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testemunhos de vida universitária margarIDa I almeIDa amoeDo

Professora Associada do Departamento de Filosofia da Universidade de Évora e Investigadora Integrada do CHAM – Centro de Humanidades (FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores). 1

Fernanda Henriques trouxe, ao vir leccionar na Universidade de Évora, um ânimo de intervenção institucional e uma experiência de vida pensante que se reflectiram em todas as suas actividades (lectivas e não -lectivas) e foram, com o passar dos anos, amplamen- te reconhecidas por Estudantes, Docentes e outros Funcionários. A organização deste Liber Amicorum reforça esse reconhecimento, a que me associo, sugerindo um elogio à sua dedicação à Filosofia e ao Ensino, através de um texto em que invoco as qualidades do magistério de José Ortega y Gasset, autor que sei ser -lhe também bastante caro.

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O que se chama hoje em dia avaliação do desempenho de um professor não é tarefa fácil e recorre à apreciação dele feita pelos seus alunos, não obstante saber -se que esta acarreta deformidades. Encontra -se, entre elas, o risco constante de distorção do juízo causada pelo envolvimento particularista de cada um, o que constitui por si só grande obstáculo à aferição do rigor dos dados obtidos. Contudo, a referida avaliação do desem- penho não prescinde do contributo dos alunos e, caso estes não se limi tem a responder a um inquérito (que pela sua natureza admite um número muito reduzido de tipos de res- posta e praticamente dispensa a respectiva justificação), o que declaram sobre os seus professores tem o peso de testemunhos. Sobre Ortega existem bastantes declarações deste género que, não sendo imunes à subjectividade, se podem considerar, à maneira do que acontece nos tribunais, como depoimentos entre as provas disponíveis.

Ao ingressar como docente, em 1908, na Escuela Superior del Magisterio, Ortega pas- sou a ter a seu cargo a cátedra de Psicología, Lógica y Ética, que, por sinal, num artigo

1 Na docência, Margarida Amoedo tem -se dedicado, sobretudo, à Axiologia, à Ética e à Filosofia da Educa- ção, investigando ainda, no âmbito do Pensamento Hispânico, o legado filosófico da obra de José Ortega y Gasset, que estuda desde a Licenciatura em Filosofia e o Mestrado em Filosofia Contemporânea con- cluídos, em 1983 e em 1989, na Universidade de Coimbra. A sua tese de Doutoramento, onde se encontra amplamente enquadrado e desenvolvido o texto aqui reelaborado, foi publicada sob o título José Ortega y Gasset: A Aventura Filosófica da Educação (Lisboa: IN/CM, 2002).

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intitulado Anarquía gubernamental2, tinha sido objecto de alguns repa ros seus, em virtu- de das questões episte mológicas que levantava e eram patentes logo na designação da disciplina3. Nem por isso o seu trabalho terá sido afectado de menor qualidade. A avaliar pelas palavras de María de Maeztu, que ali foi sua aluna, Ortega introduzia o curso dando do filosofar uma definição (que sempre manteria) que o afastava do mero saber e o propu- nha como busca da unidade oculta dos fenómenos, ou seja, como compreensão. O modo penetrante como o fazia determinava na classe uma concentração notável: “La palabra del maestro, clara, precisa, elegante, produce una extraña emoción. Los alumnos intentan tomar notas en sus cuadernos; mas, al punto, quedan absortos, detenida la pluma en el papel, ante la mara villa de aquella exposición filosófica vestida con una gran riqueza de imágenes y metáforas.” María de Maeztu acrescenta, logo em seguida, uma observação de extrema importância: “Parece que asistimos, no a la explicación de una clase magistral, sino a la pericia de una teoría dramática cuyo protagonista es la propia vida del filósofo.”4

