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5 ALTERAÇÃO INSTITUCIONAL QUALITATIVA CONTEMPORÂNEA

5.1 TRABALHO OBJETIVADO E NECESSIDADES DO TRABALHO VIVO

A sociedade antagônica às necessidades do trabalho vivo está atenta às necessidades vitais e espirituais do trabalho objetivado. O trabalho é objetivado por ser determinação própria do aparato técnico, pela otimização de sua performance como instrumentação

produtiva de capital. O poder do capitalismo, obtido pela concentração histórica da mais- valia, sustenta a continuidade do desenvolvimento afluente do capitalismo tardio. O fortalecimento da organização hegemônica está atenta sempre às possibilidades de inversão da qualidade do controle econômico-político do processo produtivo e com toda sua inteligência procura, para evitar ameaças de alteração na hegemonia econômico-política, procura absorver qualquer reação negativa de poderes alternativos. As estratégias capitalistas em relação ao trabalho já objetivado, ou já morto, terão como finalidade a manutenção das características produtivas que perpetuem o poder do trabalho objetivado sobre o trabalho vivo e a manutenção da dinâmica de contraposição às necessidades próprias do trabalho vivo, a subordinação do trabalho ao capital.

O controle administrativo pelo trabalho objetivado poderá permitir até concessões ao trabalho vivo, como estratégia de pró-atividade gerencial, concedendo-lhe vantagens objetivas, no entanto a alteração institucionalizada do sistema geral de produção material e cultural deve permanecer sob a qualidade econômico-política do controle dos capitais até então acumulados. Por isso, serão devidamente protegidos das possibilidades de alteração qualitativa, os avanços conseguidos pela dinâmica do trabalho vivo, ou qualquer sistemática tecno-produtiva que pudesse ser utilizada a favor da alteração qualitativa da produção. As exigências do trabalho objetivado pelo aparato técnico-financeiro procurarão manter-se hegemônicas, de modo que sob o sistema geral econômico-político, as possibilidades de alteração devem ser absorvidas e harmonizadas segundo as regras já vigentes do controle do capital sobre o trabalho. Os avanços nas respostas às necessidades do trabalho vivo são gerencialmente contidos dentro desse ambiente econômico-político e administrados de modo que não se desenvolvam como uma força de entropia negativa, de destruição do sistema pela própria dinâmica de suas forças negativas internas.

A administração do sistema pelo trabalho objetivado deve evitar a expansão de sua própria entropia negativa. Qualquer reversão deve ser contida nos limites do próprio sistema, mesmo se já houver condições técnicas favoráveis à reversão da lógica do capital, como o automatismo da produção, mesmo que já exista no desenvolvimento da produção capitalista as condições materiais para o desenvolvimento de elementos característicos da produtividade socialista. Por isso Marcuse detém-se sobre a possibilidade produtiva socialista associada à utilização dos avanços da automação produtiva do capitalismo tardio e questiona: “Não será isso, contudo, mais uma vez uma forma do progresso da razão objetiva e uma nova forma da primazia do passado que se reproduz, do trabalho objetivado no aparelho técnico sobre o

trabalho vivo?” (Marcuse, 1972, p. 162) O controle do sistema está fundado na dinâmica repressiva do trabalho objetivado, gerenciado pela lógica da racionalidade restrita ao desempenho funcional do sistema, da razão funcional subordinada ao critério do mercado da bolsa de valores, bolsa dos capitais.

A diferença qualitativa de uma nova sociedade está na qualidade das novas necessidades, reprimidas até então na sociedade antagônica, está na possibilidade da satisfação das necessidades do trabalho vivo, na especificação qualitativa do trabalho como exercício de ação livre. Trabalho objetivado é a contraposição-objeto à especificidade da subjetividade livre no processo da ação humana, objetivado porque já formatado pelo capital, objetivado porque contraposto à determinação da subjetividade humana. O gerenciamento do trabalho objetivado está atento às suas necessidades vitais e espirituais sim, no entanto o controle de sua satisfação estará subordinado às determinações imperativas da teleologia do desempenho do trabalho objetivado pelo capital. As necessidades vitais e espirituais do trabalho vivo têm outra configuração, o autor considera-as como novos elementos de caracterização axiológica. “Falo aqui, não de valores e objetivos e sim de necessidades. Com efeito, enquanto esses objetivos e valores não se transformam em necessidades reais, a diferença qualitativa entre a velha e a nova sociedade não poderá manifestar-se” (Marcuse, 1972, p. 165)

As necessidades históricas do trabalho vivo devem tornar-se valores e objetivos, elementos de teleologia da ação política. Os valores como determinações morais não foram definidos a priori, tornaram-se valores por serem expressões das efetivas necessidades do trabalho vivo, valores histórico-efetivos. “Tais necessidades novas encontrariam sua expressão em uma relação radicalmente modificada entre os homens e em um meio ambiente social e natural radicalmente distinto” (Marcuse, 1972, p. 165)

O desenvolvimento do sistema que procura satisfazer necessidades vitais e espiritutais do trabalho objetivado, é um todo já velho em sua agressividade a tudo o que possa transformar a situação de repressão em caminho humano do progresso. A alteração institucional qualitativa significaria um fluxo social diverso por meio do qual teríamos “solidariedade ao invés da luta de concorrência; sensorialidade ao invés de repressão; desaparecimento da brutalidade, da vulgaridade e de sua linguagem; a paz como situação duradoura.” (Marcuse, 1972, p. 165)

O todo repressor, suportado social e politicamente pelas benesses da sociedade da abundância, fez perdurar valores como a concorrência, a repressão e a brutalidade, valores e necessidades do aparato técnico do trabalho objetivado. “O poder do negativo surge fora

dessa totalidade repressiva, a partir de forças e movimentos que ainda não estão manietados pela produtividade agressiva e repressiva da chamada "sociedade da abundância" (Marcuse, 1972, p. 165)

Na nova relação entre o homem, a natureza e a sociedade, a sociedade apresenta novas possibilidades de uma sociedade antagônica ao estabelecido, sua organização apresenta alternativas de solidariedade, eroticidade e paz duradoura. O capitalismo tardio16 procura absorver os potenciais revolucionários prejudiciais ao trabalho objetivado, sustentador da sociedade de abundância, “dentro dessa totalidade o fenômeno da absorção do potencial revolucionário no próprio capitalismo maduro.” (Marcuse, 1972, p. 164)

A contraposição tecno-política no capitalismo tardio se dá pela manutenção das características do trabalho objetivado pelo aparato técnico do capital em confronto às necessidades do trabalho vivo. A sociedade dependente do desperdício e acúmulo de mercadorias, necessita absorver qualquer potencial possibilidade revolucionária para não interromper suas vantagens hegemônicas.