• Nenhum resultado encontrado

Acredito ser importante destacar as ideias de Tudge (1996), quando alerta que o trabalho em grupo e a interação com os colegas não trazem apenas vantagens, mas também podem causar uma regressão, dependendo do nível de autoconfiança de cada integrante do grupo. Portanto, o professor, que quiser utilizar o trabalho colaborativo em sua sala de aula, precisará ter um conhecimento teórico sobre o que ele é, sobre como organizá-lo em sua turma e sobre seus riscos.

Tudge (1996), ao analisar atividades realizadas em grupo, diz que não há garantias de que o significado conjunto, nele criado, por meio da interação, terá qualidade superior ao que seria criado individualmente, mesmo quando uma criança mais competente que as outras faça parte do grupo e esteja trabalhando nas ZDPs das outras. Pode acontecer de a criança mais competente ter pouca autoconfiança e a menos competente dominar a interação, impondo suas ideias, por ser mais autoconfiante. Por isso, o autor alerta que, ao invés de apenas aceitar de maneira casual os benefícios de associar uma criança a um parceiro mais competente, é necessário prestar atenção ao próprio processo de interação, para entender se esse está realmente trazendo benefícios para a aprendizagem das crianças ou se está gerando regressões.

A forma de organização e os critérios que o professor adota para compor os grupos podem trazer benefícios ou gerar regressões. Para que essa prática traga vantagens, o professor também precisa conhecer o nível de aprendizagem de cada aluno, bem como suas características pessoais (quem é mais tímido, quem é líder, quem é impaciente, quem tem confiança em si mesmo, quem arrisca sugerir ou fazer tentativas...). Esse conhecimento precisa ser assumido como princípio norteador na hora da formação dos grupos, buscando formar pares ou grupos que consigam chegar a um diálogo capaz de gerar conflitos cognitivos de qualidade, para que haja desenvolvimento de todos os envolvidos.

Como já comentei anteriormente, a sala de aula precisa ser um ambiente de indagação, o lugar onde os alunos criem hipóteses, experimentem-nas, questionem- se e, assim, construam uma aprendizagem significativa. O trabalho com grupos

colaborativos é uma estratégia de organização da prática pedagógica importante, porque permite fazer da sala de aula uma comunidade de interação e trocas. Para isso, é necessária a criação de normas e regras de convivência pelo professor, além de conhecer e assumir o trabalho colaborativo como articulador de sua prática.

Detsch e Gonçalves (2002), ao apresentar uma pesquisa que tinha como foco a criação cooperativa de um laboratório na escola, perceberam que, talvez por não estarem habituados a formas cooperativas de trabalho na escola, alguns alunos manifestavam dificuldades em se organizar em torno da atividade. As dificuldades eram marcadas pela agitação constante e pela ansiedade em manifestar a sua própria posição, sem ouvir o colega. Ao mesmo tempo, as crianças se envolviam frequentemente em brincadeiras paralelas ao invés de se focarem no trabalho. Frente a essas dificuldades, descreve como agiram:

A nossa atitude em relação aos conflitos de interação social foi sempre a de discutir com os alunos essas questões e tentar formular com eles algumas normas que minorem as dificuldades existentes e permitam o desenvolvimento de atitudes cooperativas e de responsabilidade coletiva, coordenando ações conjuntas e assumindo compromissos (DETSCH e GONÇALVES, 2002, p. 8)

Acredito, assim como os autores, que as normas e a conscientização de que, para aprender com o colega que tem posições diferentes das minhas, são extremamente necessárias a criação de acordos e normas de convivência. São elas que garantem que todos os participantes daquele grupo terão direito a se expressar e a aprender com o outro. As regras ou acordos estabelecidos ajudam na criação do vínculo necessário entre os participantes de um mesmo grupo e auxiliam na medida em que garantem condições para que se possa expor ideias e interagir.

Castro (2001) aborda a importância da construção do vínculo na relação de confiança entre professor-aluno-grupo, enfatizando que o professor que busca trabalhar dentro de uma perspectiva de cooperação deve procurar sempre revelar aos cooperados/sujeitos do grupo os problemas e as deficiências emergentes para que, juntos, busquem superá-los. Para que este vínculo seja criado, é imprescindível um bom nível de comunicação entre os participantes do grupo, pois “as possibilidades de construção de ‘vínculos bons’ e também a aprendizagem, estarão sempre dependendo de um bom nível de comunicação” (CASTRO, 2001, p.140).

Entendo que o professor que deseja fazer uso do trabalho colaborativo como um aliado para o ensino e a aprendizagem de conteúdos precisa estar atento, não apenas para os benefícios que ele traz, mas também para os desafios que essa prática exige. Tais desafios envolvem a criação de bons vínculos, níveis elevados de comunicação, graus elevados de confiança entre os participantes do grupo, acompanhamento constante dos tipos de interação que estão ocorrendo dentro dos grupos, entre outros.

Também reconheço como importante o professor ter conhecimento e valorizar o trabalho em grupo, de forma colaborativa, como um princípio didático que pode qualificar sua prática e criar condições para o exercício da indagação, da problematização e da tomada de decisão, ações indispensáveis ao exercício democrático.

Inspirando-me nas ideias de Biesta (2013), especialmente quando sustenta que a democracia é produzida através das interações e ações humanas, pois as ações são sempre realizadas entre sujeitos, e sendo a escola e a sala de aula espaços de ações, entendo que precisamos garantir que interações entre sujeitos aconteçam, pois assim se estabelecem relações e contextos democráticos. A escola é um espaço de relações e, por isso, percebo que, desde o início da minha prática, envolvi-me com o conceito de trabalho colaborativo, pois ele me leva a defender a escola e a sala de aula como espaços de relações que assumem a heterogeneidade, a pluralidade e a singularidade como princípios orientadores e potentes para produzir práticas educativas democráticas. Acredito que a escola e a sala de aula precisam garantir às crianças espaço para que se manifestem e descubram o mundo e o novo, bem como o de ser locais em que elas podem aprender a interagir com o outro.

Quando Biesta (2013) afirma que a pluralidade é a condição da ação humana, percebo e entendo melhor porque sempre me preocupei em conhecer a heterogeneidade presente em minha sala de aula e, a partir desta, planejar minhas ações como educadora. Acredito e defendo que a escola precisa assegurar condições e oportunidades para encontrar e conhecer o que é diferente, bem como espaço para que cada um possa expressar e ter sua própria voz valorizada. Creio, também, que só podemos ser livres em um espaço de pluralidade e diferenças, e que é responsabilidade da escola ofertar espaços para relações múltiplas, para que os sujeitos se tornem presença neste mundo.

Na continuidade, abordo e reflito sobre o papel do professor como modelo de interação. Para isso, parto de algumas questões que me inquietam: O que faz com que as crianças adquiram a habilidade de coordenação nas interações com seus pares? Como aprender a interagir com os outros de maneira que todos sejam beneficiados? Reconhecendo o trabalho colaborativo como um princípio didático potencializador da prática pedagógica, indico caminhos para pensar e responder a essas questões.