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contribuição básica para se entender a composição de um texto

Enfocaremos, aqui, apenas o indispensável para que seja compreendida a aplicabilidade da teoria dos protótipos ao processamento de um texto.

2.3.1 Abordagem preliminar

O estudo dos protótipos integra o estudo da atribuição de conceitos. Trata-se de uma empreitada no âmbito das teorias que enfocam as várias formas como os objetos, encontrados no meio em que vivemos, podem ser agrupados conceitualmente.

Foi Rosch (1973) quem introduziu a noção de protótipo do conceito, mas essa psicóloga e antropóloga americana introduziu também a noção de conceito básico (ROSCH, 1973, 1976; MERVIS E ROSCH, 1981), relacionado à estruturação taxonômica.

Na concepção prototípica, Rosch (1973) descobriu que em cada taxonomia há um nível básico. Para levar a efeito o nível básico, a pesquisadora introduziu mais outros dois conceitos que integram a teoria. Esses contribuem para demonstrar como as hierarquias de definição de atributos se articulam. São os conceitos de subordinado e de supraordenado.

Admitindo-se que se tenha o conceito específico “pardal” – emplumado, bípede, pequeno, marron, voador –, e o supraordenado “pássaro” – emplumado, bípede, voador –, o conceito subordinado pardal conterá todos os atributos do supraordenado mesmo que possa ter outros atributos – pequeno, marrom –, para distingui-lo de outros conceitos – “pato”, por exemplo, definido como emplumado, bípede, grande, branco, não voador. Isso quer dizer que um conceito específico tenderá a ter mais atributos com o seu imediato do que com o seu supraordenado mais distante. Por exemplo, pardal deverá ter mais atributos em comum com o seu supraordenado imediato, pássaro, do que com o seu supraordenado mais distante, ave.

Então, pássaro pode ser um conceito básico para o conceito supraordenado ave, enquanto pardal pode ser o conceito subordinado de pássaro. Sobre pardal recai o caráter de protótipo de pássaro, já que nem toda ave é pássaro, ou seja, nem toda ave dispõe de um pequeno porte físico.

Aplicando-se essa teoria ao campo dos textos, particularmente dos textos de sequência narrativa – foco predominante de nossa atenção na pesquisa –, tem-se que a estrutura fundamental dessa sequência se acha no nível básico de narrativas literárias, jornalísticas, do relato oral e da anedota cotidiana (ADAM, 1992)

Considera-se, por um lado, que o conjunto de gêneros de estrutura narrativa constitui um conceito supraordenado, definido pelos atributos comuns de todos os gêneros de estrutura narrativa, que apresentam, no mínimo, 1. situação inicial/orientação (espaço, tempo, agente), 2. complicação (relações de causalidade, marcadas por uma cronologia), e 3. moral implícita (conclusão sobre o fato narrado).

Compreende-se, por outro lado, a partir de Labov (1976) e de Adam (1992), que apenas as narrativas orais trazem em sua estrutura, necessariamente, 1. resumo inicial (síntese dos eventos), 2. situação inicial/orientação (espaço, tempo, agente), 3. avaliação das ações (interação do locutor com o interlocutor, na busca de aceitação do relato), 4. complicação (relações de causalidade, marcadas por uma cronologia), 5. resolução da complicação (se não efetivação, pelo menos, levantamento de possibilidades), 6. situação final (marcação do encerramento da interlocução) e 7. moral implícita (conclusão sobre o fato geral narrado), e, portanto, esse tipo de narrativa representa o conceito subordinado do “conjunto de gêneros narrativos”.

Por conseguinte, compreende-se que o subordinado gênero “relato oral do cotidiano” contém todos os atributos definidos para o supraordenado “gêneros narrativos”, embora abrangendo mais alguns para distingui-lo de outro conceito – por exemplo: “sequência dialogal”. Esta pode comportar atributos de narrativa, mas nem sempre isso é uma realidade, já que nem toda narrativa envolve diálogo e nem todo diálogo corresponde a uma narrativa. Daí se entender a contribuição de Labov (1976) para os trabalhos de Adam (1992) na definição do protótipo da narrativa, em função daquele pesquisador haver lidado com narrativas orais em suas investigações sobre estrutura da narrativa.

