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1. INTRODUÇÃO

4.4. Métodos de identificação e constatação da colmatação

4.4.3. Testes hidrodinâmicos com uso de traçadores

A fim de se conhecer o grau de colmatação, com mínima intervenção no meio poroso, a alternativa é a utilização de técnicas de medição no próprio local e que sejam menos invasivas, tais como os testes com traçadores. Esses consistem em aplicação de substâncias que possam ter suas concentrações aferidas, ao longo de um determinado período de monitoramento, obtendo-se o tempo de detenção hidráulica (TDH). Quanto menor o tempo

gasto para a saída da substância nos SACs de escoamento horizontal, afastando-se do valor (volume/vazão) estabelecido no projeto da unidade de tratamento, mantidas as demais condições iguais, mais avançado é o grau de colmatação. Nesse caso, a expectativa é a de que existam caminhos preferenciais, zonas mortas e possível escoamento superficial no leito dos SACs. Além do TDH, é possível calcular, também, o número equivalente de tanques em série

(ƞ) e o número de dispersão (d), avaliando-se se o escoamento se aproxima mais de um reator

de fluxo em pistão ou de mistura completa (LEVENSPIEL, 2000; CHAZARENC et al., 2003; METCALF; EDDY, 2003; KADLEC; WALLACE, 2009). Segundo Vandevivere e Baveye (1992) e Hill e Sleep (2002), a colmatação também implica em aumento da dispersão no meio, outra variável que pode ser monitorada e comparada ao longo do tempo de funcionamento do reator.

O traçador ideal deve ser não tóxico, barato, não reativo (inertes, conservativos), pouco adsorvido e absorvido; passível de ser injetado em curto período de tempo; ter características similares ao do fluido em escoamento, sobretudo densidade (massa específica), mas que apresente alguma propriedade que o diferencie, de forma que seja facilmente detectado mesmo em baixas concentrações (METCALF; EDDY, 2003; BORGES, et al., 2009; SILVA et al., 2009). Em SACs, já foram utilizadas substâncias como cloretos de sódio, lítio, brometos, fluoresceína sódica, trítio, tecnécio (99mTc), bromo radioativo (82Br) e rodamina WT e B (METCALF; EDDY, 2003; WACHNIEW et al., 2003; KEEFE et al., 2004; EL HAMOURI et al., 2007; BORGES et al., 2009; LANA, 2013; PAOLI; VON SPERLING, 2013a). Na realidade, nenhum traçador pode ser considerado cem por cento confiável e sempre apresenta vantagens e desvantagens. A fluoresceína sódica é detectada em baixas concentrações, não é tóxica, porém é pH-dependente e tem risco de ser degradada pela ação da luz, o que poderia ser maximizado na ocorrência do escoamento superficial, condição previsível em SACs em avançado grau de colmatação (SMITH; PRETORIUS, 2002; FLURY; WAI, 2003; SEEGER et al., 2013). O trítio, que seria o traçador mais próximo do ideal, segundo Wachniew et al. (2003), apresenta como as demais substâncias radioativas, as desvantagens de requerer aparato especial e equipe especializada, dado o risco de contaminação ao ambiente (SCHMID et al., 2004; SILVA et al., 2009; PAOLI; VON SPERLING, 2013b). Os traçadores fluorescentes seriam adequados à maior parte das situações porque normalmente não têm traços de concentração no background (concentrações naturalmente presentes no meio), requerendo baixíssimas quantidades para realização dos testes. Não são tóxicos e são detectáveis em baixas concentrações pelo espectrofluorímetro

que têm como representante a rodamina WT, apresentam inconvenientes, como a possível adsorção irreversível à fase sólida, relatada por diversos autores, estando também sujeita à fotodegradação (LIN et al., 2003; KEEFE et al., 2004; SILVA et al., 2009). A rodamina B, outra substância fluorescente, é ainda citada como potencialmente carcinogênica (JAIN et al., 2007).

