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Capítulo 4 – Desafios e oportunidades para a prática pastoral de esperança num

4.1 Teologia Prática e Teologia Pastoral

Este capítulo não pretende ser um tratado sobre Teologia Prática, mas, apenas, apresentar, no seu início, uma sucinta definição do que ela é e em que difere da Teologia Pastoral. O objetivo principal é formular uma proposta pastoral de acolhimento aos crentes em trânsito, muitos dos quais passaram pelo movimento neopentecostal. Geoval Jacinto da Silva compreende que a “Teologia Prática tem por finalidade possibilitar o uso de instrumentos de análise crítica das ações da Igreja, os quais são desenvolvidos através do método científico das ciências humanas”.293

Júlio Zabatiero define Teologia Prática como “um discurso crítico e construtivo sobre a ação humana, no mundo presente, cuja finalidade é contribuir para o aperfeiçoamento da ação cristã no mundo, em resposta crística – na energia do Espírito Santo – à ação presente de Deus. Conseqüentemente, a reflexão teológico-prática se fundamenta no discernimento da ação de Deus, e se constrói em diálogo – crítico e construtivo – com os discursos sobre a ação não-cristã e ação anti- cristã no mundo. Sendo uma teologia da ação a partir do discernimento, o referencial teórico da Teologia Prática deve ser o de uma teoria crítica e discursiva da ação.”294

293 Geoval Jacinto da SILVA, Idéias fundamentais para o estudo da Teologia Prática, p. 199.

294 Júlio Paulo Tavares ZABATIERO, As dimensões da ação – construindo o referencial teórico da

teologia prática. In Práxis Evangélica – Revista de teologia prática latino-americana. Londrina.

A discussão sobre a Teologia Prática na idade moderna já dura quase 200 anos. Desde que foi colocada como disciplina na Faculdade de Teologia da Universidade de Berlim, em 1810, por Friedrich Schleiermacher,295 sempre gerou controvérsia. Segundo Lothar Carlos Hoch, ela surgiu da “necessidade de se criar uma disciplina teológica capaz de estabelecer uma relação adequada entre a teologia acadêmica e a prática da fé”.296 Para Hoch, a principal tarefa da Teologia Prática é

“encontrar o seu lugar específico, desde o qual possa dar a sua contribuição própria tanto à Teologia quanto à Igreja e, muito especialmente, aos desafios que a sociedade, no nosso caso a sociedade latino-americana, lhe colocam”.297 James Farris acha que, para definir a Teologia Prática, é preciso identificar suas tarefas fundamentais, sua metodologia e seu raio de ação, como se pode observar a seguir:

Tarefas fundamentais: 1). Teoria: A teologia prática é um diálogo de mão dupla entre a teoria e a práxis da fé cristã (como expressado em teologia e ética cristã), a teoria e a práxis da situação contemporânea e as ciências sociais. 2). Práxis: O alvo da teologia prática é a transformação das pessoas e das estruturas do mundo. O padrão desta transformação está expresso, embora não exclusivamente, nas várias visões de libertação (liberdade, justiça, igualdade) como um processo de mudança individual e social nos níveis do físico, do espiritual, do econômico e do ecológico (uma visão da pessoa e do mundo como um todo integral). A designação clássica para este processo ou esta transformação é o Reino de Deus.298

Christoph Schneider-Harpprecht expressa a necessidade de distinguir entre os termos “Pastoral”, “Teologia Pastoral” e “Teologia Prática”.299 João Libanio define

pastoral como “o agir da Igreja no mundo”300 e esclarece:

No caso, é fácil perceber que ‘pastoral’ está ligada com a raiz ‘pastor’. Qualquer ação pastoral tem algo a ver com a ação própria de um pastor. Entretanto, na medida em que a experiência de ‘pastor’ se distancia de nosso mundo urbano, moderno, feito de cimento armado e asfalto e não de campos de ovelhas, o esforço de recuo àquela experiência arcaica se faz mister. De fato, o termo ‘pastor’ já não nos é mais imediato. E para as novas gerações, as imagens se reduzem a cenas de filmes retratando a sociedade antiga ou as

295 Lothar Carlos HOCH, O lugar da teologia prática como disciplina teológica, p. 24. 296 Ibid.

297 Ibid., p. 26.

298 James R. FARRIS, In Estudos da Religião. São Bernardo do Campo, Umesp. Ano XI, no 12,

dezembro de 1996, p. 14.

