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A eficácia horizontal dos direitos fundamentais: as teorias e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do tema

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA CAROLINA DOS SANTOS DE ARAGÃO

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

AS TEORIAS E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO TEMA

NITERÓI 2012

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ANA CAROLINA DOS SANTOS DE ARAGÃO

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

AS TEORIAS E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO TEMA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MANOEL MARTINS JÚNIOR

NITERÓI 2012

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ANA CAROLINA DOS SANTOS DE ARAGÃO

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

AS TEORIAS E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DO TEMA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito

Aprovada em março de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Prof. MANOEL MARTINS JÚNIOR – Orientador UFF Prof. UFF Prof. UFF NITERÓI 2012

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RESUMO

O objetivo principal deste trabalho acadêmico é realizar a identificação dos efeitos que as normas de direitos fundamentais produzem nas relações entre particulares, ou seja, como essas normas podem ser aplicadas no plano horizontal, e não apenas no vertical, no qual se encontram as relações entre indivíduos e Estado.

Será feito, inicialmente, um apanhado da doutrina em relação ao conceito de direitos fundamentais e serão elencadas e explicadas as cinco dimensões reconhecidas pela doutrina majoritária dos direitos fundamentais. Após, serão abordadas as suas características e realizada uma breve evolução histórica de tais direitos.

Para tentar explicitar de que forma e em qual extensão tais normas de direitos fundamentais incidem nesse tipo de relação, serão enumerados os modelos de eficácia (teorias) divergentes entre si e as principais críticas que os referidos modelos recebem da doutrina.

Serão confrontadas as posições do direito comparado para, em seguida, realizar uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que foi levantada e que trata do tema em comento.

Vale ressaltar que, durante todo o trabalho, serão feitas imersões na teoria geral dos direitos fundamentais, já que esta é inerente ao tema objeto do estudo, com o objetivo de proporcionar a este trabalho um estudo mais aprofundado da questão, especificamente no que tange à aplicabilidade, eficácia e extensão dos direitos fundamentais nas relações da esfera privada. Palavras chave: Direitos Fundamentais. Eficácia. Extensão. Limites. Relações Particulares.

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ABSTRACT

The main objective of this academic work is to identify the effects that fundamental rights rules produce in relations between individuals, in other words, how these standards can be applied in the horizontal plan, and not just in the vertical one, in which are relations between individuals and the State.

It will be done, initially, an overview of the doctrine about the concept of fundamental rights and will be listed and explained the five dimensions recognized by the majority doctrine of fundamental rights. After that, we will discuss the characteristics and conduct a brief historical evolution of such rights.

To try to explain how and in what extent such standards of fundamental rights concern in this type of relationship, will be listed divergent efficacy models (theories) and the main reviews that these models got from the doctrine.

Different aspects of the law will be confronted and compared; furthermore analyses of the Supremo Tribunal Federal jurisprudence will also be done.

It is noteworthy that, throughout the work, immersions in the general theory of fundamental rights will be made, since this is inherent to the theme object of study, with the goal of providing this work a further study of the issue, specifically with regard to applicability, effectiveness and extent of fundamental rights in the relations of the private sphere.

Key words: Fundamental Rights. Efficacy. Extension. Limits. Private Relationships.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 9

1.1 TERMINOLOGIA ADEQUADA 9

1.2 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS 11

1.3 DIFERENTES CONCEITUAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 13 1.4 CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 15

1.5 DIMENSÕES DE DIREITOS 19 1.5.1 PRIMEIRA DIMENSÃO 19 1.5.2 SEGUNDA DIMENSÃO 20 1.5.3 TERCEIRA DIMENSÃO 22 1.5.4 QUARTA DIMENSÃO 24 1.5.5 QUINTA DIMENSÃO 24

2. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 26 2.1 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A DIVISÃO DE JOSÉ AFONSO DA SILVA 26

2.2 EFICÁCIA VERTICAL E HORIZONTAL 29

2.3 TEORIAS ACERCA DA EFICÁCIA HORIZONTAL 31

2.3.1 TEORIA DA STATE ACTION 31

2.3.2 EFICÁCIA MEDIATA OU INDIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 34 2.3.3 TEORIA DA APLICABILIDADE DIRETA OU EFICÁCIA IMEDIATA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS 38

2.3.4 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OU DA CONVERGÊNCIA ESTATISTA 42

2.3.5 TEORIA CONCILIADORA DE ALEXY 43

3. VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL 45 3.1 COMENTÁRIOS ACERCA DA POSIÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA 45 3.2 A PRÁTICA JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS 64

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INTRODUÇÃO

O artigo parte da eficácia do Estado em relação aos direitos fundamentais para com o ser humano, para alcançar outro tipo de eficácia: a eficácia horizontal. Isso porque o Estado não é a única ameaça aos direitos fundamentais. Em uma sociedade plural, instituições privadas desempenham importantes funções na vida em sociedade e podem influir de forma prejudicial no sistema político e nas relações com os indivíduos. É importante salientar que, apesar de se fundarem, pelo menos aparentemente na autonomia da vontade, esta relação de ameaça não só a atividade estatal, mas também os direitos fundamentais dos indivíduos.

Começa-se, então, a discutir a aplicabilidade dos direitos fundamentais entre os seres humanos nas relações privadas, ou seja, a aplicabilidade dos direitos fundamentais no plano horizontal. A polêmica, no entanto, está na questão de como e em que extensão essas normas de direitos fundamentais produzem os citados efeitos nas relações entre particulares, havendo, na doutrina e na jurisprudência, posições divergentes.

Será indagado, assim, em que extensão essas normas influenciarão o sistema jurídico e se a vinculação dos particulares terá as mesmas características presentes na vinculação dos Poderes Públicos em relação à esfera privada.

Para chegar às conclusões, parte-se inicialmente de uma discussão acerca da terminologia adequada para o tema, onde será escolhido o termo “direitos fundamentais”. Após, haverá um breve apanhado histórico sobre a evolução dos direitos fundamentais.

Em seguida, serão discutidas as diferentes conceituações do termo “direitos fundamentais” na doutrina. Uma abordagem sobre características de tais direitos suas é a parte seguinte.

Adiante, serão abordadas as cinco dimensões de direitos fundamentais conhecidas pela doutrina, fazendo-se a opção, por utilizar o termo “dimensão” em vez de “geração”, utilizado por Norberto Bobbio.

