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COMUNICAÇÃO e LINGUAGEM

3.2 Psicologia da Linguagem, percepção e repertório visual 1 A visão da linguagem representacional e pragmática de Nunes

3.2.3 Teorias de Vigotski sobre a origem dos signos nas crianças

No capitulo 3 — o domínio sobre a memória e o pensamento — do livro A formação

social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, Vigotski29

(1998) apresenta as leis básicas que caracterizam a estrutura e o desenvolvimento das operações com signos na criança, obtidas através de experimentos com manifestações concretas destes signos (desenho, escrita, leitura, uso de sistemas e números etc.). Essas leis se apóiam na investigação sobre o fenômeno da memória, que revela a origem social dos signos e seu papel no desenvolvimento individual.

Baseado nos resultados de suas pesquisas, o autor em questão defende que as operações com signos são apresentadas como resultados de um “processo prolongado e complexo”, que está submetido às leis básicas da evolução psicológica. Sendo assim, o exercício da utilização de signos pelas crianças não é inventado e muito menos ensinado pelos adultos, mas sim fruto das transformações qualitativas, de natureza histórica, que fazem parte de um mesmo processo em estágios diferentes. Estas transformações estão ligadas às funções psicológicas superiores, que surgem ao longo do desenvolvimento psicológico da criança e estão sujeitas à lei fundamental do desenvolvimento.

Ao considerar as funções psicológicas superiores como um fator de

desenvolvimento psicológico, Vigotski propõe uma nova concepção para o processo deste, distinguindo-o duas linhas diferentes: de um lado, os processos elementares, que são de origem biológica; de outro, as funções psicológicas superiores, de origem sócio- cultural.

Entre esses dois processos estão os numerosos “sistemas psicológicos de transição” que fazem parte da história do comportamento e que é defendido pelo autor como a “história natural do signo”. Ainda nos experimentos apresentados por Leontiev, foi possível verificar que as crianças se negam a fazer uso das figuras sem significados, que funcionariam como estímulos auxiliares à memorização. Não estabelecem conexões entre a figura e a palavra que se espera que memorizem, porém associam o signo como uma representação direta do objeto a ser lembrado. Quando essa associação não é possível,

29Liev Semiónovitch Vigothski, pesquisador russo da psicologia e da lingüística, que a partir de 1924 inicia um trabalho sistemático

em psicologia do desenvolvimento, educação e psicopatologia. Em 1934, o livro Pensamento e Linguagem apresenta uma teoria inovadora e bem fundamentada do desenvolvimento intelectual, também sendo utilizada como teoria da educação.

provavelmente a criança não a utilizará no processo de memória, ou seja, para memorizar a criança opta por uma representação direta ao invés de uma simbolização mediada.

Dessa forma, Vigotski nos mostra que as crianças em fase pré-escolar “apresentam um estágio de desenvolvimento intermediário, entre o processo elementar e

completamente instrumental, a partir do qual, mais tarde, se desenvolverão completamente mediadas” (VIGOTSKI, 1998: 64).

Em relação aos adultos, o processo de memorização mediada ocorre mesmo sem os elementos externos auxiliares, pois ele já está completamente desenvolvido, ou seja, o ato de pensar é determinado pela estrutura lógica do conceito adquirido ao longo do tempo. Para as crianças pequenas, em fase de desenvolvimento mental, esse ato é feito pelas lembranças concretas e também nestas são baseadas suas representações do mundo.

Vigotski, baseado nas experiências mencionadas, conceitua a memória como sendo uma característica definitiva dos primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo e não apenas um pensamento abstrato. Ao longo do desenvolvimento psicológico, no período da adolescência, ocorre uma transformação das relações interfuncionais que envolvem a memória: lembrar significa pensar, ou seja, o objetivo da lembrança está em estabelecer e encontrar relações lógicas, diferente das crianças pequenas, que pensar significa lembrar apenas. Dessa forma, as estruturas mentais na adolescência, “deixam de ser organizadas com os tipos de classes e tornam-se conceitos abstratos” (VIGOTSKI, 1998: 68).

A partir de conceitos de Hegel30

e Marx31

, que mencionam a razão como atividade mediadora, Vigotski confere o uso de signos à categoria de atividade mediada,

argumentando que o objetivo do seu uso está na mudança de comportamento humano.

A diferença básica entre signo e instrumento consiste nas diferentes maneiras com que eles orientam o comportamento humano. O instrumento é orientado externamente e serve como condutor da influência humana sobre o objeto da atividade psicológica; já o signo é orientado internamente e é dirigido para o controle do próprio indivíduo. O termo “comportamento superior” (ou função psicológica superior) se refere à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica.

30

G. Hegel, Encyklopadie, Erster Teil, Die Logik, Berlim, 1840.

31

O processo de internalização defendido por Vigotski como “a reconstrução interna de uma operação externa”, passa pelas seguintes transformações: uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e passa a ocorrer internamente; as funções psicológicas superiores são originadas das relações entre indivíduos e como conseqüência desta, formuladas no interior da criança; a transformação de um processo interpessoal num intrapessoal é resultado de vários acontecimentos ao longo do desenvolvimento psicológico do ser humano.

Baseado nas considerações de Vigotski, podemos considerar que o que difere a memória humana da memória dos animais, é a capacidade que os seres humanos tem de “lembrar ativamente com a ajuda de signos”. Desse modo, podemos aceitar a ideia de que o homem influencia sua relação com o ambiente e, sendo esta uma característica básica do seu comportamento, consegue colocá-lo sob seu controle. Os processos psicológicos são culturalmente reconstruídos e desenvolvidos para formar uma nova identidade psicológica e a internalização das atividades culturais da sociedade é o que caracteriza a psicologia humana.