299 Christoph Schneider-HARPPRECHT (org.), Teologia prática no contexto da América Latina, p.

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fotos de cenas longínquas, se não necessariamente no espaço, ao menos no tempo cultural. Não procurou um pregador alemão traduzir o belíssimo Salmo 22:301 ‘Deus é meu pastor’ por ‘Deus é meu chofer’ que conduz o

ônibus pelas auto-estradas da vida, com medo de que as crianças não entendessem a imagem do pastor?... Pastoral está intimamente ligada na sua evolução semântica à idéia de autoridade, de desvelo, de companhia, de relação interpessoal e finalmente de entrega de si até o dom total da vida àqueles que se serve”302

Para Ronaldo Sathler Rosa, “a ação pastoral relevante reconhece e apóia as lutas por trabalho digno, moradia, educação e outras formas através das quais as pessoas e povos procuram significado e valor. Por outro lado, a ação pastoral fundamentada nas Escrituras e afinada profeticamente com o seu tempo e condições históricas, deve contemplar a realidade do cotidiano; deve alicerçar as perspectivas, as esperanças e a dedicação das pessoas que trabalham por um mundo de esperança e justiça. Não se trata, portanto, de uma espiritualidade alienada, mas sim, de expressão da fé em meio às contingências históricas”.303 Szentmártoni assim define Teologia Pastoral:

A teologia pastoral pode ser definida como reflexão teológica sobre o conjunto das atividades com as quais a Igreja se realiza, com a finalidade de definir como essas atividades deveriam ser desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua situação atual e a do mundo.304

Clodovis Boff discute teologia moderna, não apenas por se tratar de uma corrente atual, mas porque ela convive com os desafios pessoais e sociais que a modernidade coloca à fé. Segundo Boff, “a modernidade, especialmente em seu apogeu iluminista, se caracteriza pelo culto da razão emancipadora, ligada às idéias da ciência e do progresso”.305Segundo Boff, “o destinatário da teologia é o ‘mundo moderno’, enquanto secularizado e pluralista. O objetivo é ‘inculturar’ a fé no universo da modernidade, que nasceu de matrizes cristãs, mas delas se ‘emancipou’ parcial ou totalmente”.306 Para ele, “o teólogo moderno não é o doutor antigo, dono

301 Nas Bíblias evangélicas, em geral, trata-se do Salmo 23.1. 302 João Batista LIBANIO, O que é pastoral, p. 14, 22.

303 Ronaldo Sathler ROSA, Ação pastoral em tempo pós-moderno: uma perspectiva brasileira, p. 98. 304 Mihály SZENTMÁRTONI, Introdução à teologia pastoral, p. 11.

305 Clodovis BOFF, Teoria do método teológico, p. 145. 306 Ibid., p. 148.

de uma sólida cultura sintética. Longe dele a idéia de um pensamento desligado da problemática cultural do tempo”.307

Ao discorrer sobre ação pastoral e reflexão teológica, Casiano Floristan afirma que “o Novo Testamento concebe a vida cristã como ação, tanto individual como comunitária. O cristão e a comunidade crente devem trabalhar como Cristo trabalhou. Na realidade, a ação do cristão é a obra de Cristo nele. A fé é o primeiro ato; começa-se a ser cristão por um ato de conversão. (...) Quando a comunidade cristã manifesta sua fé ao mundo, exterioriza a ação dos cristãos. O Deus da revelação cristã não é o Deus dos filósofos, mas o Deus vivo e operante manifesto no crucificado e ressuscitado. Assim, se chega a conceber a teologia como ‘teologia de uma práxis’ e a ação pastoral como ‘práxis de libertação salvadora’”308

Floristan argumenta que “a função teológica, é, pois, uma função reflexiva e crítica, diferente da confissão de fé, louvor ao Senhor, a caridade com o irmão, etc., que correspondem à função pastoral, que é ativa e criadora. (...) A teologia é a reflexão sobre o Deus revelado em Jesus Cristo através de uma história que explicita a Escritura. Se o teólogo não parte da palavra e da obra de Deus recebidas objetivamente, converte-se em um filósofo. (...) Mediante a ação pastoral a Igreja se edifica; e mediante a reflexão teológica origina-se um sistema de pensamentos transmissíveis em forma de ensino, que regulam a atividade apostólica”.309

Christoph Schneider-Harpprecht observa que Casiano Floristan “divide a Teologia Prática em duas partes: Teologia Prática Geral e Teologia Prática Especial. Na Teologia Prática Geral aborda as raízes bíblicas, a história, a teoria da Teologia Prática como teologia da ação pastoral e a questão dos agentes na pastoral. Na Teologia Prática Especial apresenta a ação da Igreja sob cinco ângulos: kerygma (missão), didaskalia (catequese), leitourgia (liturgia, homilética), koinonia (comunidade) e diakonia (serviço)”.310

