• Nenhum resultado encontrado

A constituição histórica da estrutura do capitalismo no Brasil (cidade e campo), cuja base é a apropriação desigual da riqueza e os antagonismos de classes, é o assoalho por onde se desencadeiam as diversas expressões da questão social, no âmbito da produção e reprodução desse modelo de sociedade. Vale dizer que “a produção capitalista não é tão somente produção e reprodução de mercadorias e de mais-valia. É produção e reprodução de relações sociais” (NETTO; BRAZ, 2007, p.136), de modo que

a essência da produção está no trabalho assalariado e nas condições gerais

22 Desde o declínio do regime de trabalho escravo, para livrar o trabalhador do estigma que o escravismo

criara, começou a haver uma redefinição do trabalho em favor da produção de mercadoria e lucro. O trabalho, tido como necessário e produtivo, indispensável à vida do indivíduo, da sociedade e seus negócios, ao longo das várias repúblicas, sofreu uma modificação ideológica, desenvolvendo-se uma louvação em torno dele, uma apologia, em que os novos tempos exigiam a pregação persuasiva do trabalho como atividade dignificante, (IANNI, 1992). “Tratava-se de combater a preguiça, leseira, tristeza, luxúria” (Ibid., p.105). Na vertente moralizadora, o trabalho não é mais castigo, mas via de santificação, na qual está “em curso um processo de ‘beatificação’ do trabalho, para que ele ganhe dignidade, progrida e o capital se multiplique. Daí o combate sem trégua à preguiça” (Ibid., p.106). Essa defesa foi nomeada por Roberto Campos, um dos mais veementes defensores do Liberalismo no Brasil (Lanterna na Polpa, 1988), como a ética do trabalho. Está em curso, na realidade, a disciplina da força de trabalho para atender às necessidades de acumulação do capital.

23

Com distintas denominações e explicações ao longo da história, para o catolicismo, positivismo, liberalismo, estruturalismo, marxismo ou neoliberalismo, a questão social tem diversos ângulos que quase sempre guardam relação com soluções autoritárias e repressivas. De acordo com Ianni (2004), a convicção de setores dominantes de que as manifestações sociais ameaçam a ordem pública não é esporádica, ao contrário. São entendidas como ameaça à ordem e à paz social e não dispensam a intervenção militar e o controle pela força. Além disso, há uma tendência que vem sendo denominada Estado Penal, de se empregar a política de “tolerância zero”, criminalizando toda e qualquer infração às regras e à lei, em qualquer idade, com repressão e soluções pelo cárcere. De modo que com mais de um século de abolição da escravatura, “ainda ressoa no pensamento social brasileiro, a suspeita de que a vítima é culpada” (IANNI, 2004, p.110). A criminalização é uma face da moralização, no seu viés autoritário e repressor, da questão social.

que o possibilitam; isto é: produção capitalista supõe relações sociais no interior das quais existem sujeitos que podem comprar a mercadoria força de trabalho para empregá-la na produção de mercadorias e sujeitos que são obrigados a vender força de trabalho, já que esta é o único bem que possuem. Assim, a produção capitalista só pode ter continuidade se também for contínua a produção das relações sociais que engendram aqueles sujeitos.

Nesses termos, o aparecimento da questão social no Brasil “diz respeito diretamente à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente seu passado recente” (IAMAMOTO, 1991, p.127). Nisto consiste a particularidade da sociedade nacional, a ideia de Brasil Moderno. Como analisa Ianni (1992, p.63):

O Brasil Moderno, ao mesmo tempo que se desenvolve e diversifica, preserva e recria traços e marcas do passado recente e remoto, nesta e naquela região. O país parece um mapa simultaneamente geográfico e histórico, contemporâneo e escravista, republicano, monárquico e colonial, moderno e arqueológico. Toda a sua história está contida no seu presente, como se fosse um país que não abandona nem esquece o pretérito; memorioso.

Assim, é muito forte o peso do passado na realidade do Brasil contemporâneo. As expressões da questão social se ampliam e diversificam, mas não muda sua raiz, mais do que isso, retém vínculos (culturais, ideológicos, econômicos e políticos) com o passado, mesclando o presente, demarcando suas peculiaridades na história e na cultura política brasileira.

