-
Podemos mostrar que o cálculo da tangente a uma curva é o inverso da qua- dratura da mesma.
Consideremos as parábolas generalizadas de Fermat f (x) = axn, cuja quadra-
tura no intervalo [0, x] nos dá a relação F (x) = QFx
0 [f (x)] =
1 n+1ax
n+1.
Aplicando o método da tangente de Fermat a F (x), obtemos TFx[F (x)] = TFxQF0x[f (x)] TFxQFax[f (x)] = TFx a n+1x n+1 TFxQFax[f (x)] = a n+1TFx(x n+1) TFxQFax[f (x)] = a n+1(n + 1) x n= axn. Enm, segue TFxQFax[f (x)] = f (x).
Vamos mostrar essa relação para a curva f (x) =Pn
k=0
akxk.
A quadratura da curva y = f (x) nos fornece F (x) = QFx 0 [f (x)] = n P k=0 1 k+1akx k+1.
A tangente à curva F (x) é calculada como TFxQF0x[f (x)] = TF n P k=0 1 k+1akx k+1 TFxQF0x[f (x)] = n P k=0 TF k+11 akxk+1
TFxQF0x[f (x)] = n P k=0 1 k+1akTF x k+1 TFxQF0x[f (x)] = n P k=0 1 k+1ak(k + 1) x k+1−1 TFxQF0x[f (x)] = n P k=0
akxk. Disto concluímos que TFxQF0x[f (x)] = f (x).
Também é verdade que: QFx 0 {TFx[F (x)]} = QF0x n P k=0 akxk = n P k=0 1 k+1akx k+1 = F (x).
Sendo assim, concluimos que são verdadeiras as seguintes igualdades: f (x) = TFxQF0x[f (x)]
; f (x) = QFx
0 {TFx[f (x)]}.
As igualdades acima são válidas para todas as curvas representadas pela série de potência P∞
k=0
akxk.
De fato, basta tomar n → ∞ na demonstração anterior. Vejamos um exemplo. Exemplo 2.31: Aplicação do teorema fundamental do cálculo de Fermat para curvas sen(x) e cos (x). Para isto, consideremos as representações destas curvas por série de potência, como seguem:
cos (x) = 1 − x22 +x4!4 −x6 6! + x8 8! + . . . + (−1) n x2n 2n! + . . .; sen(x) = x −x3 3! + x5 5! − x7 7! + x9 9! + . . . + (−1) n x2n+1 (2n+1)!+ . . ..
A quadratura de sen(x) no intervalo [0, x] é dada por: QFx
0[sen(x)]= 1 − cos (x).
Agora vamos quadrar a curva cos (x) no intervalo [0, x]. QFx 0 [cos (x)] = QF0x h 1 − x22 + x4!4 −x6 6! + . . . + (−1) n x2n 2n! + . . . i QFx 0 [cos (x)] = x − x3 3! + x5 5! − x7 7! + . . . + (−1) n x2n+1 (2n+1)! + . . . QFx 0 [cos (x)] =.sen(x),
Aplicando o teorema fundamental do cálculo de Fermat, obtemos: TFxQF0x[cos (x)] = TFx[sen(x)]= cos (x)
TFx{QF0x[sen(x)]}= TFx[1 − cos (x)]
TFx{QF0x[sen(x)]}=.sen(x).
A abordagem dos conceitos do cálculo feita por Fermat é a base da teoria do cálculo diferencial e integral. Vimos que o método da tangente na essência é o que
denominamos hoje de cálculo diferencial. O método de quadratura de curvas, que faz uso intuitivamente do conceito de limite, é o que denominamos de cálculo integral. Veremos que os matemáticos subsequentes retomaram esses métodos em suas abordagens sobre o cálculo.
Pudemos observar que Fermat retoma o uso dos innitésimos, grandezas ainda obscuras e necessitadas de sentido. Contudo, veremos que seus métodos serão retomados nos próximos capítulos pelos matemáticos Sir Isaac Newton através dos métodos das uxões e séries innitas, Leibniz com as diferenciais dx, dy, e o cálculo da integral, por m, com Cauchy, este utilizando o conceito de limite.
