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A Teoria Antropológica do Didático (TAD)

CAPÍTULO 2: FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

2.1. A Teoria Antropológica do Didático (TAD)

No âmbito da didática da Matemática a TAD tem uma contribuição significativa, pois como afirma Almouloud (2007), tal teoria representa uma evolução do conceito de transposição didática2, bem como estuda as

organizações praxeológicas didáticas planejadas para o ensino e a aprendizagem de organizações matemáticas. Tal praxeologia representa o produto de uma construção social e tem como finalidade específica, o estudo da Matemática.

Essa teoria busca estudar o homem diante do saber matemático, especificamente quando se depara com situações matemáticas. Assim, Chevallard (1999) utiliza o termo antropológico para situar o estudo da Matemática no interior do conjunto de atividades humanas e de instituições sociais. E é designada uma teoria do didático, pois é um estudo do objeto de estudo da didática.

A TAD mostra-se um instrumento relevante para analisar as práticas docentes e o estudo da Matemática em termos de praxeologias (organizações). Chevallard (1999) associa dois tipos de praxeologias para o saber matemático, a saber: a organização matemática (OM) e a organização didática (OD), isto é, as organizações dos conteúdos (o modo como é feita essa construção) e as organizações de ensino (a Matemática que é possível ser construída para desenvolvê-la em sala de aula).

2 Chevallard (1999, p.39) apresenta a definição de transposição didática como sendo: Um conteúdo do saber que tenha sido designado como saber a ensinar, sofre por conseguinte, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos de

ensino. O ‘trabalho’ que de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino é designado

Assim, entende-se que cada atividade matemática possui uma organização didática correspondente e que os conteúdos matemáticos, o conjunto de objetos matemáticos a serem trabalhados em sala de aula, apresentam uma forma específica de abordagem sendo necessário que o sujeito reorganize seus conceitos e mobilize seus saberes a respeito.

A palavra praxeologia é constituída por dois termos gregos, práxis (prática) e logos (razão), os quais encontram-se integrados, Chevallard; Bosch; Gascón (2001) explicam que, “como dois lados de uma moeda, não há práxis sem logos, mas também não há logos sem práxis” (p. 251). Portanto, as

praxeologias podem ser descritas por meio dos componentes tarefa e técnica,

referindo-se ao saber-fazer, e à tecnologia e teoria, as quais constituem o saber. Chevallard (1991) apresenta notações próprias para identificar cada uma dessas componentes praxeológicas da seguinte forma: tarefa pelo símbolo (t),

tipos de tarefas pelo símbolo (T), técnica pelo símbolo (ô), tecnologia pelo

símbolo (θ) e teoria pelo símbolo (Θ). De acordo com o autor, a tarefa faz parte de um conjunto mais amplo designado de tipos de tarefas, pois tT. O conjunto

de técnicas, tecnologias e teorias organizadas para um certo tipo de tarefa é chamado de Organização Praxeológica.

Nesse sentido a tarefa é uma atividade específica, que Chevallard (1999) define como uma ação em que para executá-la, alguns conhecimentos serão mobilizados. Podemos citar como exemplo de tarefa, a seguinte situação em Geometria Analítica:

Tipo de tarefa (T): Calcular a distância entre dois pontos.

Tarefa (t): Calcular a distância entre os pontos A=(7, 3, 4) e B=(1, 0, 6).

O exemplo acima permite perceber que a tarefa (t) encontra-se estreitamente relacionada com um tipo de tarefa (T) e pode ser identificada por meio de um verbo de ação que, segundo Almouloud (2007), caracterizaria um gênero de tarefa, como: determinar, calcular, resolver, localizar, somar,

decompor, os quais não determinam o conteúdo estudado. Também é

fundamental garantir que exista uma maneira de realizar uma tarefa que pertença a um determinado tipo de tarefa. Tal maneira de realizar uma tarefa pertencente a um dado tipo de tarefa, designa-se de técnica. A técnica

representa o procedimento adotado para solucionar uma determinada tarefa (t) de certo tipo de tarefa (T).

Nesse sentido, uma técnica não representa uma decisão aleatória, pois não se usa qualquer técnica para resolver uma tarefa. Conforme a TAD, a técnica para resolver uma dada tarefa não é única, mas a escolha de uma técnica sempre vem acompanhada de uma justificativa. Assim, existe um conhecimento matemático para justificar a sua aplicação naquela tarefa e não em outra, e também existe um conhecimento didático que justifica a escolha daquela técnica ao invés de outra que produziria o mesmo resultado matemático. Tais conhecimentos, matemático e didático, devem explicar a razão para ela funcionar naquele caso específico e por quais motivos ela seria a técnica mais indicada. No exemplo citado anteriormente podemos usar como técnica:

Técnica (ô): Utilizar a fórmula d(A,B)=

.( − ! )² + ( − ! )² + ( − ! )² para calcular a distância entre dois

pontos. Segundo os dados apresentados na questão ! = 7 1 = 1; ! = 3 1 = 0 e ! = 4 1 = 6. Logo, a distância entre os pontos A e B será

.(7 − 1) + (3 − 0)² + (4 − 6)² = √49 = 7

Para o exemplo mencionado acima, definimos uma técnica (ô) na realização dessa tarefa, no entanto, toda técnica precisa ser justificada, isto é, um campo teórico para fundamentá-la. A esse bloco, constituído por um tipo de tarefa e uma técnica, Chevallard (1999) designa de bloco prático-teórico e pode ser identificado como um saber-fazer. Esse saber-fazer não se apresenta de forma isolada, pois toda técnica exige, pelo menos, uma justificativa, quer dizer, exige um “discurso lógico” (logos) que lhe sustenta, denominado de tecnologia (θ).

