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CAPÍTULO 3: CLIO, A MUSA DA HISTÓRIA

3.3 Tipo de pesquisa

Esta é uma pesquisa qualitativa, mas com aspectos quantitativos em seu primeiro momento de análise, ou seja, os dados demográficos (idade, sexo, etc.) quanto à caracterização dos professores de Inglês Instrumental no nível superior serão quantificados assim como serão quantificados os Processos e seus Participantes e Circunstâncias usados pelos professores nas respostas narrativas do questionário, bem como outras marcas lexicais que representam seus sentimentos e concepções. Essas marcas lexicais também serão interpretadas de modo qualitativo.

Esta pesquisa, também por adotar aspectos teórico-metodológicos da pesquisa narrativa, é, acima de tudo, qualitativa, devido ao fato de lidar com respostas narrativas dos professores, tanto no questionário aplicado aos nove

professores, na entrevista realizada com três deles quanto com as quatro autobiografias que serão interpretadas qualitativamente, segundo os pressupostos de Clandinin e Connelly (2011) para a pesquisa narrativa, para o Conhecimento Pessoal Prático, o Conhecimento Profissional e o Panorama Profissional do professor.

Além das três professoras que continuavam ensinando IFE no momento da entrevista e e da elaboração de suas autobiografias, a minha própria narrativa será analisada, por eu também fazer parte do contexto profissional em que se desenvolveu esta pesquisa e por, assim como elas, continuar ensinando IFE até esse momento.

A pesquisa quantitativa vem sendo usada há muito tempo por pesquisadores tanto das áreas das ciências exatas quanto das ciências humanas e baseia-se no paradigma positivista da tradição lógico-empirista de Augusto Comte, por meio do qual a realidade é apreendida por meio de observação empírica. Usa-se a indução para se chegar a leis gerais pela observação das regularidades individuais (BORTONI-RICARDO, 2008).

A busca de uma relação específica entre as variáveis é o que caracteriza e define a pesquisa social quantitativa, além da busca pela generalização e pelas leis universais. Os pesquisadores que usam os princípios da pesquisa quantitativa estão mais interessados naquilo que é comum a um grupo, no estudo das variáveis que captem essas características comuns que, então, são quantificadas, às quais são atribuídas escalas de valores (DÖRNYEI, 2007). Nesse tipo de pesquisa, o pesquisador procura manter-se distante, um mero observador e relator, quantificador e classificador dos fatos observados e busca estabelecer relações de causa e consequência a partir dos dados coletados (FLICK, 2004).

Um dos instrumentos usados para a geração de dados nesse tipo de pesquisa é o questionário estruturado com perguntas fechadas, que podem ser de múltipla escolha ou não (OLIVEIRA, 2007). Em nossa pesquisa, no entanto, por ser uma pesquisa narrativa, usamos o questionário com perguntas abertas e fechadas, além de outros instrumentos de composição dos nossos textos de campo, como entrevistas e autobiografias escritas.

Desde a década de 1920, quando o antropólogo Malinowski voltou das ilhas Trobriand em Papua-Nova Guiné, depois de conviver com os habitantes daquele lugar e apresentar suas observações a respeito da cultura daquele povo, que a

pesquisa qualitativa vem sendo usada nas ciências sociais. Aquele pesquisador procurou entender e interpretar os fenômenos sociais vivenciados naquelas ilhas a partir de um contexto e seus resultados estavam permeados de suas impressões subjetivas, já que ele conviveu naquela sociedade. Ele tentou explicar como e por que aquelas pessoas se comportavam daquela maneira, baseando-se na cultura daquele povo (BORTONI-RICARDO, 2008).

Uma das limitações da pesquisa quantitativa é o fato de que ela não desvenda as razões de uma observação em especial ou a dinâmica que subjaz a situação ou o fenômeno examinado (DÖRNYEI, 2007). A pesquisa qualitativa vem sendo cada vez mais adotada nas Ciências Sociais exatamente porque através dela pode-se chegar às razões pela quais um dado fenômeno ocorre, pois estuda o conhecimento e as práticas dos Participantes e trata das construções das realidades demonstrando, assim, uma variedade de perspectivas em um processo contínuo de construção de versões da realidade (FLICK, 2004).

A pesquisa qualitativa trabalha, sobretudo, com textos (escritos ou orais) e lida com dados verbais, por meio de entrevistas semiestruturadas e histórias, por exemplo, que permitem ao pesquisador abordar o mundo experimental do entrevistado. Importa-se com opiniões subjetivas, experiências e sentimentos de indivíduos e o seu objetivo explícito é explorar a visão dos Participantes a respeito da situação que está sendo estudada. É fundamentalmente interpretativista, pois o resultado da pesquisa é o produto da interpretação subjetiva do pesquisador a respeito dos dados (DÖRNYEI, 2007).