Em sua análise, Ianni (1992, p.88) afirma que, mesmo antes da generalização do trabalho livre, ainda durante a vigência do regime de trabalho escravo24, é evidente que já havia uma questão social:

O escravo era expropriado no produto do seu trabalho e na sua pessoa. Nem sequer podia dispor de si. Era propriedade do outro, do senhor, que podia dispor dele como quisesse, declará-lo livre ou açoitá-lo até a morte. A contrapartida, na perspectiva do escravo, era o suicídio, a tocaia contra o senhor, membros da família deste e capatazes, rebelião na senzala, fuga, formação de quilombo, saque, expropriação. Não havia dúvida sobre a

24 Pelo Código Penal brasileiro (Art.149), o trabalho escravo é crime, mas ainda existe e resiste como prática no

Brasil, a despeito de mais de um século de abolição oficial desse regime (A Lei Áurea completou, em 2012, 124 anos). Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego informam que a partir de 1995, mais de 42 mil pessoas foram libertadas dessas condições pelas intervenções do Estado. Uma das frentes de luta para por fim a essa forma de exploração no País é a Proposta de Emenda Constitucional de Nº 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. A proposta prevê o confisco de propriedades (rurais e urbanas) onde for constatada a prática de trabalho forçado, e a destinação destas à reforma agrária ou ao uso social urbano. A proposta foi aprovada em 2003 pelo Senado e aprovada em 2004 (1º turno) na Câmara. Em 09 de maio de 2012, foi novamente posta em votação (2º turno) e a bancada ruralista, contrária à proposta, conseguiu obstruir a votação da PEC nesta data. Mais informações: www.trabalhoescravo.org.br.

situação de um e outro, escravo e senhor, negro e branco. Não se abria nenhuma possibilidade de negociação. A questão social estava posta de modo aberto, transparente.

É, no entanto, “com a abolição, com a emergência do regime de trabalho livre e toda a sequência de lutas por condições melhores de vida e trabalho” (IANNI, 1992, p.88), que a questão social é explicitada. De acordo com este autor (Ibid.), o direito liberal adotado nas constituições e nos códigos, abria a possibilidade de negociação. Em outras palavras: “as diversidades e os antagonismos sociais começam a ser enfrentados como situações suscetíveis de debate, controle, mudança, solução ou negociação”. A possibilidade de negociação, bem como o protesto social, sob diversas formas, no campo e na cidade, “sugere tanto a necessidade da reforma, quanto a possibilidade de revolução” (Ibid., p.88).

Nesse contexto, paulatinamente, os setores dominantes e os governantes vão sendo levados a reconhecer a questão social como uma realidade. Mesmo praticando a violência contra as reivindicações e os protestos, começam a reconhecer a negociação como preventiva do abalo à ordem vigente (IANNI, 1992). Como “elo básico da problemática nacional [um] ingrediente cotidiano em diferentes lugares da sociedade nacional” (Ibid., p.87), a questão social segue como um desafio para a Nova República (1985). Nessa época, a gravidade da realidade social do país, com raízes na exploração, dominação e estratégias de acumulação e concentração de riquezas, constituída em muitas décadas, que compreendem a República (oligárquica, populista, militar e nova), faz o projeto em curso (sociedade burguesa) consolidar-se com profunda desigualdade socioeconômica, pois “enquanto a economia cresce, e o poder estatal se fortalece, a massa dos trabalhadores padece” (IANNI, 1992, p. 89)25.

Nesses processos estruturais, o que foi asseverado como herança historicamente acumulada no país (regiões, estados e municípios) é uma peculiar desigualdade social, econômica, cultural e política, que, como herança produzida e reproduzida pela lógica capitalista nacional, são marcas ainda intensamente presentes no mosaico da realidade brasileira, como duas sociedades superpostas. De modo que, como analisa Ianni (1992, p.91) - em cujo trecho cita Hélio Jaguaribe (1988) -, a característica fundamental da sociedade brasileira é seu profundo

25 Entre 1940 e 1980, as dimensões (industrialização, exportações, urbanização etc.) da economia brasileira

cresceram quatorze vezes (IANNI, 1992), fato que não contribuiu para mudar seu quadro social, ao contrário, quanto mais se produz riqueza, mais intensas são as assimetrias internas no País.

dualismo, em que, de um lado há uma dinâmica industrialização (hoje a 6ª economia do mundo), e, de outro, encontra-se uma sociedade primitiva, vivendo em nível de subsistência, em situação de miserabilidade, pobreza e ignorância. Essas condições são agravadas pelo fenômeno do desemprego, que afeta amplos segmentos de classe, mas com efeitos degradantes mais intensos no já precário modo de sobrevivência da população mais pobre.