Capítulo 3
Cálculo diferencial e integral: Newton
-
Neste capítulo vamos abordar os conceitos do cálculo diferencial e integral segundo Newton. Antes da nossa discussão, listemos as novidades propostas por ele:
• O método das séries de potências como representação de uma curva e a generalização do binômio a + xkn
para k e n reais;
•Resolução de equações diferenciais através do uso de séries de potências; •As regras do cálculo de integrais (quadratura), equivalentes às propriedades da quadratura de Fermat; quadratura de curvas representadas por uma série de potência e reticação de arcos (comprimento de arcos);
•O teorema fundamental do cálculo, equivalente ao que vimos com os métodos de Fermat.
Começaremos pelo método das uxões que denido como segue: Denição do método das uxões:
• Fluentes: coordenadas da curva em função do tempo x (t), y (t), z (t), etc, ou simplesmente x, y, z, etc;
• Fluxões: taxas de variação (velocidade) dos uentes em função do tempo, denotados porx (t)· ,y (t)· ,z (t)· , etc, ou simplesmente por x·,y·,z·, etc, cujo a notação atual é dada por dx(t) dt , dy(t) dt , dz(t) dt , etc.
Utilizaremos o método das uxões na resolução dos dois problemas propostos por Newton:
Problema I: Seja dada a relação F (x, y) = 0 (ou y = F (x)) entre os uentes xe y, encontrar a relação fx,· y, x, y· = 0 (ou
·
y
·
x = f (x, y)) entre as uxões;
Problema II: Seja dada a relação fx,· y, x, y· = 0, ou
·
y
·
x = f (x, y), entre as
Seguiremos com o método de traçado de tangente de Newton e suas proprie- dades. Abordaremos a generalização do binômio de Newton e a quadratura do círculo de raio 1 e da hipérbole retangular. Discutiremos o uso das séries de potências na resolução do Problema II. Estudaremos o método de quadratura (regras de integração) de Newton para o cálculo da área delimitada por uma curva, o teorema fundamental do cálculo e terminaremos com a reticação de arcos (comprimento de curvas).
Adotaremos as seguintes notações para o método da tangente e da quadratura de Newton:
• TNx - tangente de Newton em x;
• QNx
a - quadratura de Newton no intervalo [a, x] ou simplesmente QN.
3.1 O método das uxões
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Newton desenvolve os conceitos do cálculo diferencial (traçado de tangente) e integral (cálculo de área delimitada por uma curva e a reticação de arcos), segundo o método das uxões e séries de potências. Esses conceitos têm como base dois problemas, como descrito do trecho retirado de O método das uxões e séries innitas.
...
I - O comprimento do espaço descrito sendo continuamente determinado (isto é, em todos os momentos); encontrar a velocidade do movimento, em qualquer momento proposto;
II - A velocidade do movimento que está sendo continuamente dada; encontrar o comprimento do espaço descrito em qualquer momento pro- posto.
... [5].
Para Newton, as curvas são determinadas pelo movimento contínuo dos pontos em função do tempo, denominado de uentes, representados pelas quantidades x (t), y (t), z (t), etc, ou simplesmente x, y, z, etc. E a taxa de variação com que cada uente se movia no tempo (velocidade), ele denominava de uxões (derivadas) dos uentes, representados pelas quantidades x (t)· ,y (t)· ,z (t)· , etc, ou simplesmente por x·, y·, z·, etc.
Para o primeiro problema Newton dene uma quantidade innitamente pe- quena chamada de momento de um uente, denotado por `o'. Vejamos um exemplo.
Exemplo 3.1: Encontrar a relação fx,· y, x, y· = 0 entre as uxões dada a relação F (x, y) = y − x2 entre os uentes.
Considerexo· eyo· o momento innitamente pequeno das quantidades uentes xe y. E sejam x+xo· e y+yo· os aumentos sofridos em um período de tempo innitamente
pequeno `o', então depois de substituir em F (x, y) = y−x2, cancelar os termos em comum
e dividir toda a igualdade restante porxo· , ele desconsidera as grandezas que ainda contêm esta parcela, terminando assim por encontrar a relação entre as uxões, como segue.
y +yo =· x +xo· 2
y +yo = x· 2+ 2xxo +· xo· 2
·
yo − 2xxo −· xo· 2 (dividindo tudo por xo· )
·
y
·
x − 2x − ·
xo = 0. Neste ponto, Newton desconsidera a parcela xo· por ser innitamente pequena (análogo ao e utilizado por Fermat), restando
· y · x − 2x = 0 · y − 2xx = 0· .