Neste tipo de pesquisa é marcante o papel do pesquisador, pois os valores e história pessoais do pesquisador e sua posição sobre características como gênero, cultura, classe e idade tornam-se parte integral da pesquisa, afirma Dörnyei (2007). Isso já não ocorre na pesquisa exclusivamente quantitativa, pois a objetividade dos dados quantificados normalmente restringe o envolvimento do pesquisador.

Na LA, a pesquisa qualitativa tem sido ainda de maior aceitação e visibilidade por causa do crescente reconhecimento de que quase todos os aspectos da aquisição da linguagem e de seu uso, um dos aspectos abordados pela LA, são determinados ou moldados significativamente por fatores sociais, culturais e situacionais e a pesquisa qualitativa é ideal para fornecer ideias a essas condições e influências contextuais (DÖRNYEI, 2007).

Vale ressaltar que, segundo Nunan (2009), não existe pesquisa puramente quantitativa ou qualitativa. O que há é uma predominância de uma sobre a outra. Assim, sendo, segundo esse mesmo autor, toda pesquisa seria qualiquantitativa ou vice-versa.

Esta é essencialmente uma pesquisa narrativa: qualitativa, portanto. A pesquisa narrativa que aqui consideramos propicia a construção dos sentidos da prática pedagógica dos professores. Ela leva em conta não só a história pessoal de seus participantes, mas também o contexto em que ela ocorre.

Esse tipo de pesquisa narrativa considera não só os relatos de professores, mas também conversas ocorridas no contexto escolar, fotos, diários, cartas. Todo esse material vem compor os textos de campo, como se chamam os diversos tipos de dados na pesquisa narrativa do tipo que realizamos neste trabalho. Além disso, nesse pensamento narrativo, devem-se localizar as coisas no tempo: os eventos acontecem ao longo do tempo, pois qualquer coisa tem um passado, um presente e um futuro implícito. Outro fator inerente à pesquisa narrativa é o espaço em que as histórias são vividas. Concluímos, assim, que na pesquisa narrativa, o contexto está sempre presente, tanto o temporal, o espacial quanto o de outras pessoas, pois ele é necessário para dar sentido a qualquer pessoa, evento ou coisa (CLANDININ; CONNELLY, 2011).

Na narrative inquiry, que é o tipo de pesquisa narrativa que realizamos neste trabalho, e que difere de outros tipos de pesquisa narrativa existentes, a pessoa em contexto é o que importa, assim como sua prática profissional. De acordo com Clandinin e Connelly (2011), Dewey defende a reconstrução da experiência como a base da educação e para esse autor a experiência é pessoal, mas também social. Segundo ele, aprender uma técnica não significa livrar-se da ignorância, mas sim transformar o conhecimento que já se tem. Segundo Clandinin e Connelly (2011), a experiência, para Schön (1983), é o coração da teoria de alguém e também legitima a nossa memória e a possibilidade de retomar a experiência ao nos referirmos à educação profissional.

Mello explica, em uma entrevista a Sieiro (2010), que a pesquisa narrativa que defendem os autores canadenses Clandinin e Connelly (2011), Narrative Inquiry, como a ela se referem esses autores, tem base em Dewey (1938) e na experiência, sendo objeto de estudo e método de estudo simultaneamente, diferindo, assim, de outros tipos de pesquisa narrativa existentes, em que se colhem

narrativas. Ainda segundo Mello na entrevista (SIEIRO, 2010), o pesquisador narrativo ao qual se referem os autores canadenses citados não analisa textos prontos, mas ele vive a experiência e pesquisa também a sua própria. Essa experiência vivida é o método de estudo, ao mesmo tempo em que é também o objeto de estudo. Por causa disso, muitos entendem que ela se assemelha à pesquisa-ação, mas o pesquisador não tem a obrigação de agir sobre o que pesquisou, com o intuito de mudar uma ação de alguém, como na pesquisa-ação. O interesse do pesquisador desse tipo de pesquisa narrativa é entender a ação dos participantes da pesquisa sobre a experiência que eles viveram. O objetivo da pesquisa narrativa, como consideramos aqui, é tentar compreender uma situação sem o compromisso de querer que o professor mude a sua prática de aula, por exemplo, no entanto admitimos que isso poderá também ocorrer ocasionalmente, pois uma pergunta central da pesquisa narrativa é “Que eu é esse que eu construo de mim mesmo na narrativa?”, o que pode levar o pesquisador a refletir sobre si mesmo e possivelmente mudar (SIEIRO, 2010).

