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3 O caminho metodológico trilhado

4.2 A teoria social dos conflitos ambientais

De acordo com Ferreira (2004), a sociologia da questão ambiental, do ponto de vista acadêmico e da produção de conhecimentos, surgiu no início dos anos 60 – cenário de efervescência dos “movimentos de contestação social” –, e do caráter de emergência suscitado pela situação de degradação dos recursos naturais oriunda do processo de industrialização crescente.

Ferreira (2004) analisa que nos anos de 1960, os sociólogos não dispunham de um corpo teórico e de experiência em pesquisas que pudessem ser referência na compreensão acerca das relações entre sociedade e natureza. Segundo a autora, os sociólogos clássicos – Durkheim, Marx e Weber –, trataram sobre a questão ambiental, mas de forma não aprofundada. Ademais, os poucos trabalhos isolados que surgiam não representavam uma produção considerável de conhecimentos que justificasse (culminasse com a) a criação de um campo teórico.

Com base em Hannigan (1997) e Buttel (1992), Ferreira (2004) aponta algumas razões pelas quais os sociólogos marginalizaram a questão ambiental em suas formulações teóricas.

Uma das explicações está relacionada à predominância da limitada concepção determinística geográfica e biológica, a qual tinha uma visão conservadora sobre o entendimento das mudanças e dos conflitos sociais. Uma outra se refere ao próprio pensamento sociológico vigente em meados do século XX fundamentado na modernidade. À época, a preocupação ambiental verificada atualmente teria sido considerada uma visão atrasada e um obstáculo ao desenvolvimento. Apesar de existirem alguns sociólogos marxistas críticos ao paradigma desenvolvimentista, estes “tendiam a ver a problemática ambiental como um desvio das questões cruciais do humanismo” (HANNIGAN, 1997apud FERREIRA, 2004, p. 80).

Ressaltamos ainda a relação dúbia da sociologia com as ciências naturais. De fato, em sua fase de construção, a teoria sociológica recebeu influências dos conceitos formulados nas ciências naturais, ao mesmo tempo em que, por uma necessidade de

legitimação, promoveu uma reação à simplificação das explicações provenientes do determinismo geográfico e biológico citados anteriormente (BUTTEL, 1992 apud FERREIRA, 2004, p. 80).

A despeito de como ocorreu em diversos países, foi a partir dos anos 60 que a problemática ambiental ganhou relevância e importância entre os sociólogos e passou a ter lugar na “agenda dos governos, organismos internacionais, movimentos sociais e setores empresariais em todo o mundo” (FERREIRA, 2004, p. 78).

Assim é que a sociologia ambiental incipiente veio a se ocupar, de maneira significativa, com o estudo dos conflitos relacionados aos distintos modos de usos da natureza, os determinantes e a amplitude dos problemas ambientais, bem como os atores envolvidos (FERREIRA, 2004).

De acordo com Acselrad (2004, p. 17), a sociologia ambiental tem tido dificuldades em estudar os conflitos ambientais, em suas especificidades, como um objeto científico. O autor explica que para alguns o tema ambiental é reportado como uma problemática relacionada à teoria evolucionista, “[...] relativa às formas adaptativas do homem como espécie animal [...]”. Assim sendo, os conflitos ambientais representariam a oposição entre as distintas formas de adaptação dos diversos atores sociais à natureza, com suas respectivas ideologias e modos de vida.

Esta abordagem que considera as formas de apropriação do mundo material como uma resposta às formas de adaptação do homem às transformações do meio ambiente reduz a análise dos conflitos ambientais, pois não permite “[...] captar em sua integralidade o conteúdo político, portador de projetos, presente nos conflitos que tencionam os modos hegemônicos pelos quais se distribuem as distintas formas sociais no espaço” (ACSELRAD, 2004, p. 17).

