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PARTE I – MARCO TEÓRICO

Capítulo 2 – Autoeficácia

2.1. Teoria Social Cognitiva de Bandura

O ser humano é um ser social e, por viver em grupo, tanto é influenciado por este com também exerce influência sobre seu entorno. A partir desta reflexão, por volta dos anos de 1960, Albert Bandura (1977, 1986, 2008a, 2008b) inquietava-se acerca da inadequação das explicações teóricas existentes à época sobre o processo de aprendizagem. Este autor discordava do pensamento behaviorista que apregoava o aprendizado por meio dos efeitos dos próprios atos. Ou seja, segundo os behavioristas, os processos de aprendizagem estavam baseados na associação entre os estímulos ambientais e as respostas individuais (Bandura, 2008a; Barros & Batista-dos-Santos, 2010).

No entendimento de Bandura (2008a), esse processo seria tedioso e potencialmente perigoso, conduzindo as pessoas a cometerem erros com custos elevados. Porém, o mesmo processo poderia ser encurtado por meio do uso da modelagem social, na qual as pessoas

57 tenderiam a padronizar seus estilos de pensamento e comportamento a partir de exemplos funcionais provenientes de outras pessoas. Segundo esse autor, um dos primeiros estudos publicados sobre modelagem social, intitulado Social learning and imitation, foi conduzido por Miller e Dollard, em 1941, no qual os fenômenos de modelagem eram interpretados como um caso especial de aprendizagem por discriminação. No entanto, Bandura considerava esta linha de pensamento limitada e deficiente.

Para Bandura (2008a), a modelagem social acontecia por meio de quatro subfunções cognitivas, a saber: processos de atenção, representação, tradução ativa e processos motivacionais. A fim de testar a noção de que a tradução comportamental ocorre por meio de um processo de concepções de igualação, foram realizados inúmeros estudos, até que se chegou à conclusão de que as representações cognitivas que eram transmitidas por meio de modelagem serviam de guias para a produção de desempenhos hábeis e como padrões para realizar ajustes corretivos no desenvolvimento da proficiência comportamental.

Bandura (1986) constatou, portanto, a existência de mediadores cognitivos por meio dos quais as experiências de aprendizagem guiam os comportamentos das pessoas. Desta forma, esse autor propõe uma nova nomenclatura à então teoria da aprendizagem social, passando a denominá-la de teoria social cognitiva (ou teoria sócio-cognitiva), dando um destaque especial aos fenômenos psicossociais que vão além dos aspectos tradicionais de aprendizagem e comportamento (Samssudim, 2009).

De acordo com Torisu e Ferreira (2009), a teoria social cognitiva oferece uma base teórica consistente, dando condições para se perceber o indivíduo como integrante de um grupo, que influencia e é influenciado pelo mesmo. No entanto, segundo Samssudim (2009), a reciprocidade que Bandura postula não significa que todos os diferentes fatores

58 envolvidos tenham a mesma importância, nem que as influências recíprocas ocorram simultaneamente.

Assim, verifica-se que o comportamento é considerado como um co-determinante na relação pessoa-meio. Defende-se, portanto, que é por meio dos comportamentos observáveis que as pessoas interveem nas situações, as quais, por conseguinte, influenciam os pensamentos, os afetos e, consequentemente, o comportamento, passando a ser, ao mesmo tempo, produtos e produtores do seu meio (Wood & Bandura, 1989).

Conforme observado por Torisu e Ferreira (2009), na teoria social cognitiva o autodesenvolvimento e a mudança de comportamento humano são explicados a partir de um princípio básico desta abordagem, a perspectiva da agência. Tal perspectiva, segundo Bandura (2008a), se contrapõe aos princípios behavioristas que baseavam os processos de aprendizagem na associação entre os estímulos ambientais e as respostas individuais. Para esse autor,

(...) ser agente significa influenciar o próprio funcionamento e as circunstâncias de vida de modo intencional. Segundo essa visão, as pessoas são auto- organizadas, proativas, autorreguladas e autorreflexivas, contribuindo para as circunstâncias de suas vidas, não sendo apenas produtos dessas condições (p. 15).

Isto significa dizer que este modelo recusa uma visão dualista do self, que o decompõe em determinados e distintos momentos, em agente ou sujeito e em outras situações em objeto, posto que a reflexão sobre o próprio funcionamento, isto é, as auto- influências, originam mudanças na perspectiva do agente, mas não o transforma em objeto (Bandura, 1997). No entendimento de Torisu e Ferreira (2009), ser agente refere-se à capacidade de desenvolver mecanismos de autoregulação, os quais poderão determinar o caminho que deverá ser seguido.

