2.1 COOPERAÇÃO
2.1.1 Tragédia dos Comuns
O conceito da "Tragédia dos Comuns" foi introduzido por Hardin em 1968,
mas esse cenário foi esboçado pela primeira vez em 1833 num panfleto pouco
conhecido, por um amador matemático chamado William Forster Lloyd
(1794-1852). O autor considera que em um pasto aberto a todos é de se esperar que
cada vaqueiro tentará manter tanto gado quanto possível. Tal arranjo pode
funcionar de forma razoavelmente satisfatória durante séculos porque as
guerras tribais, a caça furtiva e a doença mantem o número de homens e
animais abaixo da capacidade de suporte da terra. Porém, chegará um dia em
que o objetivo desejado de estabilidade social torna-se uma realidade. Neste
ponto, a lógica inerente dos comuns deverá gerar tragédia (HARDIN, 1968).
Hardin (1968) afirma que, como um ser racional, cada vaqueiro procura
maximizar o seu ganho. Explícita ou implicitamente, mais ou menos
conscientemente, ele pergunta: "Qual é a utilidade para mim de adicionar mais
um animal para o meu rebanho?" Este utilitário tem um componente negativo e
um positivo:
1) O componente positivo é uma função do incremento de um animal. Desde que o pastor receba todos os rendimentos da venda do animal adicional, o utilitário positivo é +1.
2) A componente negativa é uma função do excesso de pastoreio adicional criado por mais um animal. Como, no entanto, os efeitos do excesso de pastoreio são compartilhados por todos os pastores, o utilitário negativo para qualquer pastor de decisão em particular é apenas uma fração de -1 (HARDIN, 1968, p.3, tradução nossa).
Segundo Hardin (1968), somando-se os aspectos positivos e negativos, o
vaqueiro racional conclui que o único caminho sensato para ele avançar é
acrescentar outro animal à sua manada, e outro, e outro.... Esta é a conclusão
à qual deve chegar cada vaqueiro racional. Aí está a tragédia, cada homem
está preso a um sistema que o leva a aumentar seu rebanho sem limite, em
um mundo que é limitado. O esgotamento dos recursos é o destino para o qual
todos os homens correm, cada um perseguindo seu próprio interesse, em uma
sociedade que acredita na liberdade de uso de bens comuns. Na conclusão de
Hardin, a liberdade de uso de um bem comum traz ruína para todos.
A expressão reflete a degradação que se pode esperar quando muitos
indivíduos usam recursos escassos. Por exemplo, os indivíduos utilizam um
bem comum, limitado e que apresenta custos envolvidos, como a água em um
condomínio, que é igualmente dividida por todos os apartamentos. De acordo
com a "Tragédia dos Comuns", a utilização da água por morador tende a ser
superior ao nível econômico ótimo de utilização. Esse conceito auxilia no
entendimento do comportamento dos indivíduos perante os recursos e bens
comuns, o que é relevante para entender o comportamento dos indivíduos nas
ações coletivas (HARDIN, 1968).
Hardin (1968) cunhou o termo para se referir às situações em que cada
indivíduo, no caso de um bem comum, tenta, de forma independente,
maximizar o ganho sobre o recurso de acesso comum. Na aquisição desse tipo
de recurso, um indivíduo se apropria exclusivamente de cada unidade
adicional de utilidade positiva, mas a utilidade negativa associada com a
remoção do recurso é compartilhada entre todos os indivíduos. Para o
indivíduo, o utilitário positivo de apropriação do recurso quase sempre supera a
utilidade negativa de reduzir o recurso, que é dividida por todos. Assim,
quando os indivíduos operam independentemente, adquirindo mais e mais do
recurso, eles maximizam sua utilidade, dando origem à ‘tragédia'.
Hardin (1968) considera que a lógica dos bens comuns tem sido
entendida por um longo tempo, talvez desde a descoberta da agricultura ou a
invenção da propriedade privada. O autor cita pecuaristas que arrendam terras
públicas e continuam a pressionar constantemente as autoridades para poder
aumentar a contagem de cabeças em lugares onde o excesso de pastoreio
produz erosão e onde há claro esgotamento das pastagens.
