sendo a depressão um dos diagnósticos mais associados à repetição de tentativas de suicídio (104). Um estudo longitudinal de 40 anos observou grande recorrência de tentativas de suicídio durante a vida em pacientes gravemente depressivos (105). Por outro lado, a impulsividade isoladamente, como traço de personalidade, também pode exercer influência no comportamento suicida no que se refere à recorrência de tentativas de suicídio. Segundo hipótese levantada em um estudo comparativo entre os gêneros, a maior recorrência de tentativas de suicídio em mulheres deveu-se provavelmente à maior impulsividade (106). Em associação com depressão, diagnósticos comórbidos que cursam com intensa agressividade, ansiedade e descontrole de impulso são fortemente associados ao aumento do risco suicida (90). Estudos comparando indivíduos com histórico de

tentativas de suicídio únicas e múltiplas observaram aumento significativo da impulsividade nestes últimos (107), com resultado semelhante observado entre pacientes depressivos com múltiplas tentativas (108).

Diferentemente do observado em nossos resultados, em outros estudos, indivíduos com histórico de múltiplas tentativas de suicídio apresentaram pontuações mais altas no subtipo motor da escala BIS-11 (37,67). Hur e Kim (2009) também encontraram maior pontuação da impulsividade do subtipo motor ao avaliar pacientes depressivos em relação aos controles (100).

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