59 Não obstante, faz-se necessário observar a proposta da teoria social cognitiva de Bandura quanto à diferenciação entre os três modos de agência humana: individual, delegada e coletiva. Os estudos realizados por Bandura (2008, p. 33) indicam que:

as análises precedentes giravam em torno da natureza da agência pessoal direta e dos processos cognitivos, motivacionais, afetivos e de escolha, pelos quais ela é exercida para produzir determinados efeitos. Em muitas esferas do funcionamento, as pessoas não têm controle direto sobre as condições sociais e práticas institucionais que afetam suas vidas cotidianas. Nessas circunstâncias, elas buscam o seu bem-estar, segurança e resultados desejados por intermédio da agência delegada. Nesse modo de agência social, as pessoas tentam, de um jeito ou de outro, fazer com que aqueles que tenham acesso a recursos ou conhecimento ou que tenham influência e poder ajam em seu favor para garantir os resultados desejados.

Logo, em se tratando do comportamento humano, em vez de atribuir um papel primordial às variáveis pessoais ou situacionais na determinação dos comportamentos, a teoria social cognitiva defende uma relação baseada num modelo de reciprocidade triádica (Barros & Batista-dos-Santos, 2010; Ferreira & Azzi, 2011; Samssudim, 2009; Torisu & Ferreira, 2009). A partir desta concepção, as variáveis pessoais ou fatores pessoais (tais como estados/eventos afetivos, cognitivos e atributos físicos), os fatores ambientais externos e o comportamento/conduta, operam como determinantes interativos e recíprocos, influenciando-se mutuamente (Bandura, 1986, 1997), conforme esquematizado a seguir.

Comportamento

Variáveis pessoais Fatores ambientais

Figura 1: Reciprocidade triádica na Teoria Social Cognitiva de Bandura. Adaptado de

60 Através desta interação/reciprocidade, percebe-se que o indivíduo é capaz de criar, modificar e destruir seu entorno. Desta forma, a pessoa se torna agente e receptor de situações que se produzem, ao passo que estas determinarão seus pensamentos, emoções e comportamento futuro (Bandura, 2008a; Barros & Batista-dos-Santos, 2010).

A partir disto, entende-se que a pessoa tem o poder de interferir no curso dos acontecimentos sempre que lhe convier e for do seu interesse, passando, portanto, a ser um participante ativo dos rumos que sua vida tomará, pois tem a capacidade de estabelecer metas que serão atingidas através de estratégias escolhidas por ela mesma. Verifica-se, portanto, que a pessoa não sofre influências do meio de forma passiva.

Para Bandura (2008b, p. 71):

as pessoas não são apenas hospedeiras e espectadoras de mecanismos internos regidos pelos eventos ambientais. Elas são agentes das experiências, ao invés de simplesmente serem sujeitas a elas. Os sistemas sensorial, motor e cerebral são ferramentas que as pessoas usam para realizar as tarefas e os objetivos que conferem significado, direção e satisfação às suas vidas.

Tal constatação foi amparada por Bandura (2004), ao perceber que a agência humana possui quatro características fundamentais: intencionalidade, antecipação, autorreatividade e autorreflexão. A intencionalidade indica que as pessoas podem escolher o modo de agir, elaborando planos e estratégias de ação para realizá-los, mas é através da antecipação que as pessoas anteveem os resultados esperados de ações prospectivas, guiando e motivando seus esforços. Já a autorreatividade auxilia os agentes a monitorarem o próprio comportamento e regularem suas ações, realizando atos que lhes dão satisfação e sentido de autovalor, evitando, assim, que executem determinadas ações que lhes tragam insatisfação e autocensura. Por fim, é através da autorreflexão que os agentes se auto-

61 examinam, verificando, portanto, o seu próprio funcionamento. Logo, eles refletem sobre sua eficácia, suas motivações e valores, efetuando as correções necessárias.

Diante do exposto, destaca-se que, na concepção de Bandura (2008), um dos mecanismos-chave para a composição da agência humana é a autoeficácia, constituída enquanto elemento central da teoria social cognitiva, a qual lhe dá suporte e sentido (Azzi & Polydoro, 2006). Em outras palavras, o senso de autoeficácia (ou eficácia pessoal) é o fundamento da agência humana (Benight & Bandura, 2004), pois, para Bandura (1997), as crenças de autoeficácia são capazes de ativar os processos que controlam a maneira como as pessoas utilizam seus conhecimentos e suas capacidades.