No termo tecnologia não existe qualquer alusão a um produto industrializado ou a algum utilitário. Tecnologia, no contexto da TAD, é a justificativa que se dá para um procedimento e tem o intuito de justificar “racionalmente” a técnica usada no desenvolvimento de uma determinada tarefa, além de “explicar/esclarecer” a técnica, com o propósito de garantir que a mesma seja corretamente realizada.

Considerando o exemplo citado e a técnica usada para resolução dessa tarefa, é possível justificá-la por meio da fórmula da distância entre dois pontos e das propriedades das operações aritméticas.

Por outro lado, a tecnologia (θ) exige uma justificativa em um nível superior que Chevallard (1999) denomina de teoria (Θ). A este bloco, referente ao papel que a tecnologia e a teoria possui em relação à técnica, Chevallard (1999) denomina de bloco tecnológico-teórico (θ/Θ), pois está relacionado com o “saber”. Como exemplo desse bloco podemos considerar os campos da Matemática, tais como: Geometria, Geometria Analítica e Álgebra.

Na perspectiva da TAD o componente mais amplo considerado em uma praxeologia é a teoria que transmite a ideia de generalidade, abstração. Sales (2010) indica que pode ser equivalente a um contemplar o cenário em busca das causas, dos objetivos e dos porquês.

A luz da TAD muitas vezes o que propomos como tecnologia pode ser considerado como a própria teoria. Mas, fica evidente, que essa alteração de posição depende da complexidade da tarefa e do nível de ensino a que foi destinada.

Observamos então, que uma organização didática não é determinada por uma ação isolada do professor, pois os fatores sociais e estruturais da disciplina influenciam fortemente na ação do professor no momento em que ele decide a organização didática que orientará a atividade proposta. Também é possível notar que a atitude do estudante mediante as atividades de estudo, sofre influência desses fatores.

Refletindo sobre as ideias da TAD recordamos que a teoria sugere um modelo de estudo da atividade matemática. Tal atividade consiste em “manipular” os objetos matemáticos, ostensivos ou não-ostensivos, e designa- se praxeologia. Uma praxeologia é composta de duas partes com dimensões distintas, a saber: a prática e a razão.

2.1.1 Os objetos ostensivos e não ostensivos

A dificuldade com a “natureza” do objeto matemático e com o seu funcionamento em uma atividade matemática levaram Bosch e Chevallard

(1999, apud ALMOULOUD, 2007) ainstituir uma dicotomia fundamental que os diferencia em dois tipos: objetos ostensivos e objetos não-ostensivos.

A atividade matemática, segundo a TAD, se realiza mediante uma pluralidade de registros (escrito, gráfico, verbal, gestual e material). Sendo a Matemática uma ciência essencialmente abstrata, seus elementos fundamentais ou conceitos, não são tangíveis senão pela mediação de signos. A TAD não atribui valor aos signos e não os classifica em mais ou menos apropriados. Uma figura, uma descrição verbal ou um gesto pode desempenhar o mesmo papel ou possuir o mesmo significado.

O termo ostensivo é original do latim (ostendere) e significa mostrar, apresentar, apelar aos sentidos. Os ostensivos são todos os objetos manipuláveis na execução de uma atividade matemática. Por sua vez, os não- ostensivos são objetos que existem de forma institucional, tais como as ideias, as instituições ou os conceitos e podem ser invocados mediante a manipulação adequada de certos ostensivos apropriados (ALMOULOUD, 2007).

Na execução de uma atividade humana, em particular a atividade matemática, existe uma relação entre objetos ostensivos e não-ostensivos. No campo da antropologia, Almouloud (2007) aponta que é possível dizer que “o cumprimento de toda tarefa envolve a manipulação de ostensivos regulados

pelos não-ostensivos, fazendo com que os objetos ostensivos tornem-se a parte

perceptível da atividade” (p.120).

Sales (2010) indica que nessa teoria é fundamental admitir que a “apropriação” de um objeto não-ostensivo não encontra-se diretamente ligada a um ostensivo. Essa “apropriação” de um conceito matemático, dito objeto não- ostensivo, é resultado de diversos fatores, de uma organização didática ou de uma atividade matemática complexa em que múltiplos recursos são mobilizados. Consideramos a TAD um importante instrumento de análise para nossa pesquisa, pois representa um modelo epistemológico de análise de atividades matemáticas e visa compreender o que é fazer matemática e como o conhecimento é produzido.

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