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2. O CONTEXTO DAS ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SETOR 20 

2.3. TERCEIRO SETOR NO BRASIL: CONTEXTO LEGAL 39 

O Direito não cobre muitas vezes os fenômenos que lhe são contemporâneos; tende, na verdade, a cristalizar situações anteriores (Maria Nazaré Lins Barbosa, advogada e

Como ressalta Barbosa (www.setor3.com.br), “a legislação brasileira não tem acompanhado a evolução do chamado ‘Terceiro Setor’”, o que, consequentemente, implica em situações que envolvem tais organizações que não são contempladas pelas regras que disciplinam o direito privado nacional. Os instrumentos jurídicos que regulamentam as atividades das organizações pertencentes ao Terceiro Setor no Brasil são diversos e estão espalhados em diferentes leis, decretos, resoluções, etc., não configurando uma legislação específica. O objetivo neste tópico não é compilar todas as referências legais concernentes às organizações do Terceiro Setor, mas sim caracterizá-las à luz da legislação brasileira vigente atualmente para poder compreender melhor algumas nuanças deste conjunto de organizações no país.

De acordo com a redação original do Novo Código Civil de 2002, no artigo 44, poderiam existir no Brasil apenas três formas de pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades, as associações e as fundações, das quais somente as duas últimas formas se referiam especificamente às organizações do Terceiro Setor. Porém, antes mesmo de entrar em vigor, essa classificação foi alterada pela lei nº 10.825/03 que inseriu duas novas espécies de pessoas jurídicas no artigo 44: as organizações religiosas e os partidos políticos (AZEVEDO, 2006). Esses dois tipos de organização, de acordo com o disposto no código civil anterior, enquadravam-se somente na condição de associação. Entretanto, o novo código propôs, nos artigos 57 a 60, novos regimentos para as associações que, como mostra Azevedo (2006, p.102), eram “incompatíveis com o modus operandi típico de igrejas e partidos políticos”, o que motivou, não somente a alteração anteriormente mencionada, como também a feita no artigo 2.031, que desobrigou-se tais organizações de se adequarem ao novo código.

Quanto à definição das formas jurídicas mencionadas, observa-se que a legislação define de maneira clara o que se entende por associação e fundação. Como coloca Resende (2003, p.23), juridicamente, uma associação consiste de “agrupamento de pessoas, que visam o benefício da coletividade e, não tem interesse econômico, ou fim lucrativo para os associados ou administradores”; já a fundação se refere a “um patrimônio que alguém separa do que lhe pertence para beneficiar, sempre, a outras pessoas que não o instituidor ou os administradores da entidade”. Todavia, legalmente, as duas novas espécies de pessoas jurídicas de direito privado nascem sob uma penumbra conceitual, sendo que para defini-las se faz necessário o uso da literatura especializada.

Moraes (2006, p.20) apresenta, o que ele denomina de uma definição moderna de partido político, o conceito proposto Seiler14, ou seja, “organizações visando a mobilizar indivíduos numa ação coletiva conduzida contra outros, paralelamente mobilizados, a fim de alcançar, sozinhos ou em coalizão, o exercício das funções de governo”. Já a compreensão do que seja organização religiosa é mais delicada, principalmente pela discussão sobre a distinção entre organizações com finalidades de culto (igrejas, sinagogas, mesquitas, centro espíritas, etc.) e aquelas origem confessional15. Dado o debate, entende-se que a definição de organizações religiosas como “aquelas que têm como finalidade cultivar crenças religiosas e administrar serviços religiosos e rituais”, proposta por Pereira (2006), apresenta-se como adequada para o momento. Convém, destacar que, apesar de figurarem na ICNPO proposta por Salomon e Anheier (1992), ainda não existe um posicionamento claro sobre o enquadramento ou não das organizações religiosas e dos partidos políticos no Terceiro Setor.

Um conjunto de regras importantes para as organizações do Terceiro Setor é aquele que trata da concessão de títulos de utilidade pública e de declarações de entidades com fins filantrópicos. Referente ao título de utilidade pública, observa-se que é um ato discricionário no qual cada esfera de governo possui independência no tocante à concessão, que é regulamentada por leis específicas e respectivas a cada uma. Na esfera federal, a titulação está sujeita às regras da lei nº 91/35, do decreto nº 50.517/61 e da portaria 11/90 da secretaria de justiça do Ministério da Justiça. Já em Minas Gerais e em Belo Horizonte, especificamente, a concessão é regulamentada pelas leis nº 12.972/98 e nº 6.648/94, respectivamente.