Esse traço dramático – que Ortega enunciaria mais tarde como característico da vida humana e de todas as actividades com valor vital – pode ser usado também para iden- tificar o estilo da escrita orteguiana. Ricardo Senabre Sempere dedica precisamente um capítulo do seu Lengua y estilo de Ortega y Gasset intitulado «La dramatización»5 ao fenó- meno, tí pico no nosso autor, de ir dando às ideias e conceitos, que emprega e estuda, uma dimensão crescente até atingir um carácter trágico. Incidindo no fenómeno de dramatiza- ção, en quanto técnica de composição usada pelo escritor, e no dramatismo, que o próprio Ortega apontou como interno aos problemas e temas por si expostos, Senabre Sempere conclui que aquela técnica está ao serviço de uma concepção ensaística no fundo da qual existe “una razón pedagógica de considerable peso”, pois “Ortega no se propone, en rigor, dogmatizar férreamente, sino enseñar. A las formulaciones tajantes del maestro prefiere los estímulos del curioso – de un curioso, claro está, dotado de enorme poderío inte- lectual (...).”6 Se o termo “curioso” não parece muito feliz, dado o objectivo de enaltecer uma faceta de um autor que chamou a atenção para a possibilidade de a curiosidade ser apenas a forma defici ente do interesse7, já o uso do termo “enseñar” não poderia resultar

2 Trata -se de um artigo encontrado entre as cartas enviadas por Ortega da Alemanha aos seus pais, repro- duzido no volume de Cartas de un joven español (1891 -1908) (Ed. de Soledad ORTEGA. Madrid: Ediciones El Arquero, 1991, pp. 289 -294) e republicado nas novas Obras completas de José Ortega y Gasset (Tomo VII. Madrid: F.J.O.G./Taurus, 2007, pp. 107 -110), doravante referidas pela sigla Oc seguida da indicação do tomo em numeração romana e de p. ou pp. em numeração árabe.

3 Cf. ORTEGA Y GASSET, José – «Anarquía gubernamental», in Oc, I, p. 109.

4 MAEZTU, María de – «José Ortega y Gasset», in Antología – Siglo XX. Prosistas españoles: semblanzas y

comentarios. 6ª ed., Madrid: Espasa -Calpe, 1964, p. 78.

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melhor. De facto, este vocábulo permite aos espanhóis dizer, tanto ensinar, instruir, educar e aconselhar, como indicar, mostrar, expor e deixar aparecer. E, como é sublinhado pelo citado estudioso do discurso de Ortega, este estrutura os seus ensaios de maneira a fazer surgir os temas como problemas de uma gravidade que deixa o leitor em contínuo sobres- salto, o que tem uma eficácia retórica admirável. A frequência dos elementos enfáticos juntamente com uma visão das coisas bastante pessoal e aguda, que potencia delas só os aspectos considerados mais relevantes, transformam os enunciados orteguianos em inci- tantes desafios à meditação, mesmo em torno de questões de grande aridez. Esta quali- dade, que, conforme diz Senabre Sempere, “[n]i los más pertinaces adversarios o detrac- tores de Ortega dejarán de reconocerle”8, não é exclusiva dos ensaios, antes fez parte das diversas modalidades de intervenção do filósofo como orador. Neste papel sabia quais os requisitos a cumprir e, para além disso, tinha consciência do que os torna exigíveis, por- que pensara e compreendera em que consiste falar perante os outros. A forma como em Vitalidad, alma, espíritu deixou dissecada uma conferência comprova -o cabalmente, ao mesmo tempo que permite ilustrar o domínio perfeito do referido processo de dramatiza- ção. Vale a pena, não obstante implicar uma longa citação, ter presente o crescendo em que Ortega nos diz o que é uma conferência, ela própria um pequeno drama:

“Es un salón con su fisonomía peculiar, es un público de terminado. (...). El título de la disertación desciende como una redada al fondo abisal de la sociedad, y captura en él su marino botín, recamado, hirviente, tal vez con algunas sirenas. Los presentes subrayan la ausencia de los ausentes, proporcionando así a éstos una virtual presencia. Cada conferencia, con perdón del conferenciante, es un animal, un organismo individual que tiene su biografía posible, de una vida que suele durar una hora. Lo que el orador dice es solamente uno de los órganos de aquel ente fugaz, tal vez sólo el esqueleto.” 9

Ortega alude depois a alguns dos restantes órgãos de uma conferência com inegável mestria:

“Las toses, los estremecimientos colectivos, la tensión de la curiosidad en una curva peli grosa que hace el monólogo del orador, o los hastíos que, de pronto, orbayan sobre el pú blico. Y una puerta que gruñe, y un escalofrío en las bombillas, tan dramático, que pasa como una amenaza de tiniebla. Y luego, aquel terrible abismo que inesperadamente se abrió ante el orador cuando se encuentra sin la palabra donde poner el pie (...), o bien el párrafo magnífico, obeso, carnoso, blando, que se infla maravillosamente en el aire como un aerostato, y, de pronto, «[¡] ting!», «!ting¡», las seis, las siete lanzadas de una campana de reloj, que lo traspasan, que lo perforan y le hacen perder el gas. O bien la cuartilla de notas que se pierde y la sumersión consecuente de buzo que ha de ejecutar el orador en la pleamar de sus papeles, y, después de nadar hasta el fondo, sale de nuevo a la superficie con la perla arisca entre los dientes y goteando por las sienes...”10

En torno a Galileo, in Oc, VI, p. 435.

8 SENABRE SEMPERE, Ricardo – Lengua y estilo de Ortega y Gasset, op. cit., p.268. 9 ORTEGA Y GASSET, José – “Vitalidad, alma, espíritu”, in El Espectador – V, in Oc, II, p. 566. 10 Ibid., p. 567.

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Julgamos este excesso de citação largamente compensado pela riqueza das imagens e por ser uma prova da capaci dade orteguiana de criar a mencionada tensão dramática.

Com base, por exemplo, num minucioso estudo de González Calvo, pode concluir -se que Ortega era um exímio orador, pela entoação, pelos gestos, por toda a movi mentação perante os ouvintes, bem como pelos apartes e outros meios de reagir a elementos ex- ternos, ou pelo uso do vocativo e do imperativo, e de artifícios vários (perguntas retóri- cas, pedidos de opinião, antecipação de possíveis objecções) para envolver o público no trabalho que lhe cabia a ele realizar. Também o conteúdo, e não só em termos das ideias e teses pessoais ou alheias expostas, mas em termos das metáforas, dos relatos e evo- cações, do humor e da ironia, dos verbos e demais termos escolhidos, concorria para a teatralidade que fazia das intervenções de Ortega algo de espectacular.11

A capacidade oratória do nosso autor servia especialmente bem a intenção pedagó- gica que presidia, quer aos seus discursos e conferências, quer, como é natural, às suas au las. Se regressarmos ao testemunho de María de Maeztu, a respeito da atenção des- pertada nos alunos por Ortega, notaremos a contraposição entre “clase magistral” e “teoría dramá tica”. Dizer de uma aula que é magistral equivale, em princípio, a uma qua- se redundância – pois não há aula sem mestre e o adjectivo tem, em primeiro lugar, a acepção de relativo a mestre –, ou a um enorme elogio a quantos nela participam – por poder ser sinónimo de perfeita, de exemplar. No entanto, pelo uso que lhe dá María de Maeztu somos levados a ler aula magistercêntrica e a reforçar o juízo positivo acerca da de Ortega que àquela é contra posta.

A mesma aluna remete para características naturais do professor apreciado quando relembra que sob “la apariencia de una objetividad fría, serena, incorruptible (...) bro- ta del subsuelo, como de un hontanar, una emoción cálida, una pasión con tenida. (...) Ortega es un hombre del Sur, y el fuego que enciende su espíritu está ahí (...). La doc- trina filosófica (...) adquiere un nuevo vigor, una fuerza viva, actual.”12 Na verdade, é uni- versalmente admitido que certos dotes naturais têm um peso considerável na docência; e Ortega, com a fisi onomia aguda, de olhos grandes e calmos, com o carácter e energia desde a infância evi dentes13, tinha todas as condições para potenciar esses dotes, na que escolhera como acti vidade profissional.

11 Cf. GONZÁLEZ CALVO, José Manuel – «Ortega, orador», in SENABRE [SEMPERE], Ricardo (ed.) – El escritor

José Ortega y Gasset. Cáceres: Universidad de Extremadura, 1985, pp. 27 -56.

