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2 A Educação no Período Democrático no Brasil e o Ensino Religioso

2.2 A terceira LDB 1996

A Lei 9394, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, traz à tona novamente o Ensino Religioso com a seguinte regulamentação:

Art.33 O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa. (BRASIL, 1996)

No entanto, após fortes pressões, lideradas pela Igreja Católica e pelo FONAPER, foram apresentados ao Congresso Nacional três projetos de lei que alteravam o artigo 33 da LDB de 1996. O primeiro projeto foi apresentado pelo deputado federal Nelson Marquezan, retirando a expressão sem ônus para os cofres públicos. O segundo projeto foi apresentado pelo deputado federal Maurício Requião, mudando de forma substancial o artigo da LDB. Estabelecia que o Ensino Religioso deveria colaborar com a formação básica do cidadão e vetava qualquer forma de proselitismo e doutrinação respeitando a diversidade religiosa brasileira. Por fim, o projeto de lei de autoria do Poder Executivo n° 3.043/97, que defendia a manutenção do texto da LDB, mas acrescentava que a definição de conteúdos , formação e remuneração dos professores seria de responsabilidade do sistema de ensino sendo admitida parceria total ou parcial com entidade civil que congregasse diversas denominações religiosas (JUNQUEIRA, 2002, p.65).

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina de horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer forma de proselitismo (Redação dada pela Lei n°9.475, de 22.7.1997).

§ 1°. Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores (Redação incluída pela Lei n° 9.475, de 22.7.1997).

§ 2°. Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos dos ensinos religiosos (Redação incluída pela Lei n° 9.475, de 22.7.1997). Com a nova redação da lei, o Ensino Religioso é reconhecido como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Passa a constituir parte integrante do sistema sendo considerado elemento essencial da formação integral do cidadão; se torna facultativo para o aluno com finalidade de respeitar a liberdade religiosa, não podendo ser entendido como ensino de religião, evitando-se assim qualquer forma de proselitismo. A oferta da disciplina se torna responsabilidade dos sistemas de ensino, logo, tendo ônus para os cofres públicos.

A LDB de 1996/97, possibilita um avanço no entendimento do Ensino Religioso e representa uma mudança na concepção religiosa do país.

[...] o campo de estudos das religiões passa a enfrentar o desafio político e ideológico de ter de reconhecer a legitimidade cultural e política das múltiplas tradições não-cristãs tidas até muito recentemente como primitivas, supersticiosas ou simplesmente falaciosas. Nesse novo contexto, coloca-se o desafio teórico de se pensar a própria categoria de “religião” como um produto histórico (MONTERO, 2012, p. 168).

De fato a nova configuração legislativa frente à temática do Ensino Religioso trouxe uma mudança significativa no que se refere a essa modalidade de ensino. O Ensino Religioso, de maneira facultativa se legitima como disciplina comum das escolas públicas de ensino fundamental. Assume uma identidade pedagógica e com a revisão, feita em 1997, do Art. 33 da LDB (9.3940/1996), e a publicação das Diretrizes do Ensino Fundamental, homologada em 1998 pelo Conselho Nacional de Educação, o Ensino Religioso como componente do currículo

foi legitimado como umas das dez áreas do conhecimento no ensino fundamental brasileiro (JUNQUEIRA, 2008).

No entanto, esta Lei é ainda bastante ampla e ambígua, deixando várias lacunas a serem preenchidas pelos Conselhos Estaduais de Ensino conforme realidade e vivências regionais, ficando para as Secretarias Estaduais de Educação e os Conselhos de Educação sua regulamentação. Além disso, existe a possibilidade do Projeto Político Pedagógico de cada unidade escolar adaptar tal legislação à sua realidade vivencial. Essa expressão facultativa permanece até os dias atuais.

Nesse cenário de legitimação da disciplina Ensino Religioso surgem vários questionamentos sobre a sua viabilidade num cenário político educacional laico. Como seria possível conciliar o Ensino Religioso na escola pública sem infringir o princípio da igualdade de tratamento, sem violar o pluralismo religioso, sem ferir a diversidade cultural, ou seja, promovendo o bem de todos sem criar distinções e preferências?

Nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina que o Ensino Religioso deve garantir o respeito à diversidade cultural religiosa, impedindo que o Estado promova ou aprove qualquer forma de proselitismo. Proibido o proselitismo, é portanto negado ao Estado fazer ou permitir que se faça, no ambiente da escola pública, doutrinamento, pregação, conversão, evangelização, catequese ou quaisquer outras ações do gênero, porque tais atitudes violam o dever de imparcialidade do Estado.

Coerente com o conceito de democracia substancial, o Estado não pode privilegiar confissão ou grupo de confissões em detrimento de alunos que não professam a mesma crença, ainda que em minoria. A proibição se justifica na medida em que qualquer promoção ou endosso de confissão ou grupo de confissões religiosas no espaço da escola pública, de modo direto ou indireto, ainda que por indução ou sugestão, de forma clara ou subliminar, por meio de discursos, ações e símbolos, veiculando a mensagem de que o Estado recomenda ou prefere orientação ou moral religiosa, caracteriza prática excludente daqueles alunos que não professam a mesma crença.

A partir dessas premissas, conclui-se que apenas o ensino não confessional, facultativo, que assegure a dignidade da pessoa humana e que proteja e valorize a diversidade cultural e religiosa, seria capaz de tornar compatível o Ensino Religioso na escola pública em um Estado laico. O Ensino Religioso deve, portanto, respeitar e estimular o conhecimento sobre a diversidade cultural religiosa do Brasil e o direito de não crença, estimulando a capacidade dos alunos de reconhecer e valorizar a história, a identidade e as contribuições de cada cultura na construção da nossa sociedade. Para isso, os conteúdos programáticos devem estar fundados em dimensões históricas, sociais e antropológicas referentes à realidade brasileira, com o objetivo de atacar as diferentes discriminações sejam elas relacionadas ao gênero, cor da pele, opção religiosa, classe social ou qualquer situação que estimule qualquer forma de violência ao diferente.