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Teorias da Superioridade

No documento Estado do Humor em Publicidade (páginas 35-39)

1.2 Do Riso às Teorias do Humor

1.2.2 Teorias da Superioridade

As teorias da superioridade — também possivelmente denominadas como teorias da “depreciação, malícia, hostilidade, agressão [ou] escárnio” (Carrel, em Raskin, 2008, p. 310) — baseiam-se na observação de que nos rimos do infortúnio dos outros, ou seja, na reivindicação “de que todo o humor envolve um sentimento de superioridade” ou “que sentimentos de superioridade são frequentemente encontrados em muitos casos de humor” (Internet Encyclopedia of Philosophy, em linha)15, e constituem o primeiro tipo de “teoria do

humor” a ser criada, ainda na Grécia Antiga.

O princípio do estudo do riso remonta aos primeiros esforços de autocontemplação da espécie humana, estando por isso presente de algum modo nos escritos filosóficos primordiais, nomeadamente nas obras de Platão (428-327, a.C.) e Aristóteles (384-322, a.C.) (Provine, 2000, pp. 12-13).

A concepção de humor de Platão (no diálogo Filebo), sugere que “o riso é uma emoção que envolve escárnio pelas outras pessoas e que se sobrepõe ao autocontrolo racional” (Morreal, 2014, p. 121).

Platão admite que o riso arrasta consigo uma sensação de bem-estar, alertando, no entanto, que este prazer se encontra mesclado com malícia perante aqueles a quem o riso é dirigido (Morreal, 2014, p. 121), de modo que o riso tem inerente a si uma dicotomia entre prazer (bem-estar provocado) e dor (representada pela malícia), uma associação que representa

14 Psychology Dictionary (em linha). What is Ahistorical? Acedido a 25 de Janeiro de 2015. Disponível

em: http://psychologydictionary.org/ahistorical/

15 “Humor” em Internet Encyclopedia of Philosophy (IEP) [em linha]. Consultado a 31 de janeiro de 2015.

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através de uma analogia com o ato de coçar uma irritação na pele, “da mesma forma que a dor da irritação é aliviada pelo ato de coçar, o prazer do riso alivia a dor associada com o regozijo pelos infortúnios de um amigo” (Provine, 2000, p. 13).

A atenção dedicada por Platão ao riso “deriva do medo do poder deste (o humor) para romper o estado” (Provine, 2000, p. 13), receio este expresso nas obras “A República” e “Leis”, nos quais discute consequências negativas do riso, pelo que alerta os guardiões de estado a evitar o riso “pois quando alguém se entrega ao riso violento, a sua condição provoca uma reação violenta” (A República, 338e), considerando também que a representação de comédia deve ser severamente restrita a tal ponto que “a nenhum compositor de comédia, iâmbica ou lírica, deve ser permitido ridicularizar qualquer cidadão, por palavras ou gestos, com paixão ou não” (Leis, 11:935e) (Morreal, 2014, p.122; Provine, 2000, p. 13).

A conclusão estabelecida por Platão de que o riso está ligado a algum tipo de escárnio direcionado a alguém que se considere inferior foi posteriormente considerada e desenvolvida por vários filósofos, entre os quais Aristóteles, cujas considerações sobre o riso estão presentes em referências indiretas espalhadas pela sua obra (na “Poética”, ”Retórica”, e “Ética a Nicômaco”), uma vez que a fonte original, um texto dedicado inteiramente à comédia, se encontra perdido16 (Provine, 2000, p. 13).

Para Aristóteles (Poética, 1449, a32) a comédia é “uma imitação de homens inferiores; não, todavia, quanto a toda a espécie de vícios mas só quanto aquela parte do torpe que é o ridículo. O ridículo é apenas certo defeito, torpeza anódina e inocente” (Aristóteles, trad. 1992, s.p.), assim, “para Aristóteles, e aqueles que o seguiam, o riso era causado por uma feiura ou deformidade no objeto de que se ria” (Wickberg, 1998, p. 47), desde que nenhuma outa emoção como pena ou raiva fosse despertada por esse mesmo objeto17 (Martin, 2007, p.

22; Wickberg, 1998, p. 47).

A diferença entre Platão e Aristóteles reside no facto deste último considerar que uma quantidade moderada de riso é algo desejável, mas que o seu exagero deve ser evitado (Provine, 2000, p. 14).

De uma forma simplista, as teorias do riso de Platão e Aristóteles assentam na “ideia de que as pessoas se riem do infortúnios dos outros” (McGraw & Warner, 2014, p.6), e por isso são habitualmente categorizadas como teorias da superioridade, ou, pelo menos, uma base ou variante dessas teorias, algo com que Wickberg (1998) não concorda, afirmando que estas

16 O livro desaparecido de Aristóteles é elemento central na trama do romance medieval de Umberto

Eco “O nome da Rosa”(1980), adaptado ao cinema em 1986, com realização de Jean-Jacques Annaud.

17 O termo “objeto” surge por forma a designar algo na medida em que a feiura e consequente

risibilidade estão ligadas a algo objetivo, ou seja, inerentes a um “objeto”, podendo este designar uma coisa ou uma pessoa (Wickberg, 1998, p.47).

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teorias do riso pré-modernas deveriam ser percebidas como “Teorias da deformidade(...)uma vez que se focam na natureza deformada do objecto risível em vez do sentimento de superioridade psicológica ” (p. 47).

