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1 DOGMÁTICA: A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E A

1.3 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais

1.3.1 As vertentes da eficácia horizontal

1.3.1.2 A teoria da eficácia mediata

A teoria da eficácia mediata (mittelbare Drittwirkung), também conhecida pela alcunha de eficácia indireta (indirekte Drittwirkung), foi desenvolvida, precipuamente, por Günther Dürig, tendo sido acolhida pelo Tribunal Constitucional alemão no paradigmático

Caso Lüth (1958).113 As principais características dessa doutrina podem ser assim elencadas: em primeiro lugar, os direitos fundamentais produzem efeitos nas relações entre particulares através das normas e dos parâmetros dogmáticos, interpretativos e aplicativos próprios dos ramos do direito privado (por exemplo, por meio do direito civil, do direito do trabalho, do direito comercial). 114

Em segundo lugar, destaca-se que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais ocorre somente sob a condição de haver a mediação concretizadora do legislador de direito privado, em primeiro plano, e do juiz e dos tribunais, em segundo plano. Essa mediação concretizadora do Poder Legislativo se dá por meio da criação de regulações normativas específicas que delimitam as condições de exercícios, o conteúdo, bem como o alcance desses direitos nas relações entre particulares. Por fim, ao Poder Judiciário, nas hipóteses em que não há legislação específica pertinente e para decidir o caso concreto, cabe tornar eficazes as normas de direitos fundamentais através da interpretação e aplicação das

sentido contrário. Se há desenvolvimento legislativo de direitos fundamentais e se este desenvolvimento é compatível com a Constituição, então o juiz não poderá se sobrepor a ele sob pena de violar os princípios democrático e da separação de poderes”.(STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos

fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 174-175).

113 Da decisão Lüth, sublinhou o autor o seguinte excerto: “Esse sistema de valores [direitos fundamentais na Grundgesetz - Lei Fundamental de 1949], que tem seu centro no livre desenvolvimento da personalidade humana e sua dignidade no interior da comunidade social, deve reger como decisão constitucional básica em todos os âmbitos do direito; dele recebem diretrizes e impulso a legislação, a administração e a jurisdição. Dessa forma, influi evidentemente também sobre o direito civil; nenhuma disposição jurídico-civil deve estar em contradição com ele e todas elas devem interpretar-se conforme ao seu espírito. O conteúdo dos direitos fundamentais como normas objetivas se desenvolve no direito privado por meio das disposições que diretamente regem esse âmbito jurídico. Desde a teoria da eficácia mediata, uma eficácia mediata ou indireta de direitos fundamentais - "processada" e "modulada" ("gradada") legislativamente ou segundo parâmetros dogmáticos interpretativos e aplicativos específicos do direito privado - é correta porque: (i) considera e preserva a autonomia privada como princípio fundamental do direito privado e como princípio que deflui do direito geral de liberdade; (ii) assegura a identidade, autonomia e função do direito privado como um todo, sobretudo do direito civil; (iii) responde melhor ao postulado da certeza jurídica, porque as normas de direito privado apresentam um grau maior de especificidade e de detalhamento do que o das normas de direitos fundamentais (estas últimas são veiculadas por textos fragmentados, ambíguos e, sobretudo, vagos); (iv) evita a "panconstitucionalização" do ordenamento jurídico, fenômeno que não seria bom para o direito privado nem para o direito constitucional, porque (a) implicaria a trivialização da Constituição e dos direitos fundamentais, (b) converteria, em grande escala, casos jurídico-privados em casos jurídico-constitucionais e, por conseqüencia, (c) sobrecarregaria a jurisdição constitucional”. (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 139-140).

114 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 136-138.

normas de direito privado, principalmente daqueles textos que contêm cláusulas gerais (ordem pública, bons costumes, boa-fé, moral, abuso de direito, finalidade social do direito).115 116

Conforme a vertente da eficácia mediata (e diferentemente da corrente “imediata”), os direitos fundamentais não são aplicados nas relações entre privados como direitos subjetivos constitucionais, mas sim como normas objetivas de princípio (princípios objetivos) – ou, para utilizar uma terminologia advinda da teoria axiológica dos direitos fundamentais, como sistema de valores (Wertsystem) ou uma ordem objetiva de valores.117 Assim, uma vez explanado sobre o núcleo da teoria, parte-se agora para a análise de suas premissas básicas.

A construção doutrinária desta vertente mantém a premissa de que os direitos fundamentais perante o Estado se tratam de direitos subjetivos de defesa (direitos de liberdade). Como consectário lógico disso, tem-se que, na relação entre indivíduo e Estado, apenas o indivíduo é titular de direitos fundamentais, de modo que o Estado resta tão somente como destinatário das normas que veiculam esses direitos (e, nesse caso, o ente estatal é vinculado imediatamente aos direitos fundamentais), bem como que as normas de direitos fundamentais não podem e não devem produzir eficácia imediata nas relações jusprivadas. Assim, para os defensores desta corrente, se os direitos fundamentais fossem aplicados nas relações entre particulares do mesmo modo e com a mesma intensidade e alcance com que o são nas relações entre indivíduo e Estado, isso acarretaria, provavelmente, o cerceamento das preferências e das escolhas pessoais dos sujeitos envolvidos, bem como a excessiva restrição de liberdade. Acreditam, que os direitos fundamentais provocariam, dessa maneira, o engessamento das relações entre particulares. 118

Nesse diapasão, a mediação da eficácia das normas de direitos fundamentais nas relações entre particulares incumbe tanto ao legislador (ao legislar as normas de direito privado) quanto aos magistrados (ao procederem à hermenêutica dos textos de normas imperativas de direito privado). Além disso, pontua-se que, uma vez que o Poder Legislativo já se encontra diretamente vinculado às normas de direitos fundamentais, a vertente da

115 Especificamente quanto às cláusulas gerais, “por terem a função e oportunizar e legitimar a introdução judicial de juízos valorativos, jurídicos (intra-sistêmicos) e metajurídicos (metassistêmicos), limitativos do princípio da autonomia privada e do exercício de direitos ou interesses subjetivos legais - serviriam como cláusulas de abertura para a "influência" ou "irradiação" dos direitos fundamentais no direito privado”. (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 136-138).

116 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 136-138.

117 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 138-139.

118 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 140-141.

eficácia imediata se torna despicienda: isso porque as normas de direito privado obrigatoriamente, sob pena de caracterização de inconstitucionalidade, devem ser conformes à Constituição. Dessa forma, para essa corrente, os tribunais, via de regra, já interpretariam e aplicariam normas de direito privado já influenciados pelas normas de direitos fundamentais, porquanto presumidamente tidas como constitucionais. 119

Outra premissa importante para a construção da eficácia mediata é a da autonomia do direito privado perante o sistema de direito constitucional positivo, uma vez que o direito privado tutela bens e valores tão relevantes quanto os direitos fundamentais. Desse modo, defende-se que o direito privado também garante espaços de liberdade necessários ao desenvolvimento individual dos sujeitos privados. 120

Ante o quanto explanado, as principais expressões teóricas da eficácia horizontal, a imediata e a mediata, foram até então apresentadas. Porém, outros desdobramentos doutrinários dignos de nota são também elencados na sequência.