Para compreender o fenômeno do desemprego, faz-se necessário reafirmar que, primeiro, a força de trabalho, na sociedade capitalista, é a mercadoria principal (essencial) para fazer aumentar a riqueza. E, segundo, o trabalho assalariado livre é um pressuposto da forma capitalista de produção, em que o trabalhador vende sua força de trabalho ao capital, constituindo o assalariamento. Assim, o processo de acumulação capitalista (tanto de riqueza quanto de pobreza), tem profunda relação com o significado da compra e venda da força de trabalho26.

No enfrentamento de suas crises27, o capitalismo, com o objetivo de gerar superlucros e acumulação da riqueza, busca reverter a queda da taxa de lucro, adotando estratégias de redução do custo da força de trabalho e a ampliação da sua exploração. No contexto da crise capitalista mundial iniciada nos anos 1970, segundo Pochmann (2006), o Brasil faz a reinserção externa da economia nacional a partir da abertura comercial e da desregulamentação econômica e financeira que, desde 1990, desencadeia mudanças no comportamento econômico do país, as quais são condicionadas “pelo cenário cambial desfavorável internamente, que, desacompanhado de política industrial ativa, comercial defensiva e social compensatória, terminou gerando tanto fortes oscilações das atividades produtivas quanto maior agravamento da crise do emprego” (POCHMANN, 2006, p.70).

Essa reinserção externa do País, durante a década de 1990, na análise do autor, resultou na ampliação das importações, acompanhada de forte endividamento interno/externo. O crescimento das importações, nesse período, segundo Pochmann (2006), resultou também na “exportação” de mais de aproximadamente 1,2 milhão

26 “É inerente à lógica interna do modo de produção capitalista a elevação da parte do capital constante, capital

este destinado à compra de trabalho morto (máquinas e equipamentos), quando comparado com a parte do capital variável, capital destinado à compra de trabalho vivo (força de trabalho). A produção de desempregados, portanto, é resultado da lógica de funcionamento do sistema capitalista” (TAVARES e SOARES, 2007, p.21).

27

De acordo com Harvey (2012), as crises do capital beneficiam os mais ricos, pois a lógica de austeridade impetrada para enfrentá-las, perpetua o desastre econômico e concentra mais poder. Assim, as crises não são acidentais, mas fundamentais para o capitalismo, que não as resolve, só as move de um lugar para outro (FOLHA DE SÃO PAULO, 26 de fevereiro, 2012, p. A-19).

de empregos do setor industrial. Em 1999, o Brasil inicia um movimento inverso: aumenta suas exportações e o saldo comercial, o que ocorre com mudança do regime cambial e com intensa redução do custo do trabalho. Essas medidas asseguraram o diferencial de competitividade brasileiro, o que significa profunda redução do custo do trabalho, que caiu de 3 a 4 dólares/hora na indústria de transformação, praticadas na década de 1980, para US$ 1 dólar/hora em 2003 (POCHMANN, 2006).

Com a falta de crescimento econômico28, aliado aos efeitos da adoção do neoliberalismo, o Brasil vive, há mais de duas décadas, a maior crise de emprego da sua história (POCHMANN, 2006).

De acordo com Pochmann (2006), a natureza e a dimensão da crise do emprego revelam-se no movimento de desestruturação do mercado de trabalho, o qual tem três componentes: desemprego em massa; desassalariamento e ocupações precárias29. Sobre o primeiro, o autor afirma que, desde os anos 1990, o desemprego em massa é uma realidade incontestável. Em 2002 o Brasil registrou a 4ª posição no ranking mundial de desempregados, perdendo somente para a Índia, Indonésia e Rússia no total de desempregados30. O autor afirma que, desde a entrada do século XXI, o desemprego continua crescendo, absorve cada vez mais parcelas da força de trabalho e o País segue como parte do grupo com maior número de desempregados do mundo.

Em relação ao segundo aspecto, o desassalariamento, Pochmann (2007) afirma ser uma novidade no Brasil em relação ao século XX. A perda de participação do emprego assalariado no total de ocupação sinaliza uma mudança substancial na estrutura ocupacional da realidade nacional. Informa também que, com a expansão

28 A considerar a evolução decenal do PIB brasileiro, a situação atual indica estagnação e aprofundamento dos

efeitos a ela inerentes. Essa evolução demonstra que, na década de 1980, o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 3,03%, tendo sido essa década considerada perdida, pois vem na sequencia de um crescimento econômico (1970), que alcançou o ápice do século com 8,8%, período do “milagre econômico”. Nos anos 1990 o patamar de crescimento ficou em 1,82% e entre os anos 2000 e 2004, o PIB não passou de 2,6%/ano (POCHMANN, 2007). Assim, a média de crescimento do PIB durante o Governo FHC foi de 2,3% ao ano, já, no Governo Lula, esse crescimento foi mais expressivo, ficou com média de 4,1%. No primeiro ano do governo Dilma (2011) o crescimento registrado PIB foi de apenas 2,7% (Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 07 de março de 2011, p. A-8).