Posteriormente, são discutidas as diferentes eficácias dos direitos fundamentais, quais sejam, a horizontal e a vertical para, em seguida, abordar as diferentes teorias da eficácia horizontal, isto é, a eficácia nas relações

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privadas. Serão abordadas as teorias da State Action, da Eficácia Mediata ou Indireta, da Eficácia Imediata ou Direta, da Imputação ou da Convergência Estatista e, por fim, a teoria Conciliadora de Alexy.

No último capítulo, será feito um breve apanhado sobre as considerações da doutrina brasileira acerca das teorias antes explicadas. Finalmente, será realizado um levantamento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que terão o intuito de explicitar qual das teorias vinha sendo aplicada e qual vige atualmente neste tribunal.

Nas conclusões, serão abordadas as considerações sobre as teorias da eficácia nas relações privadas.

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1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 TERMINOLOGIA ADEQUADA

Insta, nesse momento, discorrer brevemente acerca da terminologia adequada para ser utilizada ao tema deste trabalho. Autores consagrados, como Paulo Bonavides1 e Gomes Canotilho2, fazem uma distinção entre as

expressões “direitos humanos” e “direitos fundamentais”. Em essência, no entanto, o conteúdo de ambos é bastante similar.

“Direitos humanos” tem sua origem no ordenamento jurídico dos Estados Unidos e tem por base direitos que sejam invariáveis no tempo e no espaço e que pertençam a todos da sociedade, indistintamente. Ainda que não tenham sido declarados (positivados) na ordem jurídica, são inerentes aos seres humanos, e possuem caráter supranacional e universal. Nas palavras de Mendes, Branco e Coelho:

A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas contam índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular.

A expressão direitos humanos, ainda, e até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é empregada para designar pretenções de respeito à pessoa humana, inseridas em tratados e em outros documentos de direito internacional. 3

Enquanto que a expressão “direitos fundamentais” tem sua origem no direito alemão e diz respeito aos direitos que se encontram positivados, que já foram declarados no ordenamento jurídico de cada Estado. Por isso, variam no

1 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed.

Coimbra: Almedina, 1993.

3 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 125.

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tempo e no espaço, diferentemente dos direitos humanos, já que depende da positivação no ordenamento.

Portanto, basicamente, o que os distinguiria é a sua fonte normativa. Canotilho argumenta que:

Direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); Direitos Fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. 4

Ainda vale ressaltar que o grau de proteção ou de efetividade desses dois tipos de direito também não é semelhante. O ordenamento interno possui mecanismos para implementar os direitos fundamentais de maneira muito mais célere e eficaz que a ordem internacional dispõe para implementar os direitos humanos nos Estados. 5

Usaremos o termo “direitos fundamentais”, pois, além de tratarmos neste trabalho de direitos positivados na ordem jurídica, é a terminologia mais utilizada pela doutrina, como em Dirley da Cunha Jr.6, Paulo Gustavo Gonet7 e

Rodrigo Padilha8. Além disso, também foi a nomenclatura escolhida por nossa

Constituição, que se refere a “direitos e garantias fundamentais” quando trata da ordem jurídica interna.

Importa ressaltar também a diferença existente entre os termos “direitos” e “garantias” fundamentais. Rui Barbosa, no texto da Constituição de 1891, foi o primeiro a destacar essa diferenciação: o art. 5º, §1º, daquela Constituição, dispunha que: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 359. 5 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 126.

6 JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2008

7 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007 8 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional Sistematizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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“Direitos”, em sua concepção clássica, “seria a disposição meramente declaratória que imprime existência legal ao direito reconhecido” 9, sendo

normas de natureza material. Seria a proteção aos bens jurídicos tutelados, através da norma jurídica. Ainda, atrelado ao conceito de “direitos”, está o de “deveres”, na seguinte maneira: todo direito corresponde sempre a um dever. Este seria normas que impõem condutas de respeito às regras de direitos fundamentais, possuindo um caráter limitativo da autonomia privada.

Por outro lado, as garantias seriam disposições com caráter instrumental que buscam defender o cumprimento das normas que estabelecem os direitos. Servem para assegurar o cumprimento dos direitos por meio de uma limitação ao Poder Público. Preventivamente, garantem o exercício dos direitos e, repressivamente, repara aqueles direitos.

Pedro Lenza nos fornece um exemplo didático: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos – art. 5º, VI (direito) – garantindo-se, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos (garantia)10”.

1.2 BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, da forma como são conhecidos atualmente, são resultado de uma evolução histórica, que passou por muitas lutas, revoluções e rupturas sociais, que tinham o objetivo de valorizar o homem e protegê-lo dos abusos constantemente cometidos pelo Estado, como bem salientou o doutrinador Daniel Sarmento.11

O início data da Idade Média, quando o Rei João da Inglaterra, em 1215, assina a Magna Carta, que não era propriamente uma declaração de direitos (era um documento concedendo alguns direitos aos senhores feudais), mas foi a primeira vez na qual um rei tinha seu comportamento limitado através de um documento por ele assinado.

9 MARTINS, Flávia Bahia. Direito Constitucional, p. 81.

10 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 671.

11 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro:

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Mas o nascimento formal da noção de direitos fundamentais data da metade do século XIII, marcada pela Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos. Conforme nos ensina Jane Reis Gonçalves Pereira:

O conceito de direitos humanos é um artefato da Modernidade. Foram as revoluções liberais que – apoiadas no substrato filosófico do contratualismo – converteram em textos jurídicos a concepção, que assumiu prevalência nos séculos XVII e XVIII, de que o homem é titular de direitos que antecedem a instituição do Estado, razão porque lhe deve ser assegurada uma esfera inviolável de proteção. 12

Na Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 (Bill of Rights) e na Declaração de Direitos Francesa de 1789 foram previstos os direitos fundamentais de primeira dimensão, que serão melhor estudados em seguida, mas que se caracterizam pelo desejo de não intervenção do Estado na esfera individual, não havendo, ainda, grandes preocupações com a coletividade e com a minimização dos problemas sociais.

Ambas previam os direitos à liberdade religiosa, à propriedade, à igualdade, à liberdade de imprensa, ou seja, todos deveres do Estado para não intervir.

Após esses dois documentos, os Estados passaram a declarar formalmente quais eram os seus direitos fundamentais, havendo uma maior efetivação desses direitos no século XIX. Exemplos seriam a Constituição Espanhola de 1812 e a Constituição Portuguesa de 1822.

