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1 ATIVIDADES HUMANAS E A CONCEPÇÃO SÓCIO HISTÓRICA DA LINGUAGEM – RELAÇÕES COM O

1.3 O TRABALHO COM O TEXTO NA SALA DE AULA – PROPOSTAS METODOLÓGICAS

A centralidade do texto nas práticas realizadas com a linguagem na escola, hoje amplamente difundida nas discussões acadêmicas e nos documentos que prescrevem o ensino no Brasil, busca espaço nas práticas escolares contrapondo-se ao conceito e emprego do texto que se fez historicamente nesse ambiente.

Geraldi (1997) aponta que o texto, de alguma forma, sempre esteve presente na disciplina de Língua Portuguesa: era objeto de leitura vozeada, em que o aluno deveria aproximar ao máximo sua leitura da leitura do professor; objeto de imitação, quando era usado como modelo para o aluno produzir outros textos; e objeto de uma fixação de sentidos, em que a interpretação privilegiada era a do professor ou a do crítico. Essa última perspectiva do texto leva à ideia de que ele é um objeto pronto e acabado, concepção que foi substituída pela possibilidade de um texto revestir-se de sentidos vários no encontro com o interlocutor.

A análise do percurso do texto na sala de aula traçado por Rojo e Cordeiro (2004) demonstra como este, por meio da reapropriação de antigas práticas e sob nova roupagem, continua sendo trabalhado: tomado como objeto de uso não de ensino; como suporte para as atividades de leitura e redação; como objeto de estudo de seus elementos estruturais; como pretexto para o ensino da gramática normativa e também da gramática textual. A ineficiência dessas práticas, aliada à constatação da insuficiência de classificações tipológicas frente à heterogeneidade de textos existentes e da desconsideração das circunstâncias de produção e leitura dos textos levou a um redirecionamento no que diz respeito ao trabalho com o texto na sala de aula. “Trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos.” (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 11).

Nesse contexto e para dar conta dessa tarefa, autores interacionistas começam a ganhar destaque, dentre eles o filósofo russo Mikhail Bakhtin. Para esse autor, a ordem metodológica para o estudo da linguagem deve partir de sua relação intrínseca com a vida, dos usos que os sujeitos fazem da linguagem nas situações de comunicação. Dessa forma, na concepção bakhtiniana, o texto (oral ou escrito) é

considerado um conceito de importância fundamental, pois se constitui como a materialização dessa relação.

A constituição do homem social e da sua linguagem é mediada pelo texto; suas ideias e seus sentimentos se exprimem somente em forma de textos. Consequentemente, o acesso ao homem social e a sua linguagem se dá somente pela via do texto. (RODRIGUES, 2001, p. 69).

Por trás de cada texto está o sistema da língua, porém sua realização e significação não podem ser alcançadas em sua totalidade somente por suas características linguísticas, pois “As relações dialógicas pressupõem linguagem, no entanto elas não existem no sistema da língua.” (BAKHTIN, 2011, p. 323). Percebemos que a dicotomia estabelecida por Bakhtin entre o sistema puramente linguístico e a dimensão social da linguagem revela-se também em sua compreensão de texto. Segundo o autor, o texto se constrói fundamentado em dois polos, o linguístico e o do enunciado.

O polo do enunciado compõe o plano discursivo da língua, constituindo-se em uma relação dialógica com outros enunciados, enquanto que a dimensão linguística não estabelece relações de sentido com outros enunciados, pois suas ligações se dão somente no plano linguístico, no interior do enunciado. Na primeira acepção, como enfatiza Rodrigues (2001), o entendimento do texto em sua integridade concreta e viva faz dele um enunciado e, quando visto como sistema de signos em que tudo pode ser reproduzido e repetido, situa-se no polo linguístico.

Dessa forma, como enunciado, o texto não pode ser entendido somente por meio de sua estrutura linguística e sim, conforme Furlanetto (2011, p. 46), “como material concreto em circulação no meio social e produzindo seus efeitos em situações reais”.

Esse segundo elemento (polo) [enunciado] é inerente ao próprio texto mas só se revela numa situação e na cadeia dos textos (na comunicação discursiva de dado campo). Esse polo não está vinculado aos elementos (repetíveis) do sistema da língua (os signos), mas a outros textos (singulares), a relações dialógicas (e dialéticas com abstração do autor) peculiares. (BAKHTIN, 2011, p. 310).

A disseminação da concepção dialógica e sócio-histórica da linguagem na esfera educacional, por meio dos documentos norteadores do ensino, tem propiciado o desenvolvimento do conceito que se tem de texto na esfera educativa, superando o tratamento puramente linguístico e instrumental historicamente atribuído ao texto nesse ambiente. Entre esses documentos podem ser citados os PCN, que elegem como unidade de ensino na disciplina de Língua Portuguesa o texto, considerando-o como a materialização linguística dos discursos. Essa compreensão apoia-se na situação de comunicação e nos aspectos sociais dos interlocutores envolvidos na produção do discurso. As condições de produção são enfatizadas em detrimento dos aspectos gramaticais, “a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva; e não a produção de textos para serem objetos de correção.” (BRASIL, 1998, p. 19). Também no documento destinado às séries iniciais do ensino fundamental essa ênfase é dada, buscando-se incentivar práticas “Em que a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a expressão e a comunicação por meio de textos e não a avaliação da correção do produto.” (BRASIL, 1997, p. 16).

Os aspectos do texto são abordados nos PCN tendo entre suas referências conceitos provenientes da linguística textual, corrente de estudos que se dedica a estudar a natureza e os fatores implicados nas situações de produção e recepção de textos. (COSTA VAL, 1994). A determinação presente nos PCN de que “um texto só é texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global, quando possui textualidade” (BRASIL, 1997, p. 18; Brasil, 1998, p. 21) nos reporta à afirmação de Costa Val (1994) sobre os estudos provenientes da linguística textual: “chama-se textualidade ao conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases.” (COSTA VAL, 1994, p. 5, grifo da autora).

Os estudos da linguística textual procuram ir além dos limites puramente linguísticos do texto, enfatizando o sujeito e a situação de comunicação envolvidos no processo de produção dos discursos. As orientações presentes nos PCN, apesar de não excluírem a importância dos aspectos linguísticos presentes no texto, apresentam, de forma condizente com as tendências que assumem, a preponderância dos aspectos discursivos, procurando deslocá-lo das tradicionais apropriações que se fazem nas práticas realizadas na escola e que são guiadas, sobretudo, pelos aspectos que se relacionam ao polo linguístico do texto.

Também na Proposta Curricular de Santa Catarina (1998)12 (doravante PCSC), as orientações conduzem a um entendimento de texto como enunciado (plano discursivo): “O texto, manifestação discursiva em situação, corresponde a um processo complexo e longo de formulação subjetiva, implicando operações múltiplas dominadas gradativamente.” (SANTA CATARINA, 1998, p. 14), que se desencadeiam em meio às relações de sentido que se realizam nas interações entre os sujeitos. De conformidade com esse documento, as práticas com a linguagem se desenvolvem em dois eixos: fala/escuta, leitura/escritura aos quais se associam os planos língua-estrutura e língua-acontecimento (FURLANETTO, 2008). O plano da língua- estrutura refere-se aos aspectos puramente linguísticos, que não apresentam interlocuções fora desse sistema, já o plano da língua- acontecimento refere-se ao emprego que os sujeitos fazem da língua nas situações de uso, ou seja, ao plano discursivo.

O encaminhamento dado nesses documentos ao texto em uso evoca a noção de gêneros proposta por Bakhtin. Na sequência, no movimento desta transição, passaremos ao que se considera aqui como um novo olhar para as questões de ensino-aprendizagem de língua materna na sala de aula: a inserção do conceito de gêneros do discurso na esfera escolar.

12

De acordo com Thiesen (2011), a Proposta Curricular de Santa Catarina vem- se constituindo num trabalho coletivo que teve início em 1988 por iniciativa da Secretaria de Educação. Segundo o autor, a realização do trabalho conta com equipes técnicas de governo e educadores da rede. Desde 1988 a equipe já produziu 06 cadernos temáticos em 04 etapas ocorridas nos anos de 1988-1991, 1996-1998, 200-2001 e 2003-2005. Quanto à orientação teórica presente nesses textos, Thiesen (2011) aponta o materialismo histórico-dialético e a abordagem histórico-cultural. Ainda, segundo esse autor, “Os seis cadernos contemplam abordagens teorias do campo da educação, definição de concepções metodológicas e orientações didáticas tanto para as disciplinas curriculares do currículo da Educação Básica, quanto para temas multidisciplinares e para o que no caderno de 2005 se denominou ‘Estudos Temáticos’.” (THIESEN, 2011, p.159).

1.4 TEORIA DOS GÊNEROS DO DISCURSO NA ESFERA