29 Segundo Tavares e Soares (2007, p.32), no entanto, “as transformações ocorridas no capitalismo

contemporâneo em nada alteram a essência da relação entre capital e trabalho. Diante disso, reafirmamos que, por fios (in)visíveis o trabalho assalariado continua sendo o pilar de sustentação do capitalismo”.

30 No ano de 1986, o Brasil era o 13º no ranking mundial em número de desempregados. E, a partir de 1994, o

desemprego tomou tal proporção que incluiu o país no grupo dos quatro com maior número de pessoas nessas condições (POCHMANN, 2006).

da produção, havia uma geração de empregos formais superior à geração de outras formas de ocupação. No entanto, segundo ele, nos anos 1990, dos empregos criados, de cada dez, apenas quatro eram assalariados. Essa proporção tornou-se ainda mais desigual nos anos 2000, quando um a cada dois ocupados era assalariado, ou seja, a diferença aumentou de 40 para 50%.

Quanto ao último aspecto (ocupações precárias), Pochmann (2006) destaca que a inserção crescente da População Economicamente Ativa (PEA) em precárias condições e postos de trabalho marca o contexto mais amplo da crise do emprego no País. Isso significa que as ocupações sem remuneração definida, por conta própria, autônoma, independente, por cooperativa, etc. predomina em relação ao trabalho assalariado. Entre todas as formas de ocupações precárias, a que é denominada por trabalho autônomo ou por conta própria é ainda a mais tradicional no Brasil e se caracteriza por apresentar condições e remuneração precárias.

O autor citado afirma, ainda, que se constata grande desigualdade na composição e na dinâmica do desemprego no País, quando se compara variáveis de classes, de rendimento familiar, gênero, raça e escolaridade. Na década de 1990 e parte dos anos 2000, o desemprego passou de 6,7% para 9,3% do total da PEA, ou seja, houve um aumento próximo de 40%. No tocante às famílias de baixa renda, o desemprego, no mesmo período, teve um crescimento relativo de 46,8%. Com isso, houve um aumento de participação dos trabalhadores pertencentes às famílias mais pobres no conjunto de desempregados. Em um intervalo de dez anos (1992-2002), o número total de trabalhadores sem emprego, provenientes de famílias de baixa renda cresceu 77,7%. Esse número se compõe, na maior parte, de desempregados da população feminina, de negra e da camada de mais pobres entre os pobres (POCHMANN, 2006). As razões estruturais do desemprego, mencionados pelo autor são: a baixas taxas de expansão econômica do País nas últimas décadas e a evolução de um novo modelo econômico, a partir de 1990. Pochmann afirma, ainda que, para poder gerar empregos em quantidade satisfatória, o Brasil precisa apresentar, por ano, taxas de crescimento superiores a 5%31.

O Fundo Monetário Internacional previu para 2011 e 2012 uma piora

31 Se desde 1970 o Brasil não registra crescimento superior a 8%, as décadas subsequentes, considerada

economicamente perdida (1980), foi sucedida por crescimentos ainda mais insignificantes: nos anos 1990, com média de 1, 82%, os períodos mais baixos foram registrados nos anos de 1998 (0%); 1999 (0,3%); 2001 (1,3%). Já nos anos 2000, o pior crescimento do PIB foi registrado nos anos de 2003 (1,1%); 2005 (3,2%) e 2009, com taxa negativa (-0,3%) (Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 7 de março de 2012, p. A-8).

significativa do cenário econômico mundial. A expectativa de menor crescimento, para este organismo, vem dos Estados Unidos e a maior do Japão. Para o Brasil, o FMI previu queda significativa nos anos de 2011 e 2012, embora menor que a esperada para os Estados Unidos. Sobre o emprego, o Fundo também previu piora na realidade brasileira. O número de desempregados, de acordo com o órgão, se manteve estável entre 2010 e 2011, mas tende a aumentar, devido ao baixo consumo e à desaceleração industrial (SÁ NETTO, ANFIP, 2012).

Essa previsão já é realidade, confirmada nos dados do Ministério do Trabalho (MTE), os quais informam que foram gerados no mês de junho (2012) 120 mil postos formais de trabalho, o segundo pior resultado para o mês de junho dos últimos dez anos. Assim, o número de vagas formais (com carteira assinada) criadas no primeiro semestre de 2012 somou 1,048 milhão, o que significa uma queda de 26% em comparação com o mesmo período do ano passado32.