No método utilizado por Newton, a relação xo· ou yo· , etc, é descrita como a multiplicação do momento innitamente pequeno o pelo uxãox· ou y·, etc.
Na resolução do segundo problema, Newton utiliza, em alguns casos, um mé- todo de solução particular, mas utilizava séries de potências como método geral de reso- lução.
Veremos mais adiante, por exemplo, que para encontrar a solução da equação diferencial y0− y
a−x− 1 = 0, Newton representa y
a−x como uma série de potência e a partir
de então construía uma tabela, encontrando a solução do problema por aproximações sucessivas.
Exemplo 3.2: Tomemos, como exemplo [5], a curva representada pela equação F (x, y) = x3− ax2+ axy − y3 = 0.
Para encontrar a relação entre as uxões vamos montar uma tabela com a seguinte regra:
Os termos que possuem somente um dos uentes x ou y cam de lados opostos da tabela;
Os termos mistos cam em ambos os lados da tabela;
Multiplicamos cada termo pela razão entre o uxão e o uente, multiplicado pela dimensão (expoente n do uente), ou seja, nx·
x ;
Por m, somamos os resultado obtidos, encontrando a relação fx,· y, x, y· = 0 entre as uxões.
x3 −ax2 + axy |{z} misto. −y3 + axy |{z} misto. × 3x· x 2x· x · x x 3y· y · y y 3xx· 2 −2axx· +axy· −3yy· 2 +axy·
Soma 3xx· 2 −2axx· +axy· −3yy· 2 +axy·
Tabela 1. Método de Newton para, uentes e uxões - Problema I. A relação procurada é dada por
fx,· y, x, y· = 3xx· 2 − 2axx + a· xy − 3· yy· 2 + axy = 0· . Esta relação pode ser
escrita como: · y · x = f (x, y) = 3x2−2ax+ay 3y2−ax .
Um método de resolução particular para resolver o Problema II, empregado por Newton, é baseado no método utilizado no exemplo anterior. Para encontrar a relação entre os uentes, dada a relação entre as uxões, ele procede de maneira inversa ao feito anteriormente.
Exemplo 3.3: Partindo da relação entre as uxões procedemos de maneira inversa (seguimos a mesma regra anterior para a construção da tabela, com uma pequena modicação, escolhemos somente um dos termos +axy· ou +axy· colocado somente em um dos lados da tabela) para voltar à relação anterior entre os uentes, realizando a multiplicação pelo inverso dos termos da segunda linha, como segue:
fx,· y, x, y· = 3xx· 2− 2axx + a· xy − 3· yy· 2+ axy = 0· 3xx· 2 −2axx· +axy· −3yy· 2 × x 3x· x 2x· x · x y 3y·
Soma x3 −ax2 +axy −y3
Tabela 2. Método de Newton modicado - Problema II. O resultado é a relação entre os uentes x e y
F (x, y) = x3− ax2+ axy − y3 = 0.
Modicamos a tabela dada por Newton para não termos a necessidade de descartar termos repetidos na solução.
Newton descreve esse tipo de solução como um caso particular, uma vez que nem sempre é possível encontrar a relação entre os uentes dada a relação entre as u- xões pelo método descrito anteriormente. Esta observação é feita por Newton, conforme passagem retirada do livro O método das uxões e séries innitas
...o problema [isto é, o segundo problema] não pode ser sempre solucio- nado por esse artifício. No entanto, adiciono que após se obter a relação entre os uentes por esse método e se podemos retornar pelo Problema I para a equação proposta que envolve as uxões, então o trabalho está correto; caso contrário, não ... [5].
Exemplo 3.4: Newton considera o problema de encontrar a relação entre os uentes dada a relação entre as uxões fx,· y, x, y· =xx −· xy + a· y = 0· .
Seguindo os passos da Tabela 2, encontramos a relação entre os uentes F (x, y) = 12x2− xy + ay = 0.
E fácil vericar que esta relação está incorreta, como descrito por Newton na observação anterior, pois, de fato, procedendo como feito na Tabela 1, obtemos como resposta a relação entre as uxões
fx,· y, x, y· =xx −· xy −· yx + a· y = 0· , que difere da relação original do termo −yx· .