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E XPERIMENTANDO SE EM LEITURAS , LENDO A EXPERIÊNCIA

O TRABALHO PLANEJADO : A AULA DEBATE

A exibição do documentário para a turma ocorreu no dia 29 de julho de 2003 e a aula debate foi realizada na semana seguinte, em 5 de agosto.

A escolha do documentário e da aula-debate como forma de abordagem, estiveram orientadas por uma certa intencionalidade pedagógica. Eu e Manuela havíamos definido como objetivos do trabalho que os alunos pudessem analisar as causas do analfabetismo e compreender as dimensões da experiência de ser analfabeto em uma sociedade letrada (dentre elas, a questão do preconceito). Tínhamos também em vista evidenciar que a leitura e a escrita, assim como outros saberes escolares, são imprescindíveis para o enfrentamento dos desafios da vida contemporânea, mas que isso não deveria negar a existência e a importância de saberes construídos fora do universo escolar. Um critério para a definição dos temas foi o de que possibilitassem diálogos com as experiências dos alunos, pois acreditávamos que só um trabalho orientado na direção da interlocução entre os saberes escolares e a experiência dos alunos poderia inscrevê-los em novos horizontes de inteligibilidade.

Outra preocupação que estivera presente dizia respeito à incorporação de produções culturais de naturezas diversas (filmes, fotos, textos literários, didáticos, de memórias, da mídia) à dinâmica das aulas, como fontes de investigação e de elaboração de conhecimentos. Para tanto, procuramos criar situações nas quais essas produções fossem compreendidas como documentos marcados pelo contexto em que foram produzidos e pelo lugar social de seus autores.

Antes da exibição do documentário, expliquei que “Leituras de um analfabeto” introduzia o estudo de um novo tema: “A educação no Brasil” e que o primeiro aspecto que trataríamos naquela aula dizia respeito ao problema do analfabetismo. Antecipei que esse mesmo aspecto seria aprofundado posteriormente com relatos escritos de pessoas analfabetas e dados estatísticos sobre esta questão, ao longo do século XX. Depois expliquei-lhes quais seriam os outros recortes históricos que estudaríamos: a educação no Brasil no final do século XIX e início do século XX e a educação indígena nas reduções jesuíticas no período colonial.

Visto o documentário, solicitei que a princípio fizessem comentários gerais, apresentando suas impressões sobre o mesmo, destacando aspectos que fizeram lembrar a própria vida ou a história de pessoas conhecidas. Com esse modo de instaurar a atividade, instituí os alunos como protagonistas no movimento interlocutivo.

As discussões produzidas sobre e a partir de “Leituras de um analfabeto” foram gravadas em áudio e transcritas. Na seqüência, apresento três episódios referentes a essa discussão, acompanhados de ensaios de interpretação dos processos de elaboração de conhecimentos e de subjetividades que pude entrever.

“ENTÃO JÁ QUE O TERMO É PRECONCEITO, O TEMA AQUI É PRECONCEITO, VAMOS FALAR”

Instituir o aluno como protagonista no movimento interlocutivo implica assegurar- lhe a escuta. Para quê?

Ouvir o aluno é um princípio que se inscreve em algumas pedagogias e significa, dentro dos quadros de referências que as constituem, reconhecer que estamos, como professores, diante de um sujeito intelectualmente ativo que pode oferecer hipóteses interpretativas e sugerir sentidos inesperados, que podemos acolher para modificar, ajustando-os a nossos objetivos.

Ouvir o aluno, dentro de outras pedagogias, significa viver a reversibilidade, ou seja, considerar que ouvir o aluno pode modificar-nos como professores, o que significa assumir o conflito, a diferença. Nesse caso, ouvir o aluno implica expor-se a múltiplos sentidos, a histórias de vida, a experiências e conhecimentos desconhecidos pelo professor e, também, focalizar, na relação com a linguagem, indícios de atitudes, de conceitos, de valores que emergem e circulam na interlocução.

Aberto o espaço, Isaías fez um movimento que me pareceu indicar o desejo de tomar a palavra.