Apesar disso, em recente documento divulgado pelo IPEA (2012), intitulado “A década inclusiva (2001-2011)”, elaborado com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD, IBGE, 2011), afirma-se que a desigualdade no Brasil vem diminuindo ano a ano. Isso se deve, de acordo com esta análise, à melhoria da renda per capita na base da pirâmide social.

De acordo com o IPEA (2012), entre os anos 2001 e 2011, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%. No mesmo período, a renda dos 10% mais ricos teve um crescimento de 16,6%. O Programa Bolsa Família (PBF), as aposentadorias, as pensões e o Benefício de Prestação Continuada são responsáveis por 35% da redução da desigualdade.

A renda das famílias chefiadas por pessoas não alfabetizadas subiu 88,6%, enquanto aquelas, cuja pessoa de referência tem 12 anos ou mais de estudos, tiveram um decréscimo de 11,1% da renda no período analisado. Outro dado revelado é que a renda do Nordeste subiu 72,8%, e a do Sudeste 45,8%. Da mesma forma, a renda cresceu mais nas áreas rurais pobres, 85,5%, que nas metrópoles, 40,5% e nas demais cidades, 57,5%.

O IPEA (2012) identifica nos dados da PNAD (2011), que esse resultado guarda relação direta com as estratégias de focalização adotadas nos programas sociais. Para a “década inclusiva”, a redução da desigualdade observada é

32

decomposta pelo Instituto por meio das diversas fontes de renda captadas pela PNAD. O resultado é que 58% da renda originam-se do trabalho, 19% da Previdência, 13% do PBF, 4% do BPC e 6% de outras fontes como alugueis e juros.

A análise do IPEA sobre a PNAD também mostra que a renda está crescendo também pela via do trabalho, que cresce nos setores que mais contratam de forma precária, tais como a agricultura (86%) e as atividades domésticas (62,4%).

Em relação ao trabalho, ao contrário das tendências e índices divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), citados anteriormente, a PNAD (2011) revela que o desemprego no Brasil vem apresentando tendência regressiva, caindo quase 20% entre 2009 e 2011. A taxa de desemprego passou de 8,2% para 6,7% na década analisada pelo IBGE (PNAD, 2011). O propulsor do emprego no período deixou de ser a indústria e passou a ser o setor de serviços.

Essa última PNAD mostrou também que, em 2011, das pessoas que procuravam trabalho, 59% eram mulheres, 57,6% pretas e pardas, 53,6% não tinham concluído o ensino médio, 33,9% eram jovens entre 18 e 24 anos e 35% buscavam o primeiro emprego.

Ainda que a pesquisa tenha registrado menor índice de desemprego, de fato há retração na criação de emprego com carteira assinada. O mercado de trabalho formal não conseguiu crescer no ritmo da demanda relativa ao número de pessoas em idade ativa e apta ao trabalho. Com efeito, o número de desempregados no país continua expressivo e os empregos gerados são, na maioria, de baixa qualidade, com vínculo precário, sem garantias trabalhistas e rendimentos mínimos.

Nesse contexto, conforme observa Boschetti (2012, p.14),

A reduzida queda do desemprego na última década [...] não é capaz de alterar [a] condição estrutural da desigualdade social, pois a prevalência da informalidade e de relações precárias de trabalho constitui um dos principais mecanismos reprodutores da desigualdade social.

De acordo com a autora (Ibid.), a desigualdade tem relação direta com a estrutura de emprego e propriedade. Diante da realidade de baixos rendimentos, elevados índices de desemprego, informalidade, contratos precários e sem direitos vinculados, a concentração de renda não é afetada, ao contrário, se agrava. Na realidade, a propalada redução da pobreza e da desigualdade, pela distribuição de renda, encobre “a drástica e persistente desigualdade entre ricos e pobres, as imensas distâncias entre o menor e o maior salário vigentes, a aguda e inaceitável concentração de terra, agravada nos últimos anos” (BOSCHETTI, 2012, p.13).

Desse modo, a situação de trabalho - inserção precária, sem garantias próprias do trabalho formal, desassalariamento ou desemprego - vem fazendo com que a desigualdade, com pobreza extrema e relativa, se perpetue na relação do trabalho com o capital33. Nesse contexto, de acordo com Granemann (2007, p.65- 66), aos acionistas da miséria34, que compõem a massa excedente da força de trabalho,

não é dado participarem das conquistas civilizatórias que o trabalho – a despeito de sua dimensão alienante sob o capitalismo – continua a