Já no século XX, começa a haver uma maior preocupação com os direitos sociais, ligados a uma ideia de justiça social, e que se caracterizam por ser direitos de segunda dimensão, que serão brevemente melhor estudados. Surgem devido, principalmente à Revolução Industrial, que trouxe consigo péssimas condições de trabalho e pobreza extrema, formando-se daí uma nova classe: a classe do proletariado. Exemplos claros seriam a Constituição

12 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar (Alemanha) de 1919, além de também fazer valer a menção da Declaração do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, na antiga União Soviética.

Por fim, a partir da década de 1970, surge a terceira dimensão de direitos, conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade, que engloba direitos bem diversos, como o direito à paz, ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e ao meio-ambiente. Vale ressaltar como exemplos internacionais o Pacto sobre o Patrimônio Universal, de 1972, o Pacto sobre a Diversidade Biológica, de 1992, além do Protocolo de Kyoto.

1.3 DIFERENTES CONCEITUAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A doutrina não converge a uma definição única acerca dos direitos fundamentais. Esta se altera conforme a ideologia do Estado e os princípios que sua Constituição assegura. Dessa forma, tais direitos não são unânimes em todos os Estados: cada um possui os seus próprios direitos de modo individualizado e, nos dizeres de Paulo Bonavides, “os direitos fundamentais são a bússola das Constituições13”, não sendo possível haver

constitucionalismo sem direitos fundamentais.

Gomes Canotilho 14 enumera e disserta sobre as diferentes teorias dos

direitos fundamentais. Para ele, seriam as seguintes: Teoria Liberal, Teoria da Ordem de Valores, Teoria Institucional, Teoria Social, Teoria Democrática Funcional e Teoria Socialista.

Durante o século XIX, as noções jusnaturalistas sobre os direitos fundamentais deram espaço para noções positivistas, que passaram a vê-los como sendo direitos e garantias constitucionais. No entanto, o ideal positivista perdeu força devido aos regimes totalitários, principalmente, da Alemanha e Espanha, e as consequentes duas Grandes Guerras Mundiais, já que essa ideologia, em vez de proteger as pessoas de tais massacres, pelo contrário, positivou tais regimes, que agiam na mais perfeita legalidade. 15

13 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 615-616.

14 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p.

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Nesse momento, principalmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, feita pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1948, a dignidade da pessoa humana passou a ser vista como um ideal a ser atingido por todos os países, sendo um atributo inerente a qualquer ser humano e irradiando-se para as novas Constituições do pós-guerra.

As atuais definições dos direitos fundamentais não mais se baseiam apenas no direito natural ou no direito positivo, mas em concepções pós-positivistas, ligadas intimamente à ideia de valorização das Constituições.

Nesse interim, Ingo Wolfgang Sarlet nos ensina a Constituição como sendo “condição de existência das liberdades fundamentais, de forma que os direitos fundamentais somente poderão aspirar à eficácia no âmbito de um autêntico Estado constitucional”. 16

Ainda, Fábio Comparato realiza a conceituação do direito fundamental como sendo aquele “reconhecido como tal pelas autoridades, às quais se atribui poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas Constituições, nas leis, nos Tratados Internacionais”. 17

Definição bastante adequada dentre os autores nacionais é a de Dirley da Cunha Junior:

São todas aquelas posições jurídicas favoráveis às pessoas que explicitam, direta ou indiretamente, o princípio da dignidade humana, que se encontram reconhecidas no teto da Constituição formal

15

Em 1934, o presidente Hidenburg faleceu e segundo uma lei aprovada no dia anterior à sua morte, o cargo seria ocupado por Hitler e com a oposição enfraquecida e acuada pelos atos de violência, Hitler assumiu do poder e implantou o regime nazista preocupando-se em dar ao processo a maior legalidade possível (na verdade, uma aparência), conseguindo receber do parlamento uma lei de plenos poderes. Convocou, também, um plebiscito para aprovar o novo regime, no qual obteve apoio de 90 % do eleitorado. Assim nasceu o Terceiro Reich. Para dar essa dar uma impressão de "legalidade" nesta atitude criminosa usavam leis criadas anteriormente pelo próprio regime. (MACEDO, Benedito. Lei De Nuremberg 1935 Ou Lei Da Cidadania Do Reich. Disponível em: http://www.artigonal.com/direito-artigos/lei-de-nuremberg-1935-ou-lei-da-cidadania-do-reich-1912933.html).

16 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 59.

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(fundamentalidade formal) ou que, por seu conteúdo e importância, são admitidas e equiparadas, pela própria Constituição, aos direitos que esta formalmente reconhece, embora dela não façam parte (fundamentalidade material). 18

1.4 CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os doutrinadores concedem aos direitos fundamentais, ou seja, o direito à vida, liberdade, propriedade, segurança e igualdade e seus desdobramentos, algumas características, dentre elas: a universalidade, relatividade, indisponibilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, aplicabilidade imediata e historicidade.

São universais, eis que não há restrições para sua titularidade: todos os seres humanos, independente de raça, sexo, ideologia política e situação econômica, possuem a ele imanentes a garantia a tais direitos.

No entanto, como bem lembrado por Mendes, Branco e Coelho19, não é

sempre que a qualidade de ser humano basta para portar a titularidade desses direitos, já que alguns deles são específicos para determinadas pessoas. No Brasil, há direitos fundamentais que pertencem a todos, como o é o direito à vida e à saúde, por exemplo, e há alguns direitos que não são garantidos a todos, caso clássico do art. 7º da Constituição da República, que lista os direitos dos trabalhadores.

A característica da relatividade se refere ao fato de que os direitos fundamentais não são absolutos, podendo ser relativizados, como já decidiu o STF, no Mandado de Segurança 23.452/RJ:

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS 18 JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p.573.

19 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 119.

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BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO (...). Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. (...).20

A indisponibilidade (ou inalienabilidade) se relaciona à ausência de caráter econômico-patrimonial nos direitos fundamentais. Seu núcleo essencial, portanto, é intransferível e inegociável, não podendo sofrer atos de disposição por inteiro, com vistas à possibilidade de ocorrência de violação à dignidade da pessoa humana.

Seu objetivo é impedir que o titular do direito fique impedido física ou juridicamente de exercê-lo. Dessa forma, um contrato que dispusesse sobre a alienação de algum direito que não a permita de forma alguma, como é o caso do direito à vida e à saúde, seria absolutamente nulo por ilicitude do objeto21.