Floristan busca na Bíblia Sagrada a base para a teoria e a prática pastoral. A vida de Jesus, sua obra e seus ensinos, e a Igreja de Atos dos Apóstolos constituem- se numa fonte de modelos e pistas para a sua teologia prática. Floristan afirma que

307 Ibid., p. 149.

308 Casiano FLORISTAN, Teología Práctica, p. 136-137. Tradução do pesquisador. 309 Ibid., p. 142-147.

“as Escrituras, em seu conjunto, e os quatro evangelhos em particular, são livros que fixam, de forma escrita, as ações de Deus e as experiências religiosas, para que permaneçam sem alterações e possam ser comunicadas. (...) O homem bíblico considera primordial a palavra de Deus dirigida ao homem, cristalizada num livro e pronunciada solenemente na assembléia. (...) As Escrituras são a base da vida cristã e da reflexão dos crentes. O ouvinte da palavra, ao ouvir os ensinos apostólicos, coloca-se em contato com o conhecimento dos ministérios de Deus. Pela fé, aceita o ato central da pessoa de Jesus, de suas obras e palavras, sem mais reflexão do que a necessária para que se transforme o seu modo de viver e de pensar. (...) A base da teologia cristã é o testemunho de fé em Cristo. A revelação bíblica é para o crente a norma suprema.”311

4.1.1 Escritura e esperança

A importância do tema “esperança” pode ser observada nos escritos do apóstolo Paulo. Ele a colocou ao lado da fé e do amor, como ingredientes essenciais da vida cristã (1Co 13.13). Há uma escassez de esperança no mundo. As catástrofes naturais ceifam vidas e provocam grandes perdas, muitas vezes provocadas pelo descaso com o meio ambiente. As epidemias dizimam multidões em toda parte, principalmente a AIDS, em algumas regiões da África. Ainda existem vários bolsões de tensão política em muitas partes do planeta. O terrorismo conseguiu tirar a paz dos americanos, que vivem num estado de alerta alto e constante. Aqui no Brasil, há o desemprego, a desigualdade social provocada por uma injusta distribuição de renda, uma rede hospitalar inoperante, desemprego, violência e corrupção.

Em novembro de 2003, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem sobre a contrariedade dos intelectuais brasileiros com os rumos do governo Lula. O título da matéria falava de decepção e esperança: “Esquerda no divã. Contrariados com os rumos do governo, intelectuais oscilam entre a decepção aberta e a ponta de esperança”. O cientista político, Luiz Werneck Vianna, desabafou: “Há muita desesperança no ar”. O economista Reinaldo Gonçalves disse que não está

decepcionado e explicou: “Só se decepciona quem tinha ilusão. Como eu não tinha ilusão, não me decepciono”.312

Onde encontrar esperança? E se puder ser encontrada, como pode ser mantida? As atenções estarão voltadas agora para Jürgen Moltmann e Casiano Floristan. Ambos, vão buscar nas Escrituras a base para a esperança cristã e para pastorear num contexto hostil à esperança. Ambos não se concentram apenas nos problemas, desafios ou oportunidades presentes para a teologia no mundo atual, mas focam num futuro promissor. Isso pode ser observado nas palavras de Floristan: “A Bíblia narra uma história de salvação e de libertação, aberta a um futuro promissor, com a preocupação de que se instaure, aqui e para sempre, um reino de justiça e de caridade, que é o reino de Deus”.313 O mesmo pode ser observado em Jürgen Moltmann. Para ele, “os escritos veterotestamentários de Israel dão testemunho não apenas da experiência do Êxodo e da fé na criação, mas também, no âmbito da profecia, da esperança messiânica de um Êxodo novo e definitivo...” (TRD, 112). Moltmann diz mais:

A visão messiânica do “novo Êxodo” recupera a lembrança do primeiro, mas é-lhe superior em virtude da esperança. Os emigrantes não passarão sede nem fome (Is. 48,21). O seu caminho será fácil, porque todos os obstáculos serão varridos (Is 49,11). A retirada não será “às pressas”, mas sim festiva, como em uma procissão, conduzida pelo próprio Deus (Is 52,12). A natureza participará da alegria da libertação final do povo de Deus, as montanhas prorromperão em aclamações, e as árvores do campo aplaudirão (Is 49,13; 55,12). “Águas fluirão no deserto, e torrentes correrão sobre a terra árida” (Is 35,6). Todos os povos verão isso. Seus ídolos desaparecerão na sua impotência (Is 41,11; 42,17; 45,24). Reconhecerão no Deus de Israel a sua salvação e a sua força (Is 45,14s). (TRD, 112, 113).