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TEORIA DA APLICABILIDADE DIRETA OU EFICÁCIA IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.3 TEORIAS ACERCA DA EFICÁCIA HORIZONTAL

2.3.3 TEORIA DA APLICABILIDADE DIRETA OU EFICÁCIA IMEDIATA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A teoria da Aplicabilidade Direta defende o entendimento de que os direitos fundamentais devem ter eficácia imediata também nas relações entre particulares. Assim, seriam aplicados tal qual o são nas relações do indivíduo com o Estado, sem a necessidade de nenhum intermédio, como a mediação do Poder Legislativo, por exemplo.

Surgiu devido aos estudos de Hans Carl Nipperdey, na década de 50, na Alemanha. Nipperdey acreditava que os direitos fundamentais possuíam um caráter duplo: alguns só poderiam ser oponíveis perante as relações entre indivíduo e Estado, enquanto que outros, devido às suas características especiais, poderiam ser oponíveis erga omnes, ou seja, até mesmo nas relações entre particular e particular, independentemente de haver qualquer tipo de mediação por parte do legislador infraconstitucional. Isso porque percebeu que, na atual sociedade, são muitas as fontes de perigo aos direitos fundamentais, não se limitando mais apenas à Administração Pública.

Não haveria, portanto, motivo para intermediação legislativa, tendo em vista que esses direitos foram formalmente reconhecidos nas Constituições justamente com a finalidade de suprir a omissão do legislador infraconstitucional em determinados casos.

Tampouco haveria a necessidade de existir as denominadas “pontes”, que foram vistas na teoria da eficácia mediata, sendo tais pontes representadas, especialmente, pelas cláusulas gerais e pelos conceitos jurídicos indeterminados, para que os direitos fundamentais pudessem se irradiar no ordenamento civil e, consequentemente, nas relações entre particulares.

Nipperdey exclui da sua teoria os direitos fundamentais clássicos que, segundo ele, são a maioria e vinculam apenas o Poder Público, não se destinando aos particulares, eis que seriam direitos subjetivos em face do Estado. De outro lado, afirma que existem direitos fundamentais nos quais sua própria natureza já impõe a ideia de eficácia horizontal imediata, como ocorre com os direitos à honra, à intimidade e à imagem, por exemplo.

Os defensores desta teoria tentam fazer com que os particulares sejam mais protegidos em relação a grupos privados ou indivíduos de poder, visando a uma maior sensibilidade às relações de desigualdade existentes no trabalho, na política e na vida social, com uma clara visão de justiça social e isonomia.

O fundamento desta teoria advém da concepção dos direitos fundamentais enquanto valores que emergem por todo o ordenamento jurídico, e rejeitar a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações particulares significa atribuir às normas fundamentais um sentido meramente declaratório.

Percebe-se até aqui então que a grande diferença entre esta teoria e a anteriormente estudada é que a da eficácia direta entende que os direitos fundamentais podem ser aplicáveis nas relações particulares sem a necessidade das chamadas “pontes” da teoria da eficácia indireta, que acredita ser imprescindível uma mediação legislativa para que haja a aplicação desses direitos na esfera privada. A razão de não precisar haver tais pontes seria o fato de que os direitos fundamentais são direitos subjetivos dos particulares nas relações com seus semelhantes.

Apesar de não ter tido muita repercussão na Alemanha, país de origem de Nipperdey, do modo como ocorreu com a teoria da eficácia indireta, a teoria

da eficácia direta é utilizada, como imposição constitucional, em países como África do Sul e Portugal. Ainda, como bem lembrou Daniel Sarmento53, surgiu

na América Latina, pela primeira vez, numa decisão da Corte Suprema da Argentina e foi se disseminando pelo continente.

Vale ressaltar aqui que, ao contrário do que leva a crer os argumentos dos seus opositores, esta teoria não é desfavorável à autonomia privada, e nem pretende de alguma forma aboli-la. O seu entendimento é que se deve fazer um juízo de ponderação em cada caso concreto para que saibamos, especificamente, qual deve prevalecer: a garantia da autonomia do particular ou a aplicação o direito fundamental em questão.

Essa suposta violação à autonomia privada é uma das críticas que a teoria da eficácia direta sofre, alegando-se que haveria uma perda de identidade do Direito Civil em face dos direitos fundamentais e, ainda:

A Constituição, em princípio, não é o lugar correto nem habitual para regulamentar as relações entre cidadãos individuais e entre pessoas jurídicas. Nisso consiste, muito pelo contrário, a tarefa específica do Direito Privado, que desenvolveu nesse empenho uma pronunciada autonomia com relação à Constituição; e isso não vale apenas em perspectiva histórica, mas também no tocante ao conteúdo, pois o Direito Privado, em regra, disponibiliza soluções muito mais diferenciadas para conflitos entre os seus sujeitos do que a Constituição poderia fazer. 54

53 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a jurisprudência do STF. Disponível em: http://www.danielsarmento.com.br/wp- content/uploads/2012/09/a-vinculacao-dos-particulares-aos-direitos-fundamentais-na-

jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.

54 CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na

Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 227.

Outra crítica, essa mais relevante, principalmente para ordenamentos com sistema de controle de constitucionalidade concentrado, se relaciona à constitucionalização dos conflitos entre os particulares e o suposto caos que essa situação provocaria diante da Jurisdição Constitucional. No âmbito do controle de constitucionalidade brasileiro, essa crítica perde sentido devido ao fato de termos um sistema misto de controle, também existindo aqui o chamado controle difuso, no qual um juiz singular poderia apreciar a questão, sem a necessidade de uma Corte Constitucional realizar essa apreciação.

Vale ressaltar que os direitos fundamentais não operariam com eficácia absoluta e irrestrita nas relações entre particulares: cada caso de colisão de direitos fundamentais deverá ser analisado de forma separada para que, em cada caso concreto seja levado em conta os princípios da proporcionalidade, e da autonomia privada. Nas lições de Paulo Gustavo Branco e Gilmar Mendes55:

“em qualquer caso é necessário ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada do particular, e que o grau de desigualdade da relação jurídica constitui dado relevante para decisão do caso”.

A teoria da eficácia imediata é a que possui mais adeptos na doutrina brasileira, incluindo importantes autores, como Ingo Wolfgang Sarlet56, Daniel

Sarmento57, Luis Roberto Barroso58, dentre outros e, também, ousamos afirmar,

pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ainda que não admitida expressamente.

Daniel Sarmento, inclusive, alega que, devido ao fato de estarmos diante de uma sociedade extremamente desigual, como o é a sociedade brasileira, é necessário que seja aplicada uma eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, para que seja reforçada a tutela dos direitos

55 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocência Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Hermenêutica constitucional, p. 88.

56 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2009. 57 SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a jurisprudência do STF. Disponível em: http://www.danielsarmento.com.br/wp- content/uploads/2012/09/a-vinculacao-dos- particulares-aos-direitos-fundamentais-na- jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf. Acesso em: 01 fev 2013.

58 BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo:

humanos na esfera privada, não apenas por questões jurídicas, mas também, principalmente, por questões de ética e de justiça.

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