Podemos, apenas, dispor de alguns aspectos concretos de direitos que permitam a alienação parcial, como é comumente visto em programas tipo reality shows, nos quais os participantes concordam em limitar sua intimidade para serem filmados e concorrerem ao prêmio. Configura-se como sendo, portanto, um limite ao princípio da autonomia privada.

São imprescritíveis 22 porque não estão sujeitos ao decurso do tempo.

Seu titular não os perderá se não usá-los com o passar do tempo. “Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição23”. Tal caráter, no 20 Supremo Tribunal Federal, MS 23.452/RJ, j. 16/09/1999, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/05/2000.

21 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 124.

22 “Imprescritível” é a terminologia mais comumente usada, mas apresenta um equívoco, pois um direito, com o passar do tempo, pode vir a sofrer a decadência; de outro lado, a prescrição é a perda da pretensão.

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entanto, não impede que manifestações concretas desses direitos sejam prescritíveis. Não é uma regra absoluta, pois alguns direitos são prescritíveis, como a propriedade, que pode ser sofrer o instituto da usucapião.

A irrenunciabilidade é característica que protege o titular do direito dele mesmo. Não é possível a renúncia definitiva e completa a um direito fundamental. A doutrina vem admitindo a possibilidade da renúncia desde que ela seja temporária e excepcional, como no exemplo dos realities shows, dado por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, no qual “as pessoas participantes, por desejarem receber o prêmio oferecido, renunciam, durante a exibição do programa, à inviolabilidade da imagem, da privacidade e da intimidade (art. 5º,

X , CF)."24

Ainda tem o aspecto da aplicabilidade imediata, configurada devido ao art. 5º, §1º da Constituição que dispõe que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Isso significa dizer que as normas que estabelecem direitos fundamentais não são meramente programáticas, não são apenas modelos para outras normas, mas sim, são normas que diretamente regulam relações jurídicas. Para Mendes, Branco e Coelho:

Os juízes podem e devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob a sua apreciação. Não é necessário que o legislador venha, antes, repetir ou esclarecer os termos da norma constitucional, para que ela seja aplicada. O art. 5º, §1º, da CF, autoriza que os operadores do direito, mesmo à falta de comando legislativo, venham a concretizar os direitos fundamentais pela via interpretativa. Os juízes, mais do que isso, podem dar aplicação aos direitos fundamentais mesmo contra a lei, se ela não se conformar ao sentido constitucional daqueles. 25

24 Alexandrino, Marcelo e Paulo, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado, p. 102.

25 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 134.

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Contudo, há normas de direitos fundamentais que não possuem a característica da auto-aplicabilidade. Exemplo clássico são as normas de direitos sociais, como o lazer e a educação. Tais normas necessitam de intervenção do legislador infraconstitucional para que possam ser devidamente aplicadas e produzir todos os efeitos almejados pelo Poder Constituinte Originário. Outro exemplo concreto é o art. 5º, XXXVIII, que fala sobre o instituto do Júri (“é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: [...]”): para que tal norma produza todos os seus efeitos, é necessária uma legislação processual específica, já que é de densidade normativa baixa.

Finalmente, ainda podemos destacar a historicidade, que se refere ao fato de que os direitos fundamentais não nasceram de uma só vez, sendo provenientes do desenvolvimento histórico-cultural e das mudanças sociais e políticas de cada Estado. Sendo assim, a História é instrumento importante para perceber esse aspecto de que não são definitivos, passando constantemente por alterações. Essa característica representa o caráter evolutivo dos direitos fundamentais. De acordo com os ensinamentos de Norberto Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (...) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. 26

1.5 DIMENSÕES DE DIREITOS

O caráter histórico dos direitos fundamentais exposto acima explica bem o motivo de a doutrina classificá-los em gerações ou dimensões. Gradativamente, através de um processo de evolução, os direitos fundamentais

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foram sendo inseridos e positivados nos ordenamentos jurídicos dos Estados, sendo um decorrência direta do outro.

Há que ser salientada a crítica que a doutrina faz ao termo “gerações”, pois ele nos concede uma concepção errada de que haveria uma substituição ou de superação de direitos: os da segunda geração substituíram os da primeira e assim por diante. Hoje, o termo preferido a ser utilizado pela doutrina é o de “dimensões”, já que não confere uma ideia de linha sucessória, de substituição de direitos, mas de continuidade.

Norberto Bobbio, em seu livro A Era dos Direitos 27, realiza pela primeira

vez a divisão dos direitos em gerações, divisão esta que se tornou clássica e utilizada até hoje por vários doutrinadores renomados.

A primeira geração, para Bobbio, seria a das liberdades públicas, civis e políticas; a segunda, a dos direitos sociais, econômicos e culturais; e a terceira, a dos direitos difusos.

Segundo Paulo Bonavides, a Revolução Francesa, com seu lema “Liberdade, igualdade e fraternidade”, acabou por adiantar como seria a clássica divisão dos direitos. Cada parte do lema corresponde, respectivamente, as três gerações de Bobbio.

1.5.1 PRIMEIRA DIMENSÃO

Essa dimensão, que busca a proteção das liberdades públicas e dos direitos políticos, é fruto dos ideais iluministas do século XVII e XVIII e da Revolução Francesa. Há importantes documentos históricos que antecederam a sua emergência, como: a Magna Carta (1215), a Paz de Westfália (1648), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1688) e a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776).

Começou de fato com a Revolução Francesa e sua Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, objetivando impor limites ao Estado, tendo em vista o nascimento dessa dimensão ter sido contemporânea à ideologia Liberal. A constituição francesa pós-Revolução concretizou os direitos dessa primeira dimensão, que foram se efetivando aos poucos nos

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ordenamentos jurídicos dos Estados durante o Constitucionalismo do século XIX. Pode-se citar a Constituição da Espanha de 1812, a Constituição de Portugal de 1822, a Declaração Francesa de 1848 (inspirada diretamente na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão) e a própria Constituição do Brasil de 1824, que listou vários direitos fundamentais nos trinta e cinco incisos de seu art. 179.28

Nesta dimensão, estão dispostos direitos básicos de liberdade, que se encontram em qualquer constituição, até mesmo em Estados ditatoriais. Seriam direitos a uma prestação negativa por parte do Estado (um non facere), ou seja, o Estado não deve fazer nada a não ser respeitar as liberdades do homem cidadão. Vale salientar que, à essa época, não havia uma preocupação de impor que o Estado realizasse medidas para minimizar problemas sociais: esse não era de longe o foco principal da emergente classe burguesa.