O caráter de prototipicidade, de modo geral, como também especificamente nos textos, pode ser testado através de outros parâmetros, além dos que aludimos.

Rosch, Simpson & Miller (1976, p. 491-492), ainda no âmbito de suas investigações, observaram a relação entre o grau de tipicidade e certos aspectos do processo cognitivo, chegando a algumas conclusões, entre elas, as seguintes: a) quanto mais típico for um item que compõe um conceito, menos tempo é levado para se constatar que ele faz parte de tal conceito; b) Itens típicos são reivindicados como sendo aqueles experimentados com maior

e a frequência da ocorrência, porém, não são os únicos responsáveis pelos efeitos da tipicidade. As semelhanças de família (Wittgeinstein, 1996) entre os membros de um conceito, também entram em jogo, a exemplo de pardal como membro da família dos pássaros, e de relato do cotidiano como membro da família dos gêneros narrativos.

2.3.2 Considerações no âmbito da estrutura textual

Apesar de nem todos os conceitos apresentarem características de protótipo (EYSENK; KEANE, 1994, p.239), a teoria roschiana impõe validade e respeito. Para o trabalho com a língua em particular, a teoria dos protótipos tem sido de grande utilidade em várias áreas, incluindo-se a Gramática Funcional, a Linguística de Texto, entre outras. No que tange à Linguística de Texto, destaque-se a abordagem sobre as sequências textuais prototípicas, cujo enfoque tem adquirido credibilidade para a organização do conhecimento na memória, seja durante a leitura, seja no processamento da escrita (VAN DIJK, 1996).

A estrutura de cada sequência distingue-se pela composição de um conjunto de recursos cognitivos – as macroproposições – responsáveis, em parte, pela produção do texto (ADAM, 1992; 1999). Pensar em um texto norteando-se por um conjunto de macroproposições – no caso específico das sequências textuais prototípicas – corresponde ao que Miller (1956) concluiu sobre a retenção de informação na memória. Para ele, não é possível reter mais do que sete informações na memória imediata. Pela necessidade de se guardar um grande número de dados sobre um texto, recorremos ao que esse psicólogo estadunidense chama de economia cognitiva: ao se construir sentido para um texto, vão-se acumulando várias informações que se reorganizam, compondo-se sucessivos blocos, os quais, chegando a um certo limite para a retenção da informação, são recodificados. E, assim, vai-se repetindo o processo.

Seguindo tal procedimento, ao lembrarmos de uma certa notícia policial narrativa, por exemplo, poderemos recorrer aos seguintes conjuntos de informação: ao conflito abordado; ao contexto de ocorrência desse conflito; às resoluções buscadas para o conflito e à situação final do conflito. Isso significa dispor as informações do texto em blocos, pois se trata de um fenômeno de esquematização de informações na memória, ao qual Miller (1956)

se refere como recodificação. Acredita-se que o conhecimento sobre uma estrutura que aparece em bloco prototipicamente em um texto facilita, em muito, esse processamento.

Sem dúvida, lidar com uma sequência prototípica, conforme define Adam (1992; 1999) – narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal –, resulta em uma ou várias operações de linguagem que se manifestam como decisões sobre os modos de geração de conteúdos de um texto (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

Retomando a exemplificação da notícia policial narrativa, para tratar das informações em bloco – título, lead e corpo –, poderemos ilustrar, ainda mais, com o proceder da realização de resumo do gênero. Esse gênero traz em sua estrutura o lead, compondo o primeiro parágrafo, que, nesse tipo de notícia, vem resumindo o texto. Sabendo-se que o resumo representa a abordagem básica de um conteúdo mais amplo, a sequência textual exerce aí um papel crucial, pois lhe cabe, em grande parte, a definição da estrutura genérica. Em se tratando de um gênero com sequência narrativa, o básico a ser observado corresponde ao conflito. E este aspecto, por imposição do gênero, aparece necessariamente no lead.

