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2.2 O modelo interativo de leitura

2.2.1 O texto

Comentamos anteriormente que, ao longo da segunda metade do século vinte, os trabalhos na área da lingüística (mais precisamente na análise do discurso) contribuíram para o desenvolvimento das atividades no ensino de línguas estrangeiras. Comentamos, também, como esses trabalhos foram a base das atividades desenvolvidas por autores que passaram a construir uma pedagogia do escrito a partir dos anos 1970. Podemos apontar a passagem da frase para o texto como unidade de sentido passível de análise como sendo um dos fundamentos desses trabalhos na leitura em FLE. Tal passagem, antes de sua repercussão no FLE, representou uma transformação importante dos estudos na área da lingüística.

A percepção de que a frase, como limite de unidade passível de análise, revelava-se insuficiente para a compreensão de vários fenômenos

da linguagem levou uma série de lingüistas a ampliar seu objeto de estudos da frase para o texto. Essa passagem, segundo autores como Jean-Michel Adam, foi, entretanto, custosa em países como a França. Na introdução de sua obra Linguistique textuelle (1999), o autor discorre sobre a dificuldade do estabelecimento de um campo de estudos textuais francófono, que acabou por se desenvolver com um certo atraso em relação aos países anglo- saxões. O autor faz um breve histórico desses trabalhos, assinalando a importância de duas das primeiras obras a traduzir essa nova abordagem: O

Tempo (1963) e Gramática textual do francês (1989), do alemão Harald

Weinrich. A publicação dessas obras traduzidas para o francês foram um marco para o desenvolvimento da lingüística textual em países francófonos.

Os anos de 1972 e 1973 marcam o surgimento, no domínio francófono, das preocupações relativas ao texto como objeto teórico. Em 1972, Danielle Clément e Blanche Noël Grünig dirigem um importante número da revista Langages (no26) (...) e traduzem, na ocasião, um artigo que se tornou um clássico: “Quando uma ‘gramática do texto’ é mais adequada que um ‘gramática da frase’? (...)

O ano de 1973 é sobretudo o da tradução de um grande livro de Harald Weinrich (...) Em O Tempo é o primeiro a inscrever a análise dos tempos verbais de várias línguas européias no âmbito do que ele designa então como um ‘programa de trabalho’ cujo nome é ‘lingüística textual’. (ADAM, 1999:8)

Ainda segundo Adam, Weirich define o texto como sendo uma rede de relações de interdependência entre elementos que se organizam em grupos coerentes e consistentes repartidos em segmentos cuja progressão contribui para a inteligibilidade dos demais segmentos e do todo. Definição essa que permanece e pode ser identificada, por exemplo, nas palavras de Fávero (1995:7), ao descrever o processo de fundação da lingüística textual:

O texto consiste, então, em qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo independente de sua extensão. Trata-se, pois, de um contínuo comunicativo contextual caracterizado pelos fatores de textualidade: contextualização, coesão, coerência, intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situacionalidade e intertextualidade.

Esses aspectos acima elencados contribuíram para que autores como Moirand (1979) e Vigner (1979) pudessem ir além dos limites da frase, da

morfossintaxe e do léxico para o desenvolvimento de uma competência de leitura em FLE. Em um artigo sobre as possíveis contribuições da então recente “gramática textual”, Lehmann (1985) mostra o impasse em que estavam esses autores e como a divulgação (até então bastante restrita segundo ele) dos primeiros trabalhos alemães e posteriormente franceses cujo objeto de análise passava a ser o texto deram respaldo teórico ao que intuitivamente já era percebido por eles:

Tratando-se mais particularmente de aprendizagem da leitura, ela [a gramática de texto] vinha confirmar na teoria o princípio metodológico intuitivo segundo o qual, nessa área, a aprendizagem lingüística necessária à aquisição de uma competência de leitura não estava propriamente ligada à gramática da frase, da morfossintaxe ou dos conhecimentos lexicais, mas sim a uma outra ordem de conhecimentos, relacionados aos modos de organização textual. (LEHMANN, 1985:105)

É importante ressaltar, entretanto, que a perspectiva de abordagem textual, que norteava a maior parte dos trabalhos na área da leitura em língua estranegira apropriava-se dessa abordagem na medida em que essa fornecia instrumentos para a didática dos textos a serem lidos em sala de aula. Isso significa que os didatas não estavam em busca de um modelo teórico a ser comprovado por meio das análises textuais, mas sim de instrumentos que pudessem orientar o trabalho sobre o texto para professores e alunos no contexto do ensino do francês língua estrangeira.

(...) o lugar que ocupam as gramáticas de texto na metodologia da leitura não dependeria de seu estatuto de teoria dominadas (ou dominantes), mas sim de possibilidades de utilização que elas oferecem aos professores. As necessidades dessa utilização conduzem às vezes a uma simplificação em prol de uma maior clareza na qual o rigor científico não é sempre respeitado. (LEHMANN, 1985:102)

Ainda que essa apropriação seja considerada por alguns teóricos como indevida, os fenômenos lingüísticos observados e analisados pela gramática textual constituem parte importante da preparação de um texto a ser lido em sala de aula. Entre esses, podemos citar os conceitos de macroestrutura e microestruturas textuais (respectivamente a estrutura

semântica global do texto e a articulação entre frases e períodos) desenvolvidos por Van Dijk 13; e as noções de coesão, coerência e de progressão, aspectos explorados em cursos que orientam para a leitura.

Nosso objetivo, nesta dissertação, é discutir o componente textual de uma forma bastante particular, pois nossa perspectiva é a do leitor de FLE (aprendiz e professor) em sala de aula. Isso implica refletir como os elementos aparecem na compreensão escrita no contexto de nossa pesquisa. Assim, no capítulo 3, dedicado à reflexão sobre nossa experiência com o texto literário no curso de Francês Instrumental, os elementos constituintes de textualidade elencados acima serão discutidos.

Percebemos, entretanto, que a própria definição daquilo que constitui um texto prevê o leitor, pois é a ele que cabe julgar se tais componentes de textualidade estão presentes naquilo que lê. Nessa perspectiva, a realização do texto só pode se dar na medida em que é lido. Passamos, assim, do componente texto para o componente leitor.