São exemplos desses chamados “direitos da liberdade”, nomenclatura dada por Paulo Bonavides29: direito à vida, propriedade, liberdade de

pensamento e de religião, inviolabilidade de domicílio, de correspondência.

1.5.2 SEGUNDA DIMENSÃO

A segunda dimensão começou com a inspiração da Constituição do México de 1917, a qual foi a primeira constituição a listar direitos sociais, sendo uma expressão dos princípios abalizadores da Revolução Mexicana de 1910 e cuja inspiração foi a teoria anarcossindicalista do russo Mikhail Bakunin. Também foram muito importantes a Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918 e, principalmente, a Constituição de Weimar de 1919, que conferiu maior repercussão a esse tipo de direitos. Esta última foi decorrência histórica da unificação dos Estados alemães e do fim da Primeira Guerra Mundial, conferindo aos cidadãos tanto os direitos individuais da primeira quanto os direitos sociais da segunda dimensão.

Nesses documentos, buscava-se não mais uma abstenção por parte do Estado, mas sim, uma atitude positiva deste para intervir socialmente, pois não 28 Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: (...).

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adiantava possuir liberdades sem que houvesse condições mínimas suficientes para exercê-las.

O evento que marcou tal dimensão foram as Revoluções Industriais, que trouxeram consigo a ganância burguesa, representada pelas péssimas condições no ambiente de trabalho, extensas horas de jornada e abuso no trabalho de mulheres e, até mesmo, crianças. Movimentos como o Cartista na Inglaterra e a Comuna de Paris, na França, em 1848, buscavam justamente a concretização de reinvindicações trabalhistas e a realização de normas de proteção ao trabalhador e de assistência social.

Pretendiam agora uma ação positiva estatal porque, com os graves problemas sociais já mencionados, passaram a perceber progressivamente o papel ativo que o Estado deveria exercer na sociedade para a realização da justiça e do bem estar social. Surge a partir daí o Estado de Bem Estar Social, que buscava a promoção da igualdade material entre os membros da sociedade e os denominados direitos sociais.

Deve ser ressaltada, em relação à nomenclatura “direitos sociais”, a doutrina de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco: eles são assim chamados “não porque sejam direitos de coletividade, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social – na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados”. 30

Tais direitos, aliados a uma justiça distributiva e ao reconhecimento dos direitos dos hipossuficientes “transcendem a individualidade e alcançam um caráter econômico e social, com o objetivo de garantir a todos melhores condições de vida” 31 e uma redução das desigualdades sociais.

Contudo, costuma-se fazer a crítica de que possuem uma baixa densidade normativa. O resultado disso é que a concretização efetiva de muitos desses direitos acaba por ficar muito dependente da ação estatal, principalmente de sua função administrativa e normativa.

30 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de Direito Constitucional, p. 224.

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Exemplos clássicos desses direitos positivos são os direitos à saúde, ao trabalho, à assistência social, à educação, direitos dos trabalhadores, à previdência social e ao lazer.

Na atual Constituição, estão elencados em capítulo próprio: “Dos Diretos Sociais”, no qual estão listados diversos direitos fundamentais, como à saúde, trabalho, moradia, segurança (art. 6º, caput).

1.5.3 TERCEIRA DIMENSÃO

Tais direitos surgem após o fim da Segunda Guerra Mundial, época que marca o espírito de fraternidade entre os homens, provocado pelas tragédias desnecessárias ocorridas durante o conflito. Outro marco histórico dessa dimensão foi a Revolução Tecnocientífica (também conhecida como Terceira Revolução Industrial), que modernizou os meios de comunicação e de transporte, fazendo com que a humanidade se tornasse cada vez mais conectada entre si e com valores compartilhados.

Nela, os direitos fundamentais evoluíram para proteger não apenas o direito de um único indivíduo, mas o direito de um conjunto de pessoas. São direitos transindividuais (também chamados metaindividuais), que buscam a proteção de grupos humanos (como uma família, uma comunidade, um país), e possuem a característica de serem de titularidade difusa ou coletiva stricto sensu32.

Durante essa dimensão, novos problemas passaram a preocupar o homem, como o interesse pela preservação do meio ambiente, por exemplo,

32 Apesar de ser um assunto mais relacionado à área do Processo Civil, vale transcrever o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor que, de forma bastante didática, estabelece a diferença entre direitos coletivos em sentido estrito, direitos individuais homogêneos e direitos difusos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

“I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código,

os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os

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que, se violado, prejudicaria a todos os homens. Nesse momento, o ser humano deixa de ser considerado individualmente e é inserido em uma coletividade, passando a ter direitos de solidariedade e de fraternidade, além de se preocupar mais com o todo social.

Nas palavras de Ingo Sarlet, o que lhe chama atenção em relação aos direitos de terceira dimensão é que estes “trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos.”33

Os exemplos mais comuns fornecidos pela doutrina são os direitos a um meio ambiente sadio e equilibrado, direitos de proteção ao consumidor, direito à paz, à solidariedade e ao desenvolvimento.

Conforme a opinião de Ingo Sarlet 34, tais direitos ainda não estariam

completamente positivados nas Constituições, sendo em sua maior parte encontrados em tratados e outros documentos de caráter transnacional. No caso do Brasil, o Supremo Tribunal Federal já se utilizou do termo “direitos de terceira geração” no RE 134.297/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello e na ADIN 4029/AM, de relatoria do Ministro Luiz Fux, sendo que ambos se referiam ao direito ao meio ambiente equilibrado como sendo um direito garantido pela terceira geração. Além desses, há a recente ADIN1856/RJ, de relatoria do Ministro Celso de Mello, que foi julgada procedente para reconhecer a inconstitucionalidade de lei estadual que acabava por estimular crueldades contra os galos nas chamadas “rinhas de galo”. Com base no mencionado direito de terceira geração, houve a descaracterização dessa atividade como manifestação cultural.

1.5.4 QUARTA DIMENSÃO

Norberto Bobbio acredita também na existência do que seria a quarta dimensão de direitos fundamentais. Ela seria decorrente dos avanços na área de engenharia genética (ou biogenética). Nas palavras do autor, essa dimensão se refere “aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa 33 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 50.

34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p.51.