Logicamente, se o usuário da língua detém informações fundamentais sobre a estrutura prototípica da narrativa – situação inicial, complicação, (re) ação/avaliação, resolução, situação final – e sabe que a complicação (conflito) é o elemento indispensável dessa sequência, uma vez que atende a uma exigência da prototipicidade da própria sequência e também do gênero, vai enfrentar com maior naturalidade o ato de resumir. No caso da notícia policial narrativa, o aspecto basilar (o conflito) forma um imbricamento da estrutura prototípica da sequência e do gênero, constituindo um todo discursivo.

Schneuwly; Dolz (2004, p.38), sobre as sequências prototípicas admitem ser:

construções necessárias para gerar uma maior heterogeneidade nos gêneros, para oferecer possibilidades de escolha, para garantir um domínio mais consciente dos gêneros, em especial daqueles que jogam com a heterogeneidade. Podemos, de fato, considerá-los como reguladores psíquicos poderosos, gerais, que são transversais em relação aos gêneros.

É no sentido de as sequências prototípicas incluírem-se na forma global do discurso e de, consequentemente, constituírem um meio de facilitar o gerenciamento e mesmo a retenção das informações do texto na memória que a teoria dos protótipos traz uma grande

contribuição para se entender o processamento da composição de um texto, especialmente de um gênero textual. Esse conhecimento, quando aplicado à nossa pesquisa em particular, auxiliará, de forma efetiva, na Análise dos Dados – capítulo 3 – sobre a estrutura prototípica da notícia policial narrativa, conforme abordagem sobre “A Notícia Policial Narrativa: o protótipo desse gênero e seus pormenores” – capítulo 1 desta tese.

2.4 As sequências textuais prototípicas

Analisando-se os trabalhos de Adam (1987, 1991, 1992, 1999), van Dijk (1992) e Bronckart (1999, 2006), destinados à investigação sobre a estrutura básica de texto, bem como as exaustivas pesquisas de Marcuschi (2000) e de Bonini (2002) referentes à apuração dos que têm se dedicado a tal empreitada, percebe-se que não são poucos os que trilharam esse caminho. Mas é a partir do que propõe Adam sobre sequência textual que, segundo Bonini (2002, p. 18), a discussão, no tocante a tipo de texto (denominação usada mais geralmente ao equivalente às sequências), se impõe, passando a “integrar os debates acadêmicos como um conceito mais ou menos estabilizado”.

Adam (1992) espelha-se a princípio em Bakhtin (1953)8, pois o reconhece como o linguista que exprime mais nitidamente a necessidade de classificação tipológica, situando seu propósito nas fronteiras da sociologia, da filologia, da linguística e da literatura.

Bakhtin (2000) considera que os tipos relativamente estáveis de enunciados de base – os gêneros do discurso primário (enunciados básicos do cotidiano) – estão disponíveis para infinitas combinações e transformações em gêneros secundários. A estrutura elementar da sequência narrativa, por exemplo, constitui a base da epopeia, da fábula, da maior parte dos romances... É a uma hipótese sobre estas unidades mínimas de composição textual, formas fundamentais da linguagem comum, que, ultrapassando a análise bakhtiniana no campo sociolinguístico dos gêneros discursivos em direção ao campo mais estritamente linguístico da textualidade, Adam dedica seus estudos, essencialmente.

8 1979 é a data de publicação da obra original: Estetika slovesnogo tvortchestva, em Moscou. A tradução no

Brasil, a partir do Francês (1953) – versão citada por Adam –, veio em 1992 pela Editora Martins Fontes. Neste trabalho, adotamos a edição de 2000.

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