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Trabalhadoras entre a transição dos séculos XX para XXI: o que mudou para elas?

QUANDO AS MULHERES ENTRAM EM CENA: LUTAS, RESISTÊNCIA E MOVIMENTOS SOCIAIS

2.2 Trabalhadoras entre a transição dos séculos XX para XXI: o que mudou para elas?

As lutas das mulheres no Pará têm uma primeira onda latente ainda nas décadas de 1920 e 1930 no século passado, quando algumas militantes feministas utilizavam espaços de circulação jornalísticos e literários para lançarem idéias de igualdade

34 Jaspe, entrevista concedida 19.08.2010.

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intelectual e política, por meio da conquista do direito ao voto, divulgando, assim, as idéias de Bertha Lutz, uma das primeiras feministas do Brasil (ÁLVARES, 2001).

Posteriormente a essa conquista, as mulheres têm se organizado em busca da efetivação de direitos em várias esferas, como o acesso às universidades, ao mercado de trabalho, à luta pela terra, o domínio do seu corpo etc. Para essa compreensão torna-se necessário analisar a condição da mulher no cerne das transformações societárias que vem ocorrendo nos últimos anos e quais as implicações para a vida delas na atualidade.

Segundo Hirata (2003) o aumento do desemprego, sobretudo industrial e a diminuição drástica do emprego formal, nos anos 1990, agravaram a situação bastante precária das relações de trabalho, tanto dos homens quanto das mulheres no Brasil. Como afirma Nogueira (2004) ao demonstrar que nesse período, no Brasil, começou a se falar em feminização do mercado de trabalho, em virtude das mudanças significativas ocorridas no emprego da mão-de-obra feminina nesse período.

Nesse âmbito, essas alterações recentes só podem ser entendidas como parte de um processo mais amplo de transformação do capitalismo como exposto anteriormente. Para essa autora, é identificado nos processos de globalização e reestruturação produtiva, demonstrando a vivência das “transformações em curso no interior da classe trabalhadora, não é exclusivamente masculinas, mas convive, sim, com um enorme contingente de mulheres” (ANTUNES, 2007, p. 53).

Ao lado desse quadro, as mulheres também tiveram uma forte progressão no mercado de trabalho, principalmente no final do século XX, o que representa um significativo aumento da participação das mulheres, tanto no setor formal quanto nas atividades informais. Também ocorreu uma nova elevação do número de empregos por elas ocupados no setor de serviços. Mas, essa participação traduz-se, especialmente pela criação de empregos precários e vulneráveis e estão ligadas basicamente ao meio urbano.

A mulher conseguiu ao longo dos anos uma presença bastante visível no ingresso ao mercado de trabalho, mas permanecem as desigualdades, que se reflete em diversos aspectos, a destacar, a desigualdade de salários, a ocupação de postos de trabalhos mais precários e com menor remuneração etc. O pagamento da força de trabalho feminina é, na maioria das vezes, muito menor do que o valor pago pela masculina, permitindo concluir que “a precarização no mundo do trabalho vem atingindo muito mais a mulher trabalhadora e acentua as desigualdades de gênero” (NOGUEIRA, 2004, p. 73).

Além disso, o desemprego atingiu substancialmente mais mulheres trabalhadoras do que os homens, “de 1991 a 1998 o crescimento do desemprego atingiu cerca de 2,4% dos homens, enquanto para as mulheres alcançou a marca dos 4%” (NOGUEIRA, 2004, p.81) permitindo corroborar que o desemprego decerto atingiu mais a categoria do gênero feminina do que a masculina.

À dimensão feminina torna-se importante incorporar a análise das formas de organização social, política e econômica, na medida em que os dados estatísticos da Organização Internacional do Trabalho – OIT mostram que apesar dos avanços das mulheres em assumir novos postos de trabalhos, bem como, ampliarem os seus espaços de inserção e suas conquistas históricas no domínio do espaço público e os ganhos comparativos ainda deixa a desejar.

De acordo com o relatório da OIT, “Tendências mundiais de emprego para as mulheres em 2007”, os dados são considerados alarmantes demonstrando que elas somam aproximadamente 81,8 milhões de excluídas do mercado formal de trabalho em todo o mundo. Por conseguinte, o impacto para esse grupo social específico é maior, pois são as mais atingidas pelo desemprego do que homens.

Na mesma linha de pensamento, é preciso compreender a situação das trabalhadoras rurais, que em contexto diferenciado, também vêm passando por mudanças significativas ao longo dos anos, refletindo talvez em proporções mais acentuadas de desigualdade e pobreza. Vigueira (1995) afirma que as mulheres constituem cerca de 60% da população rural pobre do mundo, o que supera mais de um bilhão de pessoas.

Isso se deve em parte a como o trabalho ainda está organizado no meio rural. De acordo com Abramovay e Silva (2000) a divisão tradicional estipula a homens e mulheres formas diferenciadas de inserção no trabalho e na sociedade, essa divisão social entre os sexos condiciona à mulher à responsabilidade pelo espaço privado reforçando as condições de submissão, doação e sublimação de seus sonhos e desejos, além da invisibilidade embutida na ausência de sua participação na esfera pública.

Além do mais, a mulher ainda tem um importante papel na produção agrícola, que muitas vezes não é reconhecido como trabalho e sim como “ajuda”, pois “existe certa dificuldade em determinar as diferenças entre produção e reprodução quando se fala de trabalhadora rural” (ABRAMOVAY e CASTRO, 1998, p. 349).

Paulilo (2009) ressalta que considerar como trabalho inúmeras atividades desenvolvidas no lar e nas propriedades agrícolas foi uma forma de torná-las visíveis e

valorizadas, para isso os movimentos de mulheres lutaram para que as esposas envolvidas na produção agrícola familiar fossem consideradas “produtoras rurais” e não “do lar”.

A esse respeito, “na década de 80, dá-se uma mudança no sentido da valorização das mulheres como “profissionais da agricultura” (PAULILO, 2009, p. 181) articuladas com outros debates que emergem de movimentos de mulheres. Tais movimentos, partindo de Melo e Sabbato (2006) possibilitam o questionamento de velhos estereótipos sobre o papel feminino e permite uma abertura de possibilidades e oportunidades para o surgimento de atividades fora do lar realizada por mulheres.

Simonian (2001) ressalva que as mulheres começaram a organizar-se e confiar em seu potencial, influenciadas por ações de igrejas e Organizações Não Governamentais – ONG‟s, devido considerarem as mulheres, isto é, ouví-las e apoiá- las. Nessa perspectiva, Viezzer (1989) reforça que a participação da mulher junto à igreja possibilitou a aproximação com diversos tipos de movimentos de base como de educação, de saúde, ligados à questão ambiental, de serviços públicos diversos, de luta pela terra e moradia etc.

Apesar do crescimento de grupos de mulheres e debates que permitam a mulher desmistificar as “naturalizações” impostas ao seu sexo, dados da OIT (2005) ressaltam que elas representam um grupo especial entre os pobres, estando ligada à alta presença em atividades não remuneradas, além da grande dependência econômica em relação aos homens, crescentemente maior no meio rural.

Além disso, uma grande proporção de mulheres pobres quando se insere em atividades remuneradas se concentra em reduzidas ocupações, principalmente, informais e com baixos salários, freqüentemente apresentam maiores níveis de vulnerabilidade frente à pobreza e experimentam formas mais severas desta em relação aos homens, trazendo consigo ainda a questão da “dupla” jornada de trabalho, que segundo Paulilo (2009) permite às mulheres não terem como refletir sobre suas condições de vida, visto que não lhe sobra tempo quando esta precisa labutar dentro e fora de casa.

Assim Guérin (2005) ressalta que a pobreza se feminiza e as desigualdades entre os sexos persistem. Esse panorama mundial faz emergir necessidades de encontrar novas formas de solidariedade, bem como, de elaborar instrumentos conceituais que permitam pensar a dimensão sexual das desigualdades e da pobreza.

Há que se pensar então como compatibilizar o acesso ao trabalho pelas mulheres, um fator importante para o seu processo de emancipação, visto que a “ruptura

da condição individual e a necessidade de avançar nas formas de organização se somam a um terceiro desafio, que é o da construção de uma identidade coletiva” (VASSAPOLO, 2005, p. 108).