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biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.35

Rodrigo Padilha ainda elenca direitos decorrentes da biogenética, como “congelamento de embrião, pesquisas com células-tronco, inseminação artificial, barriga de aluguel, etc.”36

No entanto, para Paulo Bonavides, a quarta dimensão há de ter surgido pela influência realizada através da globalização. Ela seria formada pelo direito ao pluralismo político, à informação, à luta pela participação democrática e pela cidadania.

Como se pode perceber, ainda não há uma definição doutrinária pacífica acerca dessa quarta dimensão.

1.5.5 QUINTA DIMENSÃO

Por fim, ainda haveria uma quinta dimensão de direitos. Para Paulo Bonavides, ela corresponde ao direito à paz. Para ele, teria nascido após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Em excelente artigo sobre o tema, Ney Maranhão se lembra de que: (...) em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de 2006, bem como II Congresso LatinoAmericano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza/ CE, em abril de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à possibilidade concreta de se falar, atualmente, em uma quinta geração de direitos fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o atentado terrorista de “11de Setembro”, em solo norte-americano), exsurgiria legítimo falar de um direito à paz.

Já Rodrigo Padilha e Augusto Zimmerman37 acreditam que a quinta

dimensão “aponta para uma nova preocupação no direito, que são as questões inerentes ao universo virtual. Assim, quinta dimensão é apontada como o

35 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, p. 6.

36 PADILHA, Rodrigo. Direito Constitucional Sistematizado, p. 230. 37 ZIMMERMAN, Augusto. Curso de Direito Constitucional, p. 408.

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direito cibernético”.38 Nesse diapasão, teríamos o direito à proteção aos crimes

virtuais, direito autoral virtual e o direito à tutela de softwares.

Da mesma forma que acontece com a quarta dimensão, a doutrina também não se posicionou pacificamente acerca de quais os direitos que estariam inseridos nesta dimensão.

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2. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A DIVISÃO DE JOSÉ AFONSO DA SILVA

A eficácia relaciona-se com a capacidade que a norma possui de produzir efeitos no plano jurídico. Apesar de algumas pequenas diferenças doutrinárias, há concordância de que haveria três tipos de normas constitucionais: as de eficácia limitada, as de eficácia contida e as de eficácia plena.

Segundo José Afonso da Silva, as normas de eficácia contida são aquelas que já foram normatizadas suficientemente pelo Poder Constituinte Originário, mas este deixou uma faculdade para o legislador infraconstitucional de restringir essas normas. Ou seja, ela produz todos os seus efeitos, mas o legislador ordinário pode estabelecer restrições a elas. Vale salientar que essa faculdade deve se atentar para os limites impostos pelo legislador constitucional. Nas suas palavras:

Normas de eficácia contida, portanto, são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. 39

Exemplo que pode ser citado é o art. 5º, XIII, Constituição: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Já as de eficácia plena, por apresentarem suficiente normatividade, produzem todos os seus efeitos de forma imediata e, portanto, dispensam a

39 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

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atuação do legislador ordinário. Assim, completa será a norma que contém todos os requisitos para a sua incidência direta.

Como exemplo, podemos logo destacar o art. 1º da Constituição: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”.

As de eficácia limitada, devido à baixa densidade normativa, não possuem o condão de produzir, imediatamente, todos os seus principais efeitos. Ficam dependentes, para isso, de uma intervenção do legislador infraconstitucional, com a criação de legislação que a complete.

Elas são divididas em: normas constitucionais de eficácia limitada definidoras de princípio institutivo ou organizativo ou normas constitucionais de princípio institutivo e normas constitucionais de eficácia limitada definidoras de princípio programático ou normas constitucionais de princípio programático.

As de princípio programático são esboços que retratam programas a serem desenvolvidos posteriormente pelo legislador infraconstitucional. Para José Afonso da Silva:

Podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. 40

40 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

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São exemplos claros desse tipo de norma o art. 21, IX41; art. 17042; art.

18443 art. 216, §1º44, todos da Constituição, dentre outros.

Já as normas constitucionais de princípio institutivo se configuram como sendo o esquema geral de determinado órgão, instituição ou entidade, sendo que a sua efetiva criação, organização e estruturação ficam dependentes de criação de legislação infraconstitucional na forma prevista pela Constituição. Como exemplo, podemos citar o art. 33, da Constituição: “A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios”.

Tendo em vista a possibilidade de ausência de medidas para a efetivação da norma, a Constituição de 1988 nos trouxe duas novidades normativas: a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão — ADO (Lei n. 12.063 de 2009) e o Mandado de Injunção – MI (art. 5.º, LXXI, CRFB/88).

Ambos possuem como finalidade o combate à “síndrome de inefetividade” das normas constitucionais de eficácia limitada. O Supremo Tribunal Federal tem consolidado o entendimento de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão seria uma forma de apelo ao legislador para que ele torne efetiva a norma, regulamentando-a, através de sua constituição em mora.

Já o Mandado de Injunção seria instrumento para efetiva concretização dos direitos fundamentais, como vem estabelecendo a jurisprudência do STF, que superou o entendimento que adotava a posição não concretista para o MI, passando a adotar a posição concretista geral, na maioria dos casos. Exemplo

41 Art. 21, IX: Compete à União: (...) IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

42 Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (...).

43 Art. 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

44 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) §1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

(29)

claro nesse sentido é o MI 758, que decidiu acerca da aposentadoria em regime especial para o servidor que trabalha em condições atípicas:

Mandado de injunção. Natureza. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5.º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência de lei complementar. Artigo 40, § 4.º, da Constituição Federal. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral — artigo 57, § 1.º, da Lei n. 8.213/91. 45

Assim, resumidamente, as normas de eficácia plena e contida são classificadas como tendo aplicabilidade direta ou imediata, enquanto que as de eficácia limitada possuem aplicabilidade indireta ou mediata.

2.2 EFICÁCIA VERTICAL E HORIZONTAL

Quando surgiram os direitos fundamentais, eles eram ligados à liberdade (chamados de “direitos de defesa”, como já explicitado), ou seja, eram direitos que exigiam uma abstenção do Estado. Os direitos individuais eram atribuídos

45 Supremo Tribunal Federal, MI 758, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento 1º.07.2008, DJE de 26.09.2008.

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ao indivíduo para que pudesse se proteger das arbitrariedades dos Poderes Públicos.