12 MAEZTU, María de – «José Ortega y Gasset», in Antología – Siglo XX. Prosistas españoles: semblanzas y

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Após a segunda estada em Marburg e o regresso a Madrid, o jovem filósofo toma pos- se, em Janeiro de 1912, da cátedra universitária de Metafísica (sua desde 1910), na qual exercerá fun ções – apenas interrompidas no período final da ditadura de Primo de Rivera – até 1936. O comprometimento de Ortega com a sua universidade não se restringiu à leccionação, como, aliás, consideramos ser próprio de todo o autêntico Professor Uni- versitário. A aten ção prestada ao funcionamento institucional e aos reflexos indesejáveis que nele espelhava o meio social envolvente fornecer -lhe -ia dados indispensáveis para uma conduta quotidiana correcta e para o projectar de alterações, que se configurariam, mais tarde, numa importan tíssima reforma da sua Faculdade. “Yo recuerdo – diria Orte- ga, duas décadas depois de ini ciar o trabalho na Universidad Central – que una de mis primeras impresiones de profesor, cuando (...) ingresé en la cátedra, fue que al asistir por primera vez a la Junta de la Facultad de Filosofía y Letras (…), apenas se discutió sobre si se había de dar o no una orden a un bedel, la honorable Facultad se dividió, hasta la raíz, en derechas e izquierdas.”14 Verificada a vulgaridade de certas atitudes e episódios na vida escolar, Ortega lutaria neste âmbito, como em todos os restantes, contra o tópico, o lugar -comum, de que a, ironicamente aludida, divisão automática entre direitas e es- querdas era exemplo. Tem razão Morón Arroyo ao sublinhar que a oposição ao tópico não é uma ânsia de novidades, mas sim de se responsabilizar e de personalizar tudo quanto se diz, entendendo -o, ânsia que está na origem da atitude interro gativa de Ortega15.

São óbvias as virtualidades pedagógicas de uma tal atitude e, pela negativa, as situa- ções em que diagnosticamos a sua ausência mostram -se -nos despidas de valor educati- vo. Ao carácter dramático, anteriormente afirmado como constituinte dos diversos regis- tos do dis curso orteguiano, não é estranha a feição interrogativa de abordar a linguagem, a realidade, os problemas. No Prólogo para alemanes Ortega censuraria os seus mestres neokantianos, porque “no disparaban las mentes jóvenes hacia problemas abiertos so- bre que fuese posible e interesante trabajar”16, o que dá a medida da responsabilidade de questionar que imputava a quem tem a missão de ensinar. Apesar da censura, fora, segundo o mesmo prólogo, um des ses mestres, Cohen, a despertá -lo para a importância de “extraer la emoción de dramatismo que (...) yace en todo gran problema intelectual”17. Pela sua idolatria da inteligência18 os marburguianos falharam, porém, no respeito pela integridade dos problemas e tornaram ortodoxo o seu tratamento. Mas Ortega estava preparado para assumir, por si próprio, que a “más alta y fecunda misión del profesor uni- versitario es disparar ese dramatismo potencial y hacer que los estudiantes en cada lec-

14 ORTEGA Y GASSET, José – “Proyecto de Constitución (Discurso pronunciado en las Cortes Consti tuyentes el 4 de septiembre de 1931)”, in Rectificación de la República, in Oc, IV, p. 822.

15 Cf. MORÓN ARROYO, Ciriaco – El sistema de Ortega y Gasset. Madrid: Ediciones Alcalá, 1968, p. 32. 16 ORTEGA Y GASSET, José – «Prólogo para alemanes», in Oc, IX, p. 136.

17 Ibid., p. 143.

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ción asistan a una tragedia.”19 Repare -se na subordina ção inevitável do modo de ensinar à natureza problemática do que se ensina, o que pressu põe de imediato um grande domínio da respectiva área de saber. Sem conhecer em pleno as suas questões, não será possível desencadear essa tensão acima do normal da nossa alma que Ortega refere como defini- ção de dramatismo20. Conhecimento, emoção e atenção revelam -se, portanto, ingredien- tes básicos de um trabalho que não se queira que venha a redundar em lições tontas21.