Da mesma forma, Hardin (1968) afirma que os oceanos continuam a
sofrer com a sobrevivência da tragédia dos comuns. Nações marítimas ainda
respondem automaticamente ao mito da "liberdade dos mares" e continuam a
acreditar nos "recursos inesgotáveis dos oceanos", que trazem espécies após
espécies de peixes e baleias cada vez mais perto da extinção.
A tragédia dos comuns baseia-se no uso de um tipo específico de bem, o
bem comum. Para uma definição rigorosa desse tipo de bem, não basta o livre
acesso ao bem, pois, se fosse suficiente não haveria diferença entre bem
comum e bem público. Enquanto um bem público caracteriza-se por
apresentar um consumo não-rival e não-excludente, o bem comum é
caracterizado por apresentar um consumo não-excludente, embora rival
(Quadro 1). Isto quer dizer que o consumo de um bem comum por um agente
não impede que outro venha a fazê-lo. Porém, ao consumir um bem comum,
um agente diminui a quantidade disponível, ou o benefício decorrente da
quantidade consumida do bem para o outro(OSTROM, 2009).
O consumo do bem por um agente que visa maximizar seu resultado
individual gera uma “utilidade negativa” àqueles que também fazem uso
comum do bem. Como resultado, todos os agentes que utilizam o recurso
acabam por levar a um resultado social negativo, que pode ser dividido em
duas partes. O primeiro seria o “sobre uso” do recurso, do qual deriva a sua
exaustão ou degradação, ou ainda, a poluição excessiva. O segundo seria que
a utilidade marginal do consumo, ou sua produtividade marginal, tende à zero
(DINIZ; ARRAES, 2001).
Os problemas da tragédia dos comuns vêm da falta de cooperação entre
indivíduos, ela mesma ligada ao tipo de bem objeto dessa cooperação. Paul
Samuelson (1954) dividiu os bens em dois tipos: os privados puros e os
públicos. Pelo fato de serem excludentes, considerou que o indivíduo pode ser
excluído do consumo de bens privados, a menos que pague. Quanto ao fato
de serem rivais, destacou que se o indivíduo consome o bem, ninguém mais
pode consumi-lo. Ao tratar dos bens públicos, caracterizou-os como não
excludentes, ou seja, é impossível de impedir aqueles que não pagaram por
um bem de consumi-lo. Eles são também não competitivos, pois o que
consome um indivíduo não limita o consumo dos outros. Nesse caso a tragédia
dos comuns não ocorre, pois não existe esgotamento dos recursos. Esta
divisão básica era consistente com a dicotomia do mundo institucional entre
mercado e propriedade estatal. Os indivíduos eram vistos principalmente como
consumidores ou eleitores (OSTROM, 2009).
Buchanan (1965) acrescentou um terceiro tipo de bem, os "bens de
clube." Esse tipo de bem está relacionado a grupos de indivíduos que criam
associações privadas (clubes) para produtos e serviços que eles podem
desfrutar enquanto excluem os não membros da participação e do consumo.
Nesse caso, como nos bens privados, existe a possibilidade de excluir os que
não cooperam ou não seguem as regras estabelecidas.
Ostrom (2009) propõe modificações adicionais para a classificação dos
bens (Quadro 01). Ela substituiu o termo "rivalidade de consumo" por
"subtrabilidade de uso", junto com a possibilidade de exclusão, além de
considerar os níveis de baixa a alta para essas variáveis, em vez de
caracterizá-los como presentes ou ausentes. Ostrom (2009) acrescentou os
bens ou recursos de acesso comum, os quais compartilham os atributos de
subtrabilidade com bens privados e dificuldade de exclusão com bens públicos.
A autora alterou também o nome de bens de "clube" para bens de "pedágio"
(OSTROM, 2009).
Subtrabilidade de Uso Alta Baixa Dificuldade de excluir potenciais beneficiários Alta Recursos de acesso comum: bacias de águassubterrâneas, lagos,
sistemas de irrigação,
pesca, florestas, etc.
Os bens públicos: a paz e a
segurança de uma
comunidade, a defesa
nacional, conhecimento,
proteção contra incêndio, as previsões meteorológicas, etc. Baixa
Bens privados:
alimentação, vestuário,
automóveis, etc.
Bens de pedágio: teatros, clubes privados, creches Quadro 01: Diferentes tipos de bense suas características
Fonte: Ostrom (2009, p. 01), tradução nossa