Como exemplo de traçadores salinos utilizados comumente em testes em SACs e lagoas, tem- se o cloreto de sódio e os brometos de potássio e de sódio (TANNER; SUKIAS, 1995; GRISMER et al., 2001; LIN et al., 2003; WACHNIEW et al., 2003; KEEFE et al., 2004; SCHMID et al., 2004; CUI et al. 2012; MAGALHÃES FILHO et al., 2013). Os sais em geral apresentam possíveis problemas com sorção ao material orgânico ou ao meio suporte (CHAZARENC et al., 2003); risco de absorção pelas plantas (WHITMER et al., 2000; XU et al., 2004; BRAGATO et al., 2006); e necessidade de aplicação de altas quantidades, em função das elevadas concentrações do background, quando comparada aos dos outros traçadores (traços ou não detectáveis). Como consequência, podem incorrer em outros efeitos indesejados, como a salinização do leito (COTA et al., 2011; FERREIRA, 2012) e o risco de fluxo preferencial vertical do sal (em função da diferença de densidade da solução traçadora e a solução presente no meio em avaliação) (CHAZARENC et al., 2003; WACHNIEW et al., 2003). Segundo Prata et al. (2013), a concentração de sódio no esgoto bruto é de 60 mg L-1, dessa forma, considerando uma situação hipotética de um traçador ideal com 100% de recuperação e que deve ter uma concentração de 10 a 20 vezes o valor de background (KELLER; BAYS, 2001 citados por HEADLEY; KADLEC, 2007), verifica-se a necessidade de alto fornecimento de sódio ao leito.

Bodin et al. (2012) afirmaram que a aplicação instantânea do traçador salino pode levar a prejuízo na qualidade do teste e na recuperação do sal. O ideal é que se faça a aplicação em um período maior de tempo sem, no entanto, descaracterizar um pulso, de forma a reduzir o risco de alteração nos resultados, em razão da diferença de densidades. Esse problema é mais frequente em lagoas e SACs de escoamento superficial, tal como reportaram Wachniew et al. (2003) em algumas das unidades avaliadas. Os autores reportaram que altas concentrações de brometo adicionadas levaram a grandes concentrações em profundidade, influenciando nas respostas do trítio adicionado simultaneamente. King et al. (1997) e Grismer et al. (2001) também verificaram influência da densidade da solução nas respostas utilizando traçador salino. No trabalho em lagoas de polimento de Possmoser-Nascimento (2014), a estratificação térmica, o vento e a densidade podem ter contribuído para que o TDH medido fosse maior que o teórico. Por outro lado, Lin et al. (2003) demonstraram que as respostas utilizando

traçadores salinos parecem não diferir das de outras substâncias. No estudo desses autores, o brometo teve resposta semelhante (diferenças menores que 4%) à da rodamina, em SACs de escoamento subsuperficial.

Xu et al. (2004) concluíram que o uso de brometo (Br-) e as suas respostas devem ser analisados com cautela, dado o risco de absorção desse ânion pelas plantas. Os autores também observaram que a retirada desse ânion pelas espécies vegetais decai na presença de cloreto, indicando ser essa uma saída para aumentar a recuperação do brometo. No que se refere ao traçador salino sódio, as remoções podem ser consideradas normalmente baixas, graças à sua grande solubilidade em água, o que possibilita grande dispersão no meio líquido; o fato de não ter grande associação com o material orgânico, que é eficientemente retido por processos físicos no meio poroso; e ser a absorção pelas plantas geralmente reduzida, já que não é um cátion nutriente e, portanto, removido em quantidade considerável pela maior parte das espécies vegetais cultivadas em SAC-EHSS (BRASIL et al., 2005; KADLEC; WALLACE, 2009). Brasil et al. (2005) observaram baixa retenção do sódio em SACs cultivados com taboa (4,0% de remoção), enquanto Abdel-Shafy e Dewedar (2012) observaram eficiências negativas (aumento na concentração), em condições semelhantes. Ainda assim, Matos et al. (2009) obtiveram extrações de até 9,7 g m-2 de Na+ em um SAC- EHSS plantado com taboa, num período de 3 meses.