Ainda de acordo com este autor, outros autores abordam os conflitos ambientais segundo a ótica econômica, classificando-os em dois tipos:

a) Os conflitos oriundos pela distribuição de externalidades, nos quais os responsáveis pelas conseqüências geradas pelos impactos externos não as assumiriam;

b) Os conflitos ocasionados pelo uso e acesso aos recursos naturais em virtude da dificuldade na definição de sua propriedade. Os conflitos desta categoria estariam relacionados aos espaços sociais, cuja apropriação de seus recursos não é regida pelo mercado, portanto, não tem preço e não pode ser propriedade privada. Para Acselrad (2004, p. 18), mesmo admitindo ser correto afirmar que

[...] tais conflitos eclodem na fronteira social entre o mercado e o não mercado, a teorização em pauta vê-se aprisionada pela hegemonia das categorias mercantis: a gênese dos conflitos ambientais, afirma-se, estaria situada na “falta” de mercado, de propriedade e de preços e não em processos sociais que se definem por si mesmos, sem se caracterizar pelo que, de uma ótica normativa, lhes falta para serem “resolvidos”.

Uma outra concepção na abordagem dos conflitos ambientais os considera para além dos paradigmas evolucionista e economicista, analisando-os como referentes às distintas estratégias e interesses diversos na apropriação e usufruto da natureza em uma era globalizada do ponto de vista econômico-ecológica. Tal concepção afirma que existem outras formas de resolver a reapropriação do mundo, as quais estão fora da lógica do mercado ou das normas jurídicas do direito privado, assinalando a existência de racionalidades não hegemônicas na ocupação e uso dos territórios étnicos, apoiada em uma resignificação de conceitos e formas jurídicas que os caracteriza como espaços de reprodução cultural e da preservação da capacidade dos povos indígenas aproveitarem das suas riquezas naturais (ACSELRAD, 2004).

Na visão de Acselrad (2004, p. 18), embora esta concepção ofereça pistas para uma compreensão dos conflitos ambientais “como expressão de tensões no processo de reprodução dos modelos de desenvolvimento”, sua existência “aparece aqui como restrita a fronteiras definidas em grande parte por especificidades espaciais, e não como pertinente às fronteiras sociais mais disseminadas da vigência do mercado e das relações capitalistas”.

O autor ainda afirma que ao analisarmos os conflitos ambientais veremos que estes são a expressão das contradições internas ao modelo de desenvolvimento, os quais se manifestam não somente nas fronteiras dos territórios ocupados por populações tradicionais e povos indígenas, “que opõem ordens e relações sociais diferentes”, mas

também nos processos de urbanização e de comercialização dos sistemas vivos e outros (ACSERALD, 2004a, p. 73).

Em seu artigo Idéias para uma sociologia da questão ambiental – teoria social, sociologia ambiental e interdisciplinaridade –, Leila da Costa Ferreira (2004) traz, a nosso ver, alguns elementos para compreendermos a constituição do campo dos conflitos ambientais no âmbito da sociologia ambiental. Tomemos a sua reflexão como base a partir da abordagem que a autora faz da interpretação weberiana sobre as “esferas múltiplas de determinação da ação social”.

De acordo com a autora,

Podemos falar de uma esfera econômica relacionada aos conteúdos de sentido referentes à produção econômica e ao mercado. De uma esfera social relacionada aos conteúdos de sentido identificados a um ethos social e a concepção de honra (prestígio); ou de uma esfera política relacionada aos conteúdos de sentido referentes às lutas pelo poder. Podemos também falar de uma esfera jurídica, estética, religiosa ou mesmo científica, cada qual relacionada a uma forma específica da ação social e a produção de conteúdos de sentido que lhe são pertinentes. (FERREIRA, 2004, p. 78).

Nessa perspectiva, Ferreira (2004, p. 78) assinala como Max Weber (1982) está presente nas formulações teóricas elaboradas por Bourdieu (1980). “Como em Weber, a questão dos sentidos, que os homens atribuem em suas condutas é central em Bourdieu”. Este último, ao conceber sobre cultura, sistemas simbólicos, busca reunir contribuições de diferentes abordagens teóricas enfatizando que estas se decompõem basicamente em duas vertentes. A primeira de matriz Kantiana, a exemplo (que tem referência em) de Durkheim (1995), na qual “os sistemas sociais são pensados ao mesmo tempo como meios de comunicação (estruturas estruturadas) e como instrumentos de conhecimento e da construção do mundo objetivo (estruturas estruturantes)”. Fundamentalmente esta vertente procura compreender como as formas de consenso se articulam a partir da construção simbólica (FERREIRA, 2004, p.78).

