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ASPECTOS HISTÓRICOS DAS TRADIÇÕES AYAHUASQUEIRAS

1.11 Trajetória de Mestre Antônio Geraldo

Antônio Geraldo da Silva iniciou sua trajetória dirigindo a missão de Daniel Pereira de Mattos em 20 de janeiro de 1959, assumindo o compromisso de permanecer dez anos sem se ausentar das proximidades da comunidade. Este momento histórico foi o mesmo de Mestre Irineu, marcado pelas perseguições. Antônio Geraldo Filho conta que um irmão denunciou a missão ao juiz, que chegou à igreja às 22 horas e foi prontamente recebido por seu pai. Era evidente que o juiz havia sido influenciado pelas pessoas que eram contra a missão. Nessa ocasião, Mestre Antônio Geraldo foi intimado a depor em fórum.

Na data marcada, ele compareceu acompanhado por alguns irmãos. Primeiramente, pediu explicações para entender as causas daquela ocorrência. O juiz era Lourival Marques de Oliveira. Na ocasião, Mestre Antônio Geraldo fez uma penitência de dez dias sem se alimentar. Intimado novamente, compareceu à presença do juiz que lhe ordenou que abrisse a igreja novamente, ao que ele respondeu ―que não ia abrir, porque não tinha sido ele quem

80 Halbwachs (1990) mostra que, muitas vezes, lembrar é refazer, reconstruir, repensar com as ideias de hoje a experiência do passado, diferentemente de um simples reviver. Lembrar o passado no presente indica a diferença em termos de concepção. O texto ressalta a lembrança como uma imagem construída pelas imagens que temos agora, na nossa realidade, no conjunto de representações que temos e que fazem parte da nossa consciência atual. Para Bosi (1979), não existe uma percepção que não esteja impregnada de lembranças.

tinha fechado‖, e continuou na mesma penitência. Então o juiz deu ordens para o advogado abrir a capela, e o advogado disse: ―Agora você tem que registrar o centro para trabalhar legalizado‖. Antônio Geraldo cumpriu a ordem e registrou o ―Centro Espírita de Culto e Oração Casa de Jesus Fonte de Luz‖, que ainda não era registrado, e continua registrado até hoje com o mesmo nome. Conforme Antônio Geraldo Filho:

Na verdade, nem o terreno era oficialmente da comunidade, tudo era do Antão…finado Julião era quem tinha dado permissão para o mestre Daniel fazer sua casa lá, e lá ele criou a missão. Mas com o tempo que Antônio Geraldo tinha permanecido no terreno onde é localizado o centro espírita de culto e oração, juntamente com o templo de Daniel, dava o direito de posse.

Então ele providenciou os documentos necessários para tirar o título do terreno. Ele pagou o aforamento atrasado e pegou o título de enfiteuse.

Quando o Antão viu o negócio, aí se danou, fez confusão pelo terreno. Mas o governador do estado da época, que era o Jorge Kalume, comprou do Antão por vinte mil a área de terra. Daniel trabalhou muito para a construção do Centro, mas ele só veio entrar na igreja, na época uma capelinha pequena, quando já tinha falecido, em 8 de setembro de 1958, aproximadamente às 18 horas. A capela já estava construída, já estava com teto feito, não tinha janela, não tinha altar, mas já estava coberta. E colocaram seu corpo lá dentro para homenageá-lo (Cf. biografia de Antônio Geraldo da Silva Filho).

A partir do momento em que Antônio Geraldo assumiu o comando da missão, deu-se prosseguimento à construção da capela. Conforme o autor de sua biografia, ele era guiado pelas instruções que recebia espiritualmente ―do fundador Mestre Daniel e