Em função do risco de absorção do sódio, mesmo que não seja um elemento químico sorvido em grandes quantidades, pode haver diferentes porcentagens de recuperação de traçadores salinos ao longo do ciclo de funcionamento do SAC, podendo alterar as respostas das condições hidrodinâmicas do meio. Na literatura, não há ainda citação que aborde essa questão, somente estudos que demonstrem que apesar dos mecanismos de retenção dos cátions e ânions do traçador em SACs, houve recuperação de uma massa representativa dos sais, o que proporcionou a obtenção de resultados confiáveis nos testes com traçadores salinos. Lange et al. (2011), por exemplo, observaram altas porcentagens de recuperação, sendo cerca de 100% do NaCl e de 81 a 93% de NaBr aplicados em SACs de escoamento superficial, valores superiores aos obtidos quando se utilizou a uranina e a sulforodamina B, que são traçadores fluorescentes. Chazarenc et al. (2003), por sua vez, obtiveram recuperações de 78 a 96% do NaCl, enquanto Lin et al. (2003) de 85 a 100% de Br- (maiores inclusive que a da rodamina) aplicados em SACs-EHSS. Tanner et al. (1998a) obtiveram de 87 a 94% de recuperação do Br-. Esses resultados indicam que há boa resposta de soluções salinas em testes de traçadores em SACs.

Apesar de toda a preocupação que se tem sobre a questão da recuperação do traçador, Wachniew et al. (2003), Dierberg e Debusk (2005), Maloszewski et al. (2006) e Borges et al. (2009) afirmaram que isso, aparentemente, não tem muita influência sobre a resposta do TDH em SACs. Os primeiros autores compararam testes conduzidos utilizando solução traçador de brometo e trítio e não verificaram diferença significativa (em nível de 10% de significância) do TDH nos SACs de escoamento superficial. Maloszweski et al. (2006) fizeram simulação semelhante em SACs-EHSS, chegando a conclusões semelhantes. Dierberg e Debusk (2005) utilizaram rodamina WT e cloreto de lítio, enquanto Borges et al. (2009) compararam rodamina WT e fluoresceína sódica, obtendo as mesmas respostas. Assim, apesar de apresentar alguns inconvenientes, como é o caso dos demais traçadores, a facilidade de aquisição, os baixos custos financeiros para aquisição do traçador e do equipamento de detecção (condutivímetro) são atrativos para escolha de substâncias salinas, como as preparadas com NaCl (SCHMID et al., 2004; COTA et al., 2011).

Pauly (1990), citado por Nivala et al. (2012), avaliou a medição da condutividade hidráulica diretamente pelos métodos tradicionais e pela estimativa do monitoramento do traçador. O autor observou que os valores obtidos utilizando-se a metodologia de aplicação de uma lâmina d'água sobre o meio poroso implicavam na obtenção de valores dez vezes menores (uma ordem de magnitude) do que o derivado do TDH calculado para os pontos analisados. Isso pode reforçar a hipótese de inaplicabilidade da medição da condutividade hidráulica considerando-se o movimento vertical da água, para a caracterização da situação atual em termos de grau de colmatação de um SAC-EHSS, e de que a curva de concentração da substância traçadora adicionada pode refletir melhor as condições hidrodinâmicas do meio poroso. No entanto, tal método também apresenta problemas como tal como a escolha da melhor substância traçadora, pois, como discutido, nenhuma pode ser considerada ideal. Além disso, gera resultados que possibilitam o conhecimento apenas da condição geral em que se encontra o meio poroso, não possibilitando que se quantifique e qualifique a distribuição de sólidos e de espaços vazios no sistema.