Já a segunda vertente, que teria em Marx (1980) e Weber (1982), seus principais teóricos, baseia-se no “entendimento dos sistemas simbólicos como instrumentos de dominação” (FERREIRA, 2004, p. 78).

Na visão de Ferreira (2004, p. 78),

É desta reflexão sobre estas duas vertentes interpretativas que Bourdieu irá desdobrar os conceitos fundamentais com que opera: o de habitus e o de campo.

A crença nas relações entre produção de conteúdo de sentido e de formas de dominação, bem como a idéia de que os diversos processos por meio dos quais tais conteúdos de sentido se produzem podem configurar esferas dotadas de uma lógica particular, fazem com que o conceito de campo seja tributário em grande medida, da concepção weberiana da autonomia das esferas sociais.

De acordo com Ferreira (2004, p. 78), os autores que tratam da questão ambiental “se movimentam por entre configuração de idéias e instituições”.

Por um lado, a percepção de um campo de poder, posições que se entrelaçam em um sistema de relações que confere particularidade a cada posição e ao próprio conjunto, que é sempre dinâmico e marcado por disputas.

De outro a noção de campo intelectual, que ganha autonomia na medida em que crescem o nível de especialização e o status dos problemas de bens simbólicos.

Idéias, práticas, instituições e hábitos configuram um campo.

Neste sentido, Bourdieu (1980) propõe uma teoria da prática, na qual as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as chances de efetivá-las se encontram objetivamente estruturadas no interior da sociedade global. (BOURDIEU, 1980 apud FERREIRA, 2004, p. 78).

Pierre Bourdieu, em suas investigações, esforça-se por problematizar a evidência da presença de uma estrutura subjacente ao social. Assim, o autor inspira-se na convicção de que não é possível “capturar a lógica mais profunda do mundo social, a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente situada e datada”, para, segundo a expressão de Bachelard tomada pelo autor, construí-la como “caso

particular do possível”, ou, melhor dizendo, com as palavras de Bourdieu, “como uma figura em um universo de configurações possíveis” (BOURDIEU, 2007, p. 15).

Nesse sentido, analisando o espaço social no contexto da França dos anos 70, Bourdieu (2007, p. 15) faz uma análise da “história comparada, que se interessa pelo presente, ou da antropologia comparativa, que se interessa por uma determinada região cultural, e cujo objetivo é apanhar o invariante, a estrutura, na variante observada”.

Bourdieu (2007, p. 15), ao comparar os propósitos do pesquisador que busca em suas pesquisas os “exotismos” e dá “prioridade às diferenças pitorescas” com o pesquisador que visa “apreender estruturas e mecanismos”, argumenta que considera mais respeitoso às “realidades históricas (e de pessoas)” e mais fecundo, do ponto de vista científico, quando o pesquisador tem por objetivo apreender “os princípios de construção do espaço social ou os mecanismos de reprodução desse espaço e que ele acha que pode representar em um modelo que tem a pretensão de validade universal”. Na perspectiva do autor, o pesquisador “pode, assim, indicar as diferenças reais que separam tanto as estruturas quanto as disposições (os habitus) e cujo princípio é preciso procurar, não na singularidade das naturezas – ou das ‘almas’ –, mas nas particularidades de histórias coletivas diferentes”.

Na formulação do conceito de espaço social, Bourdieu (2007, p. 26-27) assinala que “as classes sociais não existem”, “[...] o que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer”.

Desse modo, para Bourdieu (2007, p. 27), o mundo social é algo a ser feito, a ser construído pelos agentes sociais – individual e, principalmente, coletivamente, “na cooperação e no conflito” –, porém essa construção não se dá no “vazio social”, como parecem crer alguns etnometodólogos, mas a posição ocupada pelos agentes no espaço social, ou seja, na estrutura de distribuição dos distintos tipos de capital, “[...] comanda as representações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou a transformá-lo”.

