Parte I Matriz Conceptual Da Filosofia à Literatura para compreender a História
Parte 2 – Portugal na Duração com a mediação da Literatura em EL – Tópicos ilustrativos de
1. Preâmbulo – selecção de tempos e autores a partir de textos programáticos
1.1 Textos programáticos de integração e síntese
No contexto descrito, partimos de quatro textos de EL que consideramos supremos exercícios de integração e síntese sobre a compreensão - com a mediação da Literatura, essa superiormente eleita, de entre os “retratos que consciente ou inconscientemente todos aqueles que por natureza são vocacionados para a autognose colectiva (artistas, historiadores, romancistas, poetas) vão criando e impondo na consciência comum”214
- das imagens que Portugal fixa de si e para si próprio, na Duração, já todos vindo a ser citados ao longo deste trabalho:
i) “Europa ou o diálogo que nos falta” de Heterodoxia, editado em 1949; ii) “Psicanálise mítica do destino português” e
iii) “Da Literatura como interpretação de Portugal (De Garrett a Fernando Pessoa)”215
,
213
EL, “Portugal como destino – dramaturgia cultural portuguesa” in Portugal como Destino seguido de
Mitologia da Saudade, Lisboa, Gradiva, 1999, p.44.
214 EL, “Breve esclarecimento” in O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português”, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988-ed., p.10
215 com a referência temporal de este último ter sido o texto de uma “conferência realizada na Fundação Gulbenkian, em 5 de Fevereiro de 1975, no âmbito do curso sobre “Modernismo” promovido pela Universidade Nova de Lisboa”: EL, “Da Literatura como Interpretação de Portugal (De Garrett a Fernando Pessoa)” in O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988, p.77
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ambos de O Labirinto da Saudade, publicado em 1978;
iv) “Portugal como destino: Dramaturgia cultural portuguesa” de Portugal como
Destino seguido de Mitologia da Saudade, datado, no próprio texto, de 1998.
O que procuraremos fazer, nesta etapa, e em necessária ligação com a construção teórica erigida atrás, será ilustrar (e apenas isso, dadas as limitações de tempo e espaço) a forma como revemos a Existência pela Literatura em Portugal – aqui evocando esse também fundamental conjunto de textos reunidos em O Canto do Signo – Existência e Literatura
(1957-1993) que será igualmente um recurso crucial nesta parte -, quando relida à luz
produzida pelo pensamento de Eduardo Lourenço.
Consideramos que, embora o esforço de interpelação a Portugal esteja presente “desde o primeiro volume de Heterodoxia”216, é em LS que EL faz o seu “primeiro esboço de imagiologia portuguesa”217
que, como o próprio afirma, “por gosto, por vocação, mas também por decisão intelectual fundamentada (…) é quase exclusivamente centrado sobre imagens de origem literária e para a época moderna”218
.
Na nossa leitura, este esforço, de modo integrado e integrador, tem uma continuação coerente nesse outro texto, produzido vinte anos mais tarde que o LS (de 78 a 98), num final de século “inundado pela vaga cultural de todas as formas de irracionalismo ou de obscurantismo triunfalistas, recalcada ou contrariada durante dois séculos pela exigência do “espírito crítico””219
: EL fez em “Portugal como Destino” uma nova revisão trans- histórica da dramaturgia cultural portuguesa, desta feita ainda mais ampla e profunda.
No mesmo sentido em que nos dirigimos foi Maria Manuel Baptista quando - sobre a concepção de trabalho histórico e reflexão sobre a História de Lourenço - traçou uma linha que iria desde “Europa ou o diálogo que nos falta” (H) e passaria, entre outros, por “Psicanálise Mítica do Destino Português” (LS), culminando em “Nós como futuro” (NCF)
216 EL, “Breve esclarecimento” in O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português”, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988-ed., p.10
217
Idem, ibidem 218 Idem, ibidem
219 EL, “Portugal como destino – dramaturgia cultural portuguesa” in Portugal como Destino seguido de
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e em “Portugal como Destino, Dramaturgia Cultural Portuguesa” (PCD), para extrair deles “uma ideia de História enquanto drama, ou, mais rigorosamente, enquanto tragédia, a partir da qual é possível surpreender o “espírito colectivo” de um povo, de um tempo, de uma cultura em […] luta de morte…, pois se destina a conferir o máximo de sentido à vida”220. A autora destaca a ideia da História como drama ou seja como Literatura. Baptista relembrou, aliás, que Lourenço, em reacção às críticas feitas a LS, terá afirmado que não abordava a História de Portugal, “nem do ponto de vista do historiador nem do sociólogo ou sequer do psicólogo social, mas do ponto de vista do mitólogo, quer dizer de um ponto de vista ficcional e como livre actividade poética embora objectiva e subjectivamente determinada pelo real de onde emerge”221.
Ao leque de textos referidos por Baptista juntamos, desde logo, “Literatura como interpretação de Portugal” porque consideramos que este sistematiza, de modo muito explícito, em nosso entender, o método de interpelação à História por EL usando, no caso, “a grande literatura portuguesa do século XIX”222
e a do início do século XX, até ao Modernismo, que o autor afirma ter sido um período em que a escrita problematizou de forma inovadora “a relação do escritor[…] com a realidade específica a autónoma que é a Pátria”223.
De resto, todo o LS é, ainda hoje, a obra com mais notoriedade de EL e, apesar de o próprio EL desvalorizar a sua importância, cremos que muitos dos seus textos abriram e continuam a abrir, de facto, “mil e uma portas de compreensão e de investigação”224
não só
sobre o acima referido período, mas sobre cerca de 500 anos de História de Portugal através da sua literatura.
220 Baptista, Maria Manuel, ”A fenomenologia como ponto de partida” in Eduardo Lourenço: A Paixão de
Compreender, Porto, ASA, 2003, p.202
221
Idem, “Ensaísmo e filosofia trágica em Eduardo Lourenço” in Eduardo Lourenço: A Paixão de
Compreender, Porto, ASA, 2003, p.180
222 EL, “ Da literatura como interpretação de Portugal” in O Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do
Destino Português”, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988-ed., p.78
223
Idem, ibidem
224 Barreto, Luis Filipe, “Em torno do Labirinto da Saudade”, in in AAVV (Org. de Maria Manuel Baptista),
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