• Nenhum resultado encontrado

1 DOGMÁTICA: A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E A

1.3 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais

1.3.1 As vertentes da eficácia horizontal

1.3.1.3 A teoria de Schwabe

Para além das vertentes da eficácia mediata e imediata, há, também, a doutrina da state

action estadunidense e a da convergência estatal (ou “teoria da imputação ao Estado”,

proposta por Schwabe). Essas últimas têm em comum o fato de que trazem em seu bojo o entendimento de que se imputa ao Estado a ação violadora de direitos fundamentais, uma vez que é para a ação estatal que se prescrevem proibições e obrigações – sendo que, justamente por esse motivo, deve ser aplicado ao caso concreto a eficácia dos direitos fundamentais. 121

Especificamente quanto à doutrina de Schwabe, destaca-se que ela se filia à ideia de que o Estado, na medida em que cria e impõe um sistema de direito privado, participa das possíveis violações cometidas por um cidadão a bens de direitos fundamentais de outro cidadão. Desse modo, mesmo que sejam cometidas por particulares, essas violações teriam de ser consideradas como intervenções estatais. Portanto, para resolver o problema da eficácia horizontal, a concepção dos direitos fundamentais como direitos do status negativus dirigidos em face do Estado seria o suficiente. 122 Desse modo, pode-se inferir que o problema da

119 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 140-141.

120 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 141.

121 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 178.

vinculação dos sujeitos privados aos direitos fundamentais, sob a visão desta corrente, passa a se tratar das relações entre indivíduo e Estado (passando-se para uma perspectiva mais assemelhada à eficácia vertical dos direitos fundamentais), plano em que os direitos fundamentais operam eficácia imediata e direta, porque constituem-se em direitos de defesa perante o Estado.123

Nesse diapasão, conforme Schwabe, toda violação de direito fundamental entre entes privados deve ser imputada ao Estado, uma vez que a lesão resulta, em última instância, de uma permissão estatal ou de uma não-proibição estatal. Assim, caso o Estado (seja por via dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário) não proíba uma infração a direito fundamental entre sujeitos privados, significa, então, que o Estado acaba por permiti-la; se não as proibiu, então passa a ser o responsável, direto e universal, pelas lesões de direitos fundamentais causadas em face dos particulares. 124

Nesse contexto, percebe-se que a teoria de Schwabe confronta com as demais já apresentadas: por um lado, vai de encontro à teoria da eficácia mediata ao se propor uma eficácia imediata e direta de normas de direitos fundamentais; por outro lado, opõe-se à teoria da eficácia imediata, uma vez que desloca o problema da vinculação dos particulares a direitos fundamentais para o âmbito das relações entre sujeito privado e Estado.125

Contudo, apesar do quanto apresentado até aqui, a teoria de Schwabe é objeto de críticas. 126 A primeira crítica diz respeito à ideia de que, do ponto de vista prático, trata-se de uma ficção imputar ao ente estatal a responsabilidade por quaisquer intervenções de particulares em direitos fundamentais alheios. Contudo, tomar o Estado como agente universal, participante e responsável por tudo o que acontece entre os humanos se trata de “ficcionismo”, uma vez que, conforme o autor, a “ocorrência de restrições ou violações,

unilaterais ou recíprocas, de direitos fundamentais nas relações entre particulares é um dado da experiência social identificável pela observação direta”. 127

123 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 176.

124 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 176.

125 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 176.

126 Nas palavras do autor: “Aqui, tem-se como ponto de partida isto: se se concebe a vinculação dos particulares como um problema jurídica e empiricamente real, se se aceita a multifuncionalização dos direitos fundamentais – fundada na dupla dimensão desses direitos – e, principalmente, se se toma os direitos fundamentais a sério em todos os âmbitos do ordenamento jurídico, então a teoria de Schwabe como resposta ao problema da vinculação dos particulares a direitos fundamentais é refutável”. (STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a

direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 176).

127 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 176-177.

A segunda crítica oposta versa que se corre o risco de haver “irresponsabilidade privada” perante os direitos fundamentais. Dito de outra forma, nos casos em que não se puder subsumir um mandamento de proibição (seja porque não há diploma legal que preveja a proibição, de forma a acarretar a permissão de determinado ato), os entes privados, na hipótese de praticarem intervenção na esfera jusfundamental de outrem, não poderiam ser responsabilizados juridicamente. Isso porque a responsabilidade pelo ilícito cometido recairia sobre o Estado. Em terceiro lugar, e conectado a esse problema de inexistência de mandamento de proibição previsto em lei, partindo-se do pressuposto de que a teoria de Schwabe é endereçada, sobretudo, ao Poder Legislativo, é razoável concluir que só se poderia garantir o respeito a direitos fundamentais entre entes privados por meio da legiferação excessiva (a chamada “hiperinflação legislativa”). Finalmente, a aceitação da teoria de Schwabe se revela equivocada no momento em que se lhe aplica nas relações negociais privadas: por exemplo, imagine-se uma relação contratual na qual um particular, no exercício de sua autonomia privada, sofreu a restrição ou violação de um direito fundamental. O problema que se coloca é justamente como se poderia imputar ao Estado a participação nessa infração, se o ente estatal permite e, inclusive, garante aos particulares, em relações negociais, o exercício de sua autonomia privada e de seu direito geral de liberdade. Dito de outro modo, parece-nos incompatíveis, de um lado, a teoria da imputação ao Estado e, do outro, o princípio da autonomia privada e o direito geral de liberdade. 128129

Feitas essas considerações, passa-se ao estudo da outra vertente em que há a imputação ao ente estatal do ato que infringe direitos fundamentais de particulares, qual seja, a state action doctrine.