Ao construir uma teoria do espaço social, Bourdieu (1989, p. 133) destaca uma “série de rupturas com a teoria marxista”, descritas a seguir de acordo com o autor:

Ruptura com a tendência para privilegiar as substâncias – neste caso, os grupos reais, cujo número, cujos limites, cujos membros, etc. se pretende definir – em detrimento das relações e com a ilusão intelectualista que leva a considerar a classe teórica, construída pelo cientista, como uma classe real, um grupo efectivamente mobilizado; ruptura com o economismo que leva a reduzir o campo social, espaço multidimensional, unicamente ao campo econômico, às relações de produção econômica constituídas assim em coordenadas da posição social; ruptura, por fim, com o objectivismo, que caminha lado a lado com o intelectualismo e que leva a ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas nos diferentes campos e nas quais está em jogo a própria representação do mundo social e, sobretudo, a hierarquia no seio de cada um dos campos e entre os diferentes campos.

Para Acselrad (2004, p. 18) as dificuldades da sociologia ambiental em abordar os conflitos ambientais em suas peculiaridades, como objeto científico, dizem respeito “[...] à complexidade da caracterização do ambiental como um campo específico de construção e manifestação dos conflitos”. Nessa perspectiva, o autor se remete à teoria social de Bourdieu (2007) lembrando que o campo é visto “como uma configuração de relações objetivas entre posições na estrutura de distribuição de diferentes espécies de poder”.

Em Bourdieu (2007, p. 48) “A noção de espaço contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma, de fato, que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem”.

Desse modo, assinala o autor, os seres aparentes e visíveis – indivíduos ou grupos – são reconhecidos como tal, na e pela diferença. Em outras palavras, estes são identificados pelas posições relativas que ocupam no interior de um espaço de relações, mesmo que invisível e difícil de ser expresso empiricamente “é a realidade mais real (ens realissimum, como dizia a escolástica) e o princípio real dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos” (BOURDIEU, 2007, p. 48-49).

Bourdieu ressalta que todas as sociedades são espaços sociais, os quais são estruturas de diferenças que só são realmente compreendidas na perspectiva da ciência social,

segundo a sua teoria, através da construção e da descoberta do princípio gerador que estabelece essas diferenças na objetividade. Tal princípio “é o da estrutura da distribuição das formas de poder ou dos tipos de capital eficientes no universo social considerado – e que variam, portanto, de acordo com os lugares e os momentos” (BOURDIEU, 2007, p. 50).

No dizer do autor,

Essa estrutura não é imutável e a topologia que descreve um estado de posições sociais permite fundar uma análise dinâmica da conservação e da transformação da estrutura da distribuição das propriedades ativas e, assim, do espaço social. É isso que acredito expressar quando descrevo o espaço social. É isso que acredito expressar quando descrevo o espaço social global como um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura. (BOURDIEU, 2007, p. 50).

Complementa Acselrad (2004) que no interior do espaço social os agentes estão distribuídos em posições configuradas segundo os princípios que regem suas diferenciações e são a base das relações de conflito e disputa pela posse das espécies de poder/ “capital” específicos que caracterizam os campos, constituindo-os campos de forças relativas.

Acselrad (2004, p.19) salienta que na abordagem do “estruturalismo construtivista” de Bourdieu (1996) as “‘estruturas objetivas’ – posições no espaço social – e as ‘estruturas subjetivas – categorias vigentes de construção do mundo – são definidas por processos históricos”. Desse modo, podem ser, ocasionalmente, “‘desinventadas’, deslegitimadas através de lutas simbólicas”. Isso é devido, segundo o autor, à luta existente pela valorização/desvalorização alusiva aos diferentes “tipos de capital”, a qual, por sua vez, está relacionada à luta política pela redistribuição do poder, sendo esta também uma luta cognitiva e classificatória.

Nessa perspectiva, Acselrad (2004, p.19), ao apoiar-se em D. Moore (1996) e assim considerando “o meio ambiente como um terreno contestado material e simbolicamente”, afirma que a qualificação em relação ao que é ou não “ambientalmente benigno” redistribui o poder sobre os recursos naturais dos territórios pela

legitimação/deslegitimação das práticas de apropriação dos mesmos. Nesse sentido as lutas por recursos ambientais são, ao mesmo tempo, lutas por sentidos culturais, ou, em outras palavras, o meio ambiente é “uma construção variável no tempo e no espaço”, a qual é regida por recursos argumentativos utilizados pelos distintos agentes em seus discursos com vistas na afirmação de determinados projetos em contextos de desigualdade sociopolítica.