Seguindo a tradição Aristotélica, apenas no século dezassete surge aquele que é considerado o primeiro grande impulsionador moderno da Teoria da Superioridade: o filósofo inglês Thomas Hobbes (Martin, 2007, p. 22; Wickberg, 1998, p. 47). Na sua obra “Leviatã” (1651/2009), Hobbes possui um pequeno excerto que contém uma das citações mais notórias da literatura sobre humor:

O entusiasmo súbito é a paixão que provoca aqueles trejeitos a que se chama riso. Este é provocado ou por um ato repentino de nós mesmo que nos diverte ou pela visão de alguma coisa deformada em outra pessoa, devido à comparação com a qual nos aplaudimos a nós mesmos (Hobbes, 1651/2009, p. 62).

Assente nas construções pré-modernas do riso associado a uma superioridade sobre os outros, a concepção de “entusiasmo súbito” de Hobbes acrescenta uma maior agressividade perante aqueles a quem o riso é dirigido, elevando-se àquilo que Provine (2000) descreve como “uma coroação vitoriosa”, estabelecendo em seguida uma curiosa comparação, afirmando que o riso de acordo com Hobbes “é o equivalente vocal a uma triunfal dança de flamengo pisoteada nos peitos dos adversários caídos” (p. 13). A segunda porção do excerto sobre o riso presente em “Leviatã” descreve o seguinte:

Isto [entusiasmo súbito] acontece mais com aqueles que têm consciência de menor capacidade em si mesmo e são obrigados a reparar nas imperfeições dos outros para poderem continuar a favor de si próprios. Portanto, um excesso de riso perante os defeitos dos outros é sinal de pusilanimidade18 (Hobbes, 1651/2009, p. 62).

Esta caracterização secundária do “entusiasmo súbito” é também uma caracterização da atitude medieval perante o riso, sendo este “articulado por diferenças de classes”, tornando- o totalmente aceitável nos camponeses mas não nas classes mais altas nas quais era “considerado um sinal de um ‘espírito leve’“ (Wickberg, 1998, p. 48 ), sendo que a parte final da descrição do entusiasmo que provoca o riso adverte que “o que é próprio dos grandes espíritos é ajudar os outros a evitar o escárnio e a comparar-se apenas com os mais capazes”(Hobbes, 1651/2009, p. 62).

A partir do séc. XVII e durante o séc. XVIII o ato de ridicularizar tornou-se uma técnica de debate cada vez mais popular, permitindo superar e humilhar os adversários tornando-os risíveis para as outras pessoas, assim como cresceu enquanto “forma de arte conversacional

18 Hobbes (1651/2009) descreve pusilanimidade como “O desejo de coisas que só contribuem um pouco

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socialmente aceite”, utilizada para o entretenimento em reuniões sociais, pelo que o sentido de superioridade associado ao riso passou para um plano secundário, com os aspectos intelectuais a superiorizarem-se aos emocionais, resultando em teorias do riso que se afastam da Teoria da Superioridade de Hobbes (Martin, 2007, p. 22).

Em quatro pontos de análise, Beard (2008) determina as características que permitem reconhecer uma mensagem fundamentada por humor de superioridade: (1) existe algo ou alguém que é atacado ou ridicularizado; (2) a mensagem procura dar a crer que algo ou alguém é superior a alguma coisa ou a outras pessoas; (3) a mensagem encoraja uma mal- atribuição do nosso agrado, nomeadamente deslocando-o para outras razões que não a depreciação; (4) a mensagem consiste em sátira, sarcasmo, auto-depreciação, ou humor rebaixante (p. 49).

De uma forma simplificada, estas características das Teorias da Superioridade podem ser denominadas como mecanismos Interpessoais ou Sociais, uma vez que procuram explicar a existência de humor de acordo com o contexto social ou interpessoal, i.e. relativo à relação entre (pelo menos) duas pessoas ou mais, onde este se situa, sendo que o humor é considerado como o resultado de um sentimento de elevação de alguém em relação a outras pessoas (Spotts, et al., 1997, p. 18; Cho, 1995, p. 192).

Deste modo, o elemento fundamental deste mecanismo consiste numa comparação entre um indivíduo para com outros, que, por sua vez, é tendenciosa pois é efectuada pelo próprio com objetivo de recompensar as necessidades do seu próprio ego, e representante de uma forma de hostilidade, no entanto, esta é considerada como sendo socialmente aceite/justificada, razão pela qual é possível ao indivíduo que a intenta permanecer sem sentimento de culpa. Outros factores importantes no mecanismo humorístico de depreciação são os conceitos de “intimidade de grupo” e “valores partilhados”, que podem sugerir uma ligação entre a efetividade do humor e o grau da depreciação dirigida por um indivíduo a determinado grupo, assim como o grau da sua própria identificação com esse grupo (Cho, 1995, p. 192), por exemplo, uma piada dirigida a um grupo de escuteiros (grupo figurativo) terá maior probabilidade de ser considerada humorística se o sujeito que a efetuou estiver integrado nesse mesmo grupo (ou se estiver com ele relacionado de outro modo, através de experiências e/ou conhecimentos), sendo que, partindo deste contexto, o valor humorístico da mensagem proferida também poderá aumentar consoante a força da superioridade demonstrada.

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