Evocando o começo da primeira aula de Metafísica que lhe foi dada por Ortega, um dos seus mais originais discípulos, Xavier Zubiri, escreveu: “Aún recuerdo sus palabras: «Vamos a contemplar, señores, una lucha gigantesca entre dos titanes del pensamiento hu mano: entre Kant, el hombre moderno, y Aristóteles, el hombre antiguo.»”22 Também Marías, aluno de Ortega treze anos depois de Zubiri, deixou o registo das impressões causa das desde início pelo contacto com o mestre de rosto grave e amistoso ao mesmo tempo, de olhos penetrantes como a luz:

“Empezó a hablar. Acaso su voz era lo primero que decía quién era Ortega; estaba todo en ella. Grave, a veces ronca; notas bajas, dramáticas, al final de las frases; llena de matices expresivos. Las palabras parecían rodar entre los dientes, salir de entre sus labios, destinadas precisamente a cada uno de nosotros. (...). Las manos de Ortega, sobre la mesa, iban diciendo su parte con sobrios, elegantes gestos mediterráneos: gravedad y gracia juntas en un ademán.”23

Ao primeiro efeito produzido pelo desafio intelectual que a presença física reforçava juntava -se em seguida uma espécie de contágio para a conquista da verdade. Por um lado, isso passava por uma capacidade de dar a conhecer as tendências mais actuais do pensa mento europeu e, simultaneamente, de partir delas para uma elaboração filosófica própria. Por outro, implicava um envolvimento pessoal dos alunos no ambiente de refle- xão, cujos propósitos e metodologia se iam explicitando. Ainda que nuns casos se tenha revestido de menor formalidade do que noutros24, o apelo de Ortega à Filosofia enquanto

19 IDEM – «Prólogo para alemanes», op. cit., p. 143. 20 Cf. IDEM – ¿Qué es filosofía?, in Oc, VIII, p. 287.

21 “(…) Para mí es tonta una lección cuando carece de dramatismo y este dramatismo que deben tener no diré que siempre pero sí normalmente las lecciones no es algo que el profesor añada por propia cuenta al tema, no consiste en aspavientos, patetismos, gemebundeces y tonitruaciones que agregue al tema [y que serían vanos], sino que brota espontáneamente del fondo de éste cuando ha sido bien entendido. Porque todo tema científico es un problema y todo problema (…) es un drama, por lo pronto y siempre, un drama intelectual, pero casi siempre, además, un drama que afecta al hombre entero.” IDEM – Sobre una nueva interpretación de la historia universal, in Oc, IX, pp. 1349 -1350.

22 ZUBIRI, Xavier – “Ortega, maestro de filosofía”, El Sol, Madrid, Año XX, n.º 5786, 8.III.1936, p. 6; IDEM – “Ortega, un maestro”, Revista de Occidente, Madrid, Extraordinario VI – “Ortega, vivo”, n.ºs 24 -25 (1983), p. 279.

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professor era lançado à pessoa de cada membro das suas turmas que assim se sentia aprendiz de filó sofo, em vez de mero ouvinte de um filósofo. María Zambrano, outra ex- -aluna sua, deu testemunho claro neste sentido, ao afirmar que escutando as lições de Filosofia de Ortega “el principiante se sentía acometido (...) de una admiración angustiosa que le hacía (...) pregun tarse: ¿Cómo es posible haber vivido sin saber que era necesario esto? Y esto era el afán ilimitado, pero conducido metódicamente, de verdad.”25 Quer dizer, despertar a unidade pessoal que é íntima em cada um e despertá -la através de uma doutrina em que pontifica o imperativo de descobrir a autêntica realidade da Vida conjugavam -se em aulas que, sob a diversidade dos temas tratados, tinham de comum a força de lição fundamental26, o sentido rigoroso, diríamos nós, de lição vital.

Todos os testemunhos acerca da docência de Ortega, por mais que relevem os tra- ços do relacionamento humano estabelecido, coincidem em salientar o elevado nível filosófico que ela sistematicamente representava. Um tal nível, que nenhuma disciplina – mesmo de um curso especializado de Filosofia – garante de modo automático, era a verdadeira subs tância do ensino orteguiano; este, portanto, só pode ser compreendido de maneira adequada, se se conhecerem as teses filosóficas que são o seu nervo cen- tral. Daí que Xavier Zubiri, ao mencionar as grandes facetas do magistério universitário de Ortega, enumere com naturali dade as funções de divulgador da filosofia europeia, de propulsor da Filosofia em Espanha e de fomentador de uma sensibilidade filosófica,