De acordo com a análise de Acselrad (2004, p.23) existem dois espaços onde são desenhadas as relações de poder na sociedade e esta classificação também é pertinente (se aplica) aos modos de apropriação de sua base material.

O primeiro espaço é o espaço da distribuição de poder entre os agentes sociais sobre os distintos tipos de “capital”, particularmente em relação à temática ambiental, o autor inclui o que denomina “capital material”. Neste espaço, são configuradas as diferenças nas capacidades dos diversos agentes no acesso à terra fértil, à água potável, à biodiversidade, aos territórios considerados vantajosos em termos locacionais. Nas palavras de Acselrad (2004, p.23),

O diferencial de poder sobre o que chamamos de “capital material”, por exemplo, resultaria tanto da capacidade de influência dos sujeitos sobre os marcos regulatórios jurídico-políticos do meio ambiente, como da operação de mecanismos econômicos de competição e acumulação ou do exercício da força direta.

Em relação ao segundo espaço, o autor destaca as representações, as crenças, os valores, as idéias e os esquemas de percepção que conformam as visões de mundo e legitimam “os modos de distribuição de poder” dos agentes sociais sobre a apropriação da base material descrita no primeiro espaço (ACSELRAD, 2004, p.23).

Desse modo, temos que, no primeiro “espaço de distribuição de poder sobre os recursos do território”, cada agente detém de forma diferenciada poder sobre o “capital material”. Já no segundo espaço das representações, as categorias de percepção e julgamento “tendem a legitimar as condições de distribuição desigual do poder sobre os recursos referidos” (ACSELRAD, 2004, p.23).

Na visão de Acselrad (2004, p. 23), os conflitos ambientais devem ser analisados nos dois espaços de apropriação – material e simbólica – dos recursos dos territórios. Pois em ambos os espaços ocorrem as disputas sociais, nas quais “o modo de distribuição de poder pode ser objeto de contestação”. Assim, no primeiro espaço as lutas sociais, políticas e econômicas têm como foco a apropriação dos diversos tipos de capital e a mudança ou não da estrutura de distribuição de poder. No segundo espaço ocorrem as lutas simbólicas, cujas categorias são impostas para legitimar ou deslegitimar a distribuição de poder sobre os diferentes tipos de capital.

Sobre a questão ambiental observamos, por exemplo, no primeiro espaço as disputas pela apropriação de rios entre populações ribeirinhas e os grandes projetos de construção de hidroelétricas, o conflito entre seringueiros e latifundiários pelo controle dos territórios de seringais, e, no nosso caso, o confronto entre uma comunidade tradicional de catadores de caranguejos e marisqueiras e carcinicultores, entre outros. No segundo espaço das representações verificamos as lutas simbólicas entre as diversas formas sociais de apropriação dos territórios que se dão pela afirmação dos vários atributos que lhe são conferidos, destacando, entre eles: “competitivo”, “sustentável”, “compatível com a vocação do meio”, “ambientalmente benigno” etc. (ACSELRAD, 2004, p.23).

Na tentativa de elucidar o tema dos conflitos ambientais, Acselrad (2004) destaca como se configura a distribuição da legitimidade que justifica a monocultura do eucalipto e o extrativismo cooperativo da borracha. Tal exemplo traz elementos importantes para compreendermos como os discursos ambientais legitimam a distribuição de poder e, por conseguinte, as diversas formas de uso e apropriação do ecossistema manguezal e de seus recursos pelos distintos agentes sociais.

O autor salienta que “os critérios hegemônicos do que seja ‘eficiência’ e ‘competitividade’ tendem a legitimar a vantagem comparativa do Brasil na plantação monocultural de eucaliptos para a exportação de celulose”. Nesse sentido, são desenvolvidos discursos sobre as condições climáticas e as vantagens em termos de conquista de espaço no mercado mundial para justificar a monocultura de eucalipto. (ACSELRAD, 2004, p.24). Sob essa ótica econômica a reserva extrativista não atenderia os