Para responder a essa pergunta e outras, fazemos quatro movimentos neste tipo de pesquisa narrativa (CLANDININ; CONNELLY, 2011): o introspectivo, que é como estou tentando compreender essa experiência, o extrospectivo, isto é, o que os outros pensam sobre o que eu estou fazendo, o retrospectivo, que é olhar para a experiência que eu vivi ou estou vivendo no momento e o olhar prospectivo, que é o movimento da reconstrução, o olhar para frente, para o futuro.

Mello (2004) ainda discorre que esse tipo de pesquisa narrativa pode se desenvolver contando-se histórias (telling) ou vivendo-as (living), como se referem Clandinin e Connelly (2011). No contar histórias, o pesquisador considera as histórias dos participantes e ainda pode também considerar a sua própria, tentando construir significados sobre elas, enquanto que no viver histórias, pesquisador e participantes vivem juntos uma história e constroem juntos esses significados. Nossa pesquisa é do tipo living, predominantemente, porque eu e os professores estamos em um mesmo contexto de trabalho (lugar), em um mesmo momento (tempo), com as mesmas pessoas e vivenciando experiências semelhantes (coisas), caracterizando o aspecto tridimensional desse tipo de pesquisa narrativa (CLANDININ; CONNELLY; 2011) e construímos juntas os nossos sentidos. Mello (2004) ressalta que é entendendo a si mesmo que o pesquisador narrativo poderá relacionar as tensões em sua própria história com as dos participantes da pesquisa.

Mello aponta, na entrevista a Sieiro (2010), que a subjetividade é inerente a esse tipo de pesquisa, assim como em qualquer pesquisa qualitativa, começando pelo tema escolhido, por exemplo, que essencialmente depende de quem o escolhe. Nós assumimos abertamente, como pesquisadores narrativos, que a subjetividade interfere sempre, que não há neutralidade ou objetividade, como ressalta Mello em sua entrevista. Ela ainda usa uma metáfora para comparar o nosso tipo de pesquisa narrativa com a pesquisa etnográfica, por exemplo (com a qual muitos encontram semelhanças com a narrative inquiry). O pesquisador etnográfico estaria na arquibancada de um desfile, filmando, depois entrevistando quem desfilou e os que assistiram ao desfile para depois triangular esses dados e entender o fenômeno. O pesquisador narrativo, como o entendemos aqui, está dentro do desfile, ele é um dos componentes do desfile e ele quer viver a experiência para tentar entender depois, ao olhar para aquela experiência, o que ela ensinou a ele sobre si mesmo ou sobre a experiência. Para entender a experiência, ele precisa vivê-la, recontá-la (e ao fazer isso ele a revive), o que a torna uma experiência diferente da que ele viveu, para finalmente construir e reconstruir sentidos da experiência vivida (SIEIRO, 2010).

A interpretação é do pesquisador e tem suas limitações, mas Mello (SIEIRO, 2010) questiona por que essa interpretação não seria também válida, baseando-se em Clandinin e Connelly (2011), que questionaram a respeito da voz do próprio professor, a qual, na pesquisa narrativa do tipo que desenvolvemos neste trabalho, tem grande importância, diferentemente de pesquisas mais tradicionais em que a voz do professor só existe por meio da voz do pesquisador. O foco da pesquisa narrativa que realizamos neste trabalho, com base em Clandinin e Connelly (2011), é o professor pesquisador, sua história pela sua própria perspectiva e interpretação e qual conhecimento esse professor constrói a partir dessa perspectiva. Nesse tipo de pesquisa, não se trabalha com critérios de validade e confiabilidade, como nas pesquisas qualitativas tradicionais e, por esta razão, existem alguns questionamentos de outros pesquisadores mais tradicionais a respeito dos resultados, por exemplo, de uma pesquisa narrativa desse tipo. No entanto, assumimos que a versão aqui apresentada é uma das que são possíveis, e cada um que ler a pesquisa poderá ter uma versão diferente. É um trabalho inacabado, portanto, e não pretende ser definitivo nem absoluto.

Desse modo, justifica-se a nossa pesquisa se caracterizar como narrativa, do tipo narrative inquiry, dos autores canadenses Clandinin e Connelly (2011), já que está baseada na experiência, como a dos nossos participantes, incluindo a minha experiência, e se desenvolve de modo narrativo, com uma linguagem diferente das pesquisas tradicionais, onde a voz do professor pesquisador está presente, usando- se, inclusive, a primeira pessoa do singular, o que não é comum em pesquisas mais tradicionais.

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