Teoricamente, a concessão é fundamentada na compreensão de que essa é um meio do governo subsidiar organizações privadas sem fins lucrativos que prestam serviços relacionados à assistência social, saúde, educação, cultura, desenvolvimento científico, entre outros, e que são caracterizados, também, como obrigações do Estado (BOUDENS, 2000). A posse do título de utilidade confere às organizações do Terceiro Setor a possibilidade de usufruir vantagens materiais e imateriais na sua relação com governos De acordo com Boudens (2000), tais vantagens são as seguintes:

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SEILER, Daniel-Louis. Os partidos políticos. Brasília: Editora Universidade de Brasília : São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.

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Organizações que, embora possuam vínculos formais com organizações com finalidade de culto (hospitais, universidade, escolas, creches, etc.), não são dedicadas a esse tipo de prática. Azevedo (2006), baseado em parecer emitido em resposta a uma consulta do7 Conselho Nacional de Igrejas ao Ministério da Justiça, “entende que as instituições não dedicadas ao culto religioso, embora confessionais, não configuram organizações religiosas” (p.101), enquadrando-se juridicamente como associações ou fundações.

Imateriais: prestígio e credibilidade, na medida em que pode ser considerada prova

do reconhecimento oficial dos serviços prestados pela entidade; é pré-requisito para a obtenção do certificado de fins filantrópicos;

Materiais16: possibilidade de receber [subvenções do poder público]; possibilidade de, para fins de cobrança de imposto de renda, o doador deduzir da renda bruta as contribuições feitas à entidade; possibilidade de realizar sorteios; imunidade fiscal; isenção da contribuição do empregador para o custeio do sistema previdenciário (p.4, grifo nosso).

Já a declaração de entidade com fins filantrópicos é concedida pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS – às organizações classificadas como entidades beneficentes de assistência social. De acordo com a resolução nº 177 do CNAS, que, juntamente com o decreto nº 2.536, regulamenta a concessão ou renovação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos,

considera-se como entidade beneficente de assistência social a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que atue no sentido de: proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; amparar crianças e adolescentes carentes; promover ações de prevenção, habilitação e reabilitação e pessoas portadoras de deficiências; promover gratuitamente, assistência educacional ou de saúde; promover a integração ao mercado de trabalho; promover o atendimento e o assessoramento aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social e a defesa e garantia dos seus direitos (art. 2º).

Para Martins (www.rits.org.br), com o Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, uma organização do Terceiro Setor obtém o reconhecimento, por parte do poder público, de entidade útil à coletividade; as isenções tributárias garantidas nos artigos 150 e 195 da constituição federal de 1988 e o direito de participar de fóruns ou conselhos de órgãos públicos.

Entretanto, apesar das potenciais vantagens observadas com a obtenção dos títulos e declarações, dois problemas principais se colocavam para o reconhecimento institucional das organizações do Terceiro Setor: 1º - o excesso de burocracia para o alcance do mesmo e 2º - o não reconhecimento legal de vários tipos de organizações (FERRAREZI; REZENDE, 2000). A legislação mencionada acima, como coloca Ferrarezi e Rezende (2000), enfatiza demasiadamente os meios (processos, documentos, registros contábeis,...) para a qualificação necessária à realização de convênios com o governo, o que acaba por criar barreiras difíceis de se transpor para determinadas organizações.

Numa tentativa de simplificar os processos de qualificação das entidades sem fins lucrativos voltadas para a produção de bens e serviços públicos, o Governo Federal Brasileiro,

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Quanto às vantagens materiais, Boudens (2000) adverte quanto à possibilidade de mudanças constantes e imprevisíveis, o que exige um esforço contínuo de atualização quanto à legislação pertinente.

em 25 de Março de 1999, promulgou a lei nº 9.790, que acabou por promover algumas modificações importantes no tocante à operacionalização de algumas organizações do Terceiro Setor. Essa lei dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP´s -, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. A lei, em seu artigo 3º, define OSCIPs como pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que incluem as organizações que promovem assistência social, cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação e da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos, e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz e da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, promoção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos em áreas correlatas.

Resende (2003, p.24) afirma que quando uma organização sem fins lucrativos consegue a obtenção do título de OSCIP, à mesma é atribuído o direito de “firmar parcerias, administrar recursos do Erário e obter outros benefícios do Estado, sem a necessidade de títulos de utilidade pública ou de filantropia e sem tanta burocracia e empecilhos ainda existentes para as entidades que não gozam de tal titulação”.