Naquele ano de 2003, Isaías tinha 38 anos e morava em Campinas há 6 anos. Matogrossense, já havia morado na divisa com o Paraguai e numa cidade paranaense. Casado e pai de um menino de um ano, Isaías era membro da Igreja Assembléia de Deus e

trabalhava como entregador de produtos alimentícios. Durante as aulas sempre dava suas opiniões, participando dos trabalhos propostos e mostrando ser uma pessoa atualizada. Expressava-se oralmente com desembaraço, lia com facilidade, interpretando os textos com versatilidade e, volta e meia, suas falas desencadeavam debates na sala.

Cláudio: Isaías... Algo especial?

Isaías: Não, não. Só um detalhe que eu achei interessante, aí. Que todo evangélico é

analfabeto. Passou... Eu acho que eles escolheram assim... Começou o preconceito aí, entendeu. É errado essa idéia de que toda pessoa por ser evangélica é... entendeu. Existem milhares de pessoas que... inclusive eu conheço alguns que viajaram em muitos países aí, que conhecem meio mundo. O cara fez faculdade, pós-graduação na Europa e é evangélico. Então eu acho que não foi muito feliz esta escolha, aí.

Manuela: Mas, eu acho que não, o filme não quis mostrar isso aí. Ele pegou uma igreja,

Assembléia de Deus, se não me engano. E eu acho que pegou esta situação porque as pessoas que não sabiam escrever e que freqüentam a igreja têm muita vontade de ler a bíblia. E em função disso eles até aprendem, aprendem em função de ler a bíblia. E também mostrou nessa situação o cara fazendo sermão, sabendo falar super bem...

Isaías: Detalhe. Um país que tem mais de 40% de analfabetos eles poderiam arrumar

facilmente um exemplo qualquer aí a não ser religião, que não seja de religião porque...

Manuela: Mas o filme mostrou outros exemplos...

Isaías: Não... mas eu acho que foi de mal gosto, entendeu. Assim, a escolha. Já existiu

aquele preconceito já na escolha. Eu achei. É da mesma forma que se fosse espiritismo, que se fosse... eu acho que...

Manuela: Você acha que poderia ter escolhido uma...

Isaías: Uma religião assim, no caso, como por exemplo... já existiu preconceito na escolha,

entendeu.

Cláudio: O tipo de comentário do Isaías é também pertinente, é legal. Não precisa só falar

de coisas que lembrou da vida, podem ser críticas mesmo: “olha, não gostei desse trecho aqui por causa – no caso dele aí – achei de mau gosto porque...” Aí talvez não tenha sido a intenção mas, por má compreensão das pessoas, pode se generalizar. “A maioria dos evangélicos são analfabetos”.

Isaías: Exatamente. Da mesma maneira que existiu preconceito com pessoas como o

nordestino, com pessoas negras, entendeu. Qualquer tipo de ...

Cláudio: Embora Isaías, eu concorde com a Manuela, a gente podia pensar assim: por que

vai pôr o deficiente então? O cara já sofre uma discriminação, colocando ele lá num dos trechos do documentário poderia ser uma forma de reforçar. Eu acho que o tom do documentário todo, até o fato do título ser “Leituras de um analfabeto” é, pelo contrário... eu queria que a gente trocasse uma idéia em relação a isso, é mostrar os conhecimentos, o quanto é rica a experiência de quem não sabe ler e

escrever. E de cabo a rabo do documentário acho que a idéia era essa. Então olha, é o repentista, o cara não passou pela escola mas é um artista e mostrou os vários artistas que tem na Praça da Sé. Não pra mostrar o quanto são ignorantes. Mas pra mostrar que mesmo sem saber ler e escrever os caras são lutadores, batalham, produzem cultura. São figuras sábias em outros tipos de conhecimento que não a leitura e a escrita. E no caso dos evangélicos eu achei que o tom foi o mesmo. Quando fala assim olha: o cara tá lá com a bíblia na mão fazendo um... Pra quem sabe, não viu antes, acha que ele tá lendo... o cara tem uma oratória super boa!

Manuela: Melhor que muita gente que sabe ler e escrever.

Cláudio: No entanto, um dos aspectos principais é isso: olha, esse pessoal tem uma

oratória... E uma das coisas que eu achei que talvez eles tenham intencionalmente escolhido isso é que, em grande parte – eu já vi muito isso - nas salas de alfabetização ou de supletivo, pelo país inteiro, o fato de querer estudar para ler a bíblia é uma motivação muito grande no nosso país. Seja da parte de evangélicos, de católicos, de qualquer... Então talvez tenha tratado esse motivo que faz com que as pessoas busquem aprender. Que às vezes é o trabalho. Às vezes é uma coisa de outra ordem como é o trabalho.

Isaías: Mas eu acho que alcançaria o mesmo objetivo usando um outro exemplo qualquer.

Que não fosse, entendeu, que não fosse... E por quê? Porque não deixa de ser um tipo de preconceito, também, entendeu. Então já que o termo é preconceito, o tema aqui é preconceito, vamos falar. É qualquer tipo preconceito contra o... os cabeças... que eles falam lá... as pessoas de cabeças-chatas, contra aí... qualquer tipo de racismo não é uma burrice é uma ignorância. Tem que ter dó de uma pessoa que chega a este ponto. De expressar qualquer tipo de racismo. Tem que ter dó da pessoa. Porque a cabeça dela é... acho que nem cérebro ela tem. Um passarinho tem um cérebro maior que o dela. Por quê? Eu acho que a pessoa tem que ser analisada pelo que ela é. Tem muitas pessoas que são brancas por fora e negras por dentro. Da mesma forma que existem outras... não é a cor que vai dizer se a pessoa é melhor ou pior, não é o olho, o cabelo, ou isso ou aquilo. Eu acho que as pessoas têm que ser julgadas pelo que elas fazem. Por exemplo, se você é mau, você é mau, não importa a sua cor.

Mara: Igual... dá licença. Igual àquele dia lá em que eu fui ler e você tirou uma da minha

cara...

Isaías: (interrompendo-a): Ignorância minha, eu errei, eu errei. Desculpa! Desculpa! Eu

esperava o momento certo pra te pedir desculpa.

Mara: Você chegou me tirou dentro da sala e depois me tirou lá na rua.

Isaías: Pensei, pensei muito nisso eu ia te pedir desculpa. Eu estava esperando o momento

certo pra isso.

Mara: Então você mesmo diz “olha...”

Isaías: É o momento certo, me desculpe. Por favor! Isso é mais um desses motivos aí. Eu

(Várias pessoas falam ao mesmo tempo. Mara enfatiza o quanto se sentiu desrespeitada pelo colega.)

Isaías: Nada a ver! Eu lembro até da minha amiga me dizendo assim... “Demorou!” Eu

lembro de tudo! Analisei tudo o que eu falei. Tremenda de uma burrice minha!

Célia: Ela demorou pra te dar uma resposta. Isaías: Demorou, demorou...

Célia: Ela ficou assim... viu...

Isaías: Então eu sei, eu cometi um erro, sabe. Não o último, mas eu vou... sempre que eu

cometer esses erros eu vou ser homem suficiente pra chegar pra você e falar: “não eu errei”. Não vou tentar botar panos quentes em cima, não. Errei e acabou.

Isaías toma a palavra e instaura o debate (e embate) em torno do sentido do documentário, privilegiando uma possibilidade que não era central em nossos objetivos, como professores, embora tivesse sido cogitada – o preconceito.

Falando do lugar do fiel que pertence à Assembléia de Deus, a mesma igreja freqüentada por Artur, o personagem retratado, Isaías posiciona-se criticamente em relação ao documentário, definindo suas escolhas como preconceituosas. Sua argumentação é construída, inicialmente, em torno da vinculação da imagem do analfabeto com a Igreja por ele freqüentada, e da generalização sugerida de que “todo evangélico é analfabeto.”

O sentido destacado por Isaías surpreende a nós, professores, e assumimos, diante dessa leitura, posições semelhantes, mas modos de encaminhamento diferentes, desencadeando negociações de sentido.

Manuela nega a validade da interpretação de Isaías (“Mas, eu acho que não, o filme não quis mostrar isso aí”) e procura, em interlocução com ele, desconstruir seus argumentos. Inicialmente ela recorre às possíveis intenções do documentário (“E eu acho que pegou esta situação porque as pessoas que não sabiam escrever e que freqüentam a igreja têm muita vontade de ler a bíblia. E em função disso eles até aprendem...”) e, em seguida, questiona diretamente os argumentos apresentados por Isaías, levando em conta elementos explícitos no material assistido (“Mas o filme mostrou outros exemplos...”)

No jogo que se estabelece entre ambos, Isaías, no esforço por sustentar sua leitura, explicita, em um discurso crivado de silenciamentos, o critério que a sustenta: em um país com um grande índice de analfabetos, a escolha do autor do documentário recai sobre a religião e, em particular, sobre uma religião não hegemônica (“porque em um país que tem

mais de 40% de analfabetos eles poderiam arrumar facilmente um exemplo qualquer aí a não ser religião...”; “é da mesma forma que se fosse espiritismo, que se fosse... eu acho que...”; “uma religião assim, no caso, como por exemplo... já existiu preconceito na escolha, entendeu.”)

Uma voz, a do ditado popular “religião é coisa que não se discute”, fala no enunciado de Isaías. Essa voz diz respeito à dualidade instaurada pelo discurso religioso entre o plano humano, temporal e a ordem espiritual, que se manifesta como fé. Como expressão da relação entre homem e Deus, a fé inscreve-se no plano a-temporal, daí não ser objeto de discussão humana, nem de explicação pela ciência dos homens.

Embora a fé seja a expressão do espiritual, é no plano das relações temporais que se distinguem os fiéis dos não fiéis, os convictos dos não convictos. Ancorada nas considerações de Gramsci a respeito da religião, Orlandi (1987) analisa que a fé se torna um dos parâmetros da exclusão, através da qual se delimita a comunidade dos evangélicos e a dos não evangélicos. O espaço em que se dá a exclusão, assinala a autora, é a Igreja: os que pertencem a ela (os que acreditam) e os que não pertencem (os que não acreditam). Nesse sentido, existe na religião, enquanto prática histórico-cultural, efeitos de sentido que afetam, de modo distinto, os grupos sociais, seja no sentido do pertencimento a uma ou outra religião, seja nos sentido dos lugares ocupados no interior de uma mesma religião.

Os efeitos da inclusão/exclusão instaurados pela religião, materializados em guerras, perseguições, interdições e desvalorização estão historicamente documentados e inscritos na memória social e discursiva dos sujeitos incluídos na civilização cristã ocidental. Esses enunciados do tempo grande, que marcam também o tempo imediato das experiências vividas pela geração de Isaías, dialogam com/em sua leitura do documentário.

Seus enunciados são uma resposta à exclusão produzida pela Igreja católica, em um país em que, apesar da liberdade de credo estar instituída juridicamente, o catolicismo assumido como religião oficial em todos os cerimoniais do Estado, naturaliza-a, contribuindo para sua legitimação e para a desqualificação dos demais credos.

Ser evangélico, em um país de hegemonia católica implica ocupar um lugar em que se experimenta a interdição de práticas e de rituais em várias instituições, entre elas a escola pública, que, embora se apresente como instituição laica, sustenta a presença naturalizada da religião católica.

Essa condição de exclusão foi documentada por Heli Sabino de Oliveira (2003) no artigo “Escola noturna e jovens: relação entre religiosidade e escolarização”, em que procura analisar processos identitários de um grupo de estudantes pentecostais de uma escola noturna de Belo Horizonte, que praticam atos religiosos no intervalo do período de aulas. Apesar da propagada laicidade da escola pública, Oliveira destaca a presença naturalizada da religião católica nesta instituição de diferentes modos: nos nomes dos estabelecimentos, na presença de símbolos, na obrigatoriedade de rezas, em diferentes festas e missas de formatura. Esta presença, às vezes velada, às vezes explícita, contribui para a legitimação do catolicismo e para a desqualificação dos demais credos.

Segundo Oliveira, isso se traduz na percepção e na postura dos professores em relação aos estudantes pentecostais. Na escola analisada, em algumas situações eles eram identificados como alunos comportados e comprometidos com o trabalho escolar. Em outros momentos, diante da oposição desses alunos frente a certas atividades e conteúdos de ensino, eles eram vistos como “alienados”, “fanáticos”, “fundamentalistas”.

Ser evangélico também tem significado, sobretudo a partir da expansão das igrejas não católicas na periferia das grandes cidades, nas últimas décadas, ocupar tanto um lugar de disputa pela hegemonia, disputa essa que tem sido materializada no plano político pela criação e expansão das bancadas evangélicas, quanto experimentar a desvalorização pública de seus princípios e práticas no âmbito da mídia e de relações sociais cotidianas –inclusive aquelas vividas na escola - , onde a figura do evangélico é muitas vezes associada à do ignorante explorado pelos superiores dessas Igrejas.

Ao inserir-me na interlocução Manuela/Isaías, acolho e afirmo a possibilidade interpretativa levantada por Isaías (“O tipo de comentário do Isaías é também pertinente, é legal”), mas também procuro explicitar quais seriam as intenções do documentário. Essas intenções que justificariam sua escolha como material de trabalho: “Eu acho que o tom do documentário todo, até o fato do título ser “Leituras de um analfabeto” é, pelo contrário... eu queria que a gente trocasse uma idéia em relação a isso, é mostrar os conhecimentos, o quanto é rica a experiência de quem não sabe ler e escrever. E de cabo a rabo do documentário acho que a idéia era essa.”

Mobilizado pela constatação de que nós, professores, descuidamos de olhar com mais atenção as formas como os nossos alunos procuram compreender os enunciados que

circulam durante as aulas (os nossos, dos colegas, de autores de textos, vozes que compõem filmes), retomei o documentário, tendo em mente os sentidos produzidos por Isaías e procurando compreender seus processos de apropriação. A cena em que Artur aparece pregando no púlpito, com a bíblia à frente, com entonação de leitura valorizada por mim e por Manuela pela destreza oratória demonstrada, é precedida pela seguinte fala do narrador:

O Artur era católico mas por causa de um sonho ele mudou de religião. Há sete anos o Artur e sua família freqüentam esta igreja duas vezes por semana. Ele largou o futebol e o dominó. Hoje sua rotina é do trabalho para casa e da casa para a igreja. Artur não sabe ler nem escrever mas desenvolveu um lado que a maioria dos analfabetos tem de sobra: a oralidade, a facilidade para o discurso de improviso.

Essa passagem chamou-me a atenção para dois pontos que podem ter se evidenciado também para Isaías. O primeiro deles é que a habilidade oratória destacada e valorizada por Manuela e por mim, como uma condição para sua escolha para compor o documentário, é apresentada, pelo narrador, não como um atributo incorporado a Artur pela religião, e sim como uma característica dos analfabetos, reafirmando a associação “evangélico/analfabeto”, destacada por Isaías.

O segundo ponto diz respeito à forma como o narrador caracteriza Artur, a qual é reafirmada na entrevista feita com ele, em sua casa, tomando café da manhã. O tom das questões e as respostas curtas e objetivas de Artur vão traçando o perfil de alguém cuja inserção na vida social estaria marcada pela restrição (“Minha vida é da casa para o trabalho e para a igreja”. “Não tenho televisão em casa”). Além disso, suas ações são definidas por critérios não-racionais (“O Artur era católico mas por causa de um sonho ele mudou de religião.”) ou mesmo por um certo radicalismo (“Ele largou o futebol e o dominó.”).

Esses elementos podem ser lidos, como de fato o foram por Isaías, como uma caracterização do personagem, feita a partir de signos marcados por uma valoração social negativa.

É a este perfil marcado por uma inserção cultural restrita, associada à condição de analfabeto, que Isaías responde, do lugar social de evangélico. Para se opor ao preconceito que lê no documentário, decorrente de uma “infeliz escolha”, Isaías lembra que existem

milhares de evangélicos que viajaram por muitos países, “conhecem meio mundo” e fizeram faculdade e pós-graduação na Europa. Aproximação com o mundo das letras e com a escola, historicamente o lugar, por excelência, da passagem da condição de não-letrado para letrado. Ele não questiona a inferiorização como atributo intrínseco ao analfabeto, mas parte desse pressuposto e se vale de índices de superação da condição de analfabeto- ignorante para questionar o que julga ser uma generalização preconceituosa e para redimensionar o lugar atribuído aos evangélicos em muitas das relações sociais vividas.

A partir desta perspectiva, os sentidos produzidos pelo aluno – sustentados na idéia