Já que a relação entre os particulares e o Estado é de subordinação (e não de coordenação, como ocorre entre os particulares), esta eficácia dos direitos fundamentais ficou conhecida como eficácia vertical. Esta é o primeiro e mais clássico tipo de eficácia dos direitos fundamentais, sendo aplicada somente nesse tipo de relação entre subordinados.

A teoria da Eficácia Vertical dos Direitos Fundamentais se relaciona com o limite imposto à atuação do Estado em favor dos governados, de forma que proteja as liberdades individuais e que impeça a abusiva intervenção estatal no âmbito privado. Os direitos fundamentais, assim, serviam como limites para a atuação dos governantes em favor do povo, sendo direitos públicos subjetivos, oponíveis em face do Estado.

No entanto, principalmente na doutrina da Alemanha, no século XX, notou-se que, devido à evolução da complexidade das relações sociais, a ideia de eficácia dos direitos fundamentais foi alterada. Começou-se a perceber, então, que a opressão em desfavor dos particulares não partia apenas do Estado: os particulares, nas relações com seus semelhantes, também violavam direitos fundamentais de outros particulares.

Assim, o Estado deixa de ser o adversário para se tornar o guardião dos direitos fundamentais, resguardando-os da ambição de outros particulares.

Esse novo entendimento surge a partir do julgamento do caso Lüth, que já foi comentado anteriormente, revolucionando o Tribunal Alemão, que passou a defender a tese da dupla dimensão dos direitos fundamentais e de que existiria uma eficácia irradiante desses direitos.

Foi a partir da noção dos direitos fundamentais como ordem objetiva de valores que se irradiam pelo ordenamento que Dürig e o Tribunal Alemão construíram a teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais nas relações privadas. Isso ocorre porque as normas constitucionais relacionam-se entre si, formando um conjunto de valores que se aplicam a toda a sociedade, irradiando-se pelo ordenamento jurídico.

É nesse momento que surge naquele país a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, através da qual se acreditava que esses direitos também incidiam nas relações privadas (particular-particular, sendo este uma

(31)

pessoa física ou jurídica). Como a relação entre particulares é, ao menos teoricamente, de coordenação, de igualdade jurídica, esse tipo de eficácia passou a se chamar de eficácia horizontal (horizontalwirkung), ou eficácia dos direitos fundamentais contra terceiros (drittwirkung).

O Estado, portanto, além de estar obrigado a não violar os direitos fundamentais, ainda tem ainda a função de fazer os particulares respeitarem os direitos fundamentais dos seus semelhantes, em suas relações privadas.

Nessa ordem, a vinculação de particulares aos direitos fundamentais quer dizer que, além do efeito vertical perante o Estado, o direitos fundamentais também possuem efeitos horizontais perante entidades privadas. Tais efeitos levam em consideração a pluralidade de funções dos direitos fundamentais. No entanto, ainda resta saber qual seria o modo desta vinculação. A doutrina elenca as tese da eficácia mediata ou indireta e da vinculação imediata ou direta, mas ainda existem outras teorias que explicam a forma de efetuação dessa eficácia, que serão explicitadas a partir de agora.

2.3 TEORIAS ACERCA DA EFICÁCIA HORIZONTAL

Não há entendimento pacífico acerca da possibilidade ou não de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, e nem sobre como se daria tal aplicabilidade. Inúmeras teorias, tanto nacionais quanto internacionais, surgiram, buscando explicar de que forma e em qual medida os direitos fundamentais poderiam ser aplicados para a proteção do indivíduo perante não apenas o Estado, mas também perante outros particulares.

Neste tópico, abordaremos as principais teses elencadas pela doutrina: teoria norte-americana da State Action (ou da Negação da Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas), da Eficácia Imediata ou Direta, da Eficácia Mediata ou Indireta e dos Deveres de Proteção.

2.3.1 TEORIA DA STATE ACTION

Teoria advinda do direito americano, a State Action Doctrine apresenta como característica principal a negação, pelo menos num primeiro momento,

(32)

da possibilidade de vinculação dos Direitos Fundamentais nas relações privadas.

Ela teve seu início quando da aprovação, pelo Congresso Nacional dos Estados Unidos, do Civil Rights Act, em 1875, que previa punições para aqueles que discriminassem os negros em locais públicos. No entanto, as pessoas que foram punidas recorreram até chegarem à Suprema Corte.

A decisão da Corte foi pela declaração de inconstitucionalidade do Civil Rights Act, eis que a Constituição Americana não havia conferido à União a competência para legislar sobre discriminação sofrida entre indivíduos, mas apenas entre Estados, pois aquela competência seria dos Estados. Não sendo assim, haveria violação clara ao pacto federativo. Dessa forma, seria o Estado o único ofensor dos direitos fundamentais, e, nas relações entre particulares os direitos destes seriam protegidos pela lei.

No direito norte-americano, tem prevalecido a ideia de que os direitos fundamentais disposta na Constituição dos Estados Unidos não poderiam ser aplicados às relações intersubjetivas, sendo somente o Poder Público aquele que teria suas ações limitadas por tais direitos. A única exceção aceita pela doutrina e jurisprudência seria a 13ª emenda, que proibiu qualquer forma de trabalho escravo.

A constituição americana se caracteriza por ser muito liberal, por isso tal teoria não aceita a eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares, pois, para eles, restaria violada a tão valiosa autonomia privada.

Além disso, como bem lembra Daniel Sarmento, essa teoria é aceita também devido a uma interpretação literal na constituição americana, que se refere expressamente apenas ao “Poder Público” quando da disposição do rol de cláusulas de direitos fundamentais. Outro argumento também lembrado pelo jurista é o do federalismo:

Nos Estados Unidos, compete aos Estados e não à União legislar sobre direito privado, a não ser quando a matéria envolva comércio interestadual ou internacional. Assim, afirma-se que a state action preserva o espaço de autonomia dos Estados, impedindo que as cortes

(33)

federais, a pretexto de aplicarem a Constituição, intervenham na disciplina das ações privadas.

No entanto, a partir da década de 1940, a teoria foi minorada (mas não extinta) pela chama public function theory, segundo a qual, quando os particulares se encontrarem em atividades de índole tipicamente estatal, também estarão sujeitos às disposições constitucionais referentes aos direitos fundamentais. Isso impede que o Estado se utilize de empresas privadas para realizarem atividades estatais, eximindo-se da submissão constitucional.

Foi também devido a essa nova teoria que se aceita que a União edite normas sobre direitos humanos, mesmo quando não há qualquer participação dos Estados. Essa permissão foi principalmente usada na década de 60, década de grande preocupação nos Estados Unidos com os direitos civis, emblemada especialmente com o Civil Rights Act46 de 1964.

Além do mais, pode ser percebido um comportamento menos liberal e mais moderno, vanguardista, da Suprema Corte em relação ao tema, buscando-se de subterfúgios para atribuir ao Estado ações que, na realidade, foram praticadas por particulares.

Foi o que pode ser notado, principalmente, no caso Shelley x Kraemer 47,

onde, em um loteamento de Saint Louis, que exigia que não fossem vendidas as casas daquele local para negros, um casal assim o fez e os moradores propuseram uma ação anulatória do negócio, que acabou sendo julgada procedente nas instâncias inferiores e, por recurso, chegou à Suprema Corte. A Corte decidiu pela nulidade da cláusula contratual que proibia a alienação a negros e, consequentemente, pela validade da compra e venda, sob o argumento de que seria inadmissível o Estado, representado pelas instâncias inferiores, ficar favorável a uma situação claramente discriminatória.

Esse foi o primeiro caso de muitos nos quais a Suprema Corte se utilizou de subterfúgios para aplicar os direitos fundamentais às relações privadas, indo de encontro com o pensamento da doutrina dominante dos Estados Unidos.

46 Inteiro teor do Civil Rights Act de 1964 disponível (em inglês), em: http://uspolitics.about.com/

od/usgovernment/l/bl_civil_rights_act_1.htm.

47 Inteiro teor da decisão do caso Shelley x Kraemer disponível em (em inglês):

(34)

A principal crítica realizada contra a teoria da State Action é a de que ela efetua uma estanque separação entre público e privado e na ideia de direitos fundamentais como direitos públicos subjetivos, que só podem ser exercidos em face do Estado. É uma teoria frágil, eis que, quando se preserva a autonomia e a liberdade de uma das partes, acaba por favorecer os direitos do violador privado, em detrimento dos direitos do particular lesionado.

De acordo com os ensinamentos de Daniel Sarmento:

Enfim, parece-nos que a doutrina da State Action, apesar dos erráticos temperamentos que a jurisprudência lhe introduziu, não proporciona uma tratamento adequado aos direitos fundamentais, diante do fato de que os maiores perigos e ameaças a estes não provêm apenas do Estado, mas também de grupos, pessoas e organizações privadas. Ademais, ela não foi capaz de construir standards minimamente seguros e confiáveis na jurisdição constitucional norte-americana. Tal teoria está profundamente associada ao radical individualismo que caracteriza a Constituição e a cultura em geral do Estados Unidos. [...] 48

2.3.2 EFICÁCIA MEDIATA OU INDIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A teoria da eficácia mediata seria um meio-termo entre o entendimento esposado pela doutrina da State Action, que nega a eficácia entre particulares dos direitos fundamentais, e a da Eficácia Imediata, que será estudada a seguir e que versa sobre a total aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, tal qual ocorre nas relações entre indivíduo e Estado.

Foi desenvolvida pelo alemão Günter Dürig, na década de 50, sendo a teoria que o Tribunal Constitucional Alemão escolheu para fundamentar o caso Lüth.

48 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Livraria Lúmen Juris, 2006. p. 196-197.

(35)

Erich Lüth era um crítico de cinema na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, enquanto Veit Harlan era um cineasta de ideologia nazista cujos filmes eram forma de propagação de tais ideais, durante o período do Terceiro Reich. A volta de Harlan ao cinema, com um novo filme, acabou gerando muitas críticas e debates e Lüth, por isso, liderou a organização de um boicote ao filme de Harlan, que coroou sua volta.

Veit Harlan acionou judicialmente Lüth, alegando que, por conta do boicote realizado, deveria ser indenizado pelos prejuízos que havia sofrido. Harlan venceu em primeira instância e o processo chegou à Corte, através de um Recurso Constitucional, com a alegação do recorrente de que a decisão inicial teria violado o princípio da liberdade de expressão. Ao final, a Corte reconheceu que os direitos fundamentais, além de possuírem uma dimensão subjetiva, também possuem uma objetiva, sendo a Constituição um “ordenamento axiológico objetivo” 49. Nas palavras de Ingo Sarlet:

Os direitos fundamentais não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo ordenamento jurídico e que fornecem as diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. 50

Assim, a Corte Constitucional Alemã, decidiu que os tribunais inferiores, quando do julgamento de litígios privados, devem ter em vista os direitos fundamentais, para que os preceitos de Direito Civil sejam lidos em conformidade com os valores constitucionais, decidindo pela aplicação da eficácia mediata ou indireta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, posição esta seguida pelos tribunais inferiores da Alemanha e usada pela maior parte da doutrina alemã até os dias de hoje.

49 Decisão do caso Lüth na íntegra disponível em:

http://direitosfundamentais.net/2008/05/13/50-anos-do-caso-luth-o-caso-mais-importante-da-historia-do-constitucionalismo-alemao-pos-guerra/.

50 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 168.

(36)

Tal teoria parte da premissa de que deve haver uma ponderação entre os direitos fundamentais e a autonomia do direito privado, impedindo que um seja totalmente absorvido pelo outro. Por isso, o autor argumenta que a incidência dos direitos fundamentais nas relações particulares deve se dar através de material normativo do direito privado: seriam necessárias “pontes” de interconexão entre o direito privado e a constituição, através do material normativo do próprio direito privado, mais especificamente pelas cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.

As referidas pontes, com o intuito de mediar a aplicação dos direitos na esfera privado, seriam construídas exclusivamente pelo legislador ordinário, já que a ele cabe regular a aplicação de acordo com os ditames constitucionais. Deve o legislador proteger os direitos fundamentais, mas impedir que eles invadam o campo da autonomia privada.

De acordo com as lições de Gilmar Mendes:

Segundo esse entendimento, compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Cabe a este garantir as diversas posições fundamentais relevantes mediante a fixação de limitações diversas. Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas seria as cláusulas gerais (Generalklauseln), que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais no âmbito do direito privado. 51

Assim, uma solução cabível para dirimir o conflito entre direitos fundamentais e autonomia privada, seria a atribuição à lei da tarefa de fixar o grau de cedência recíproca entre os direitos em colisão.

Nesse ponto, caberia ao legislador a tarefa de concretizar e estender a eficácia dos direitos fundamentais na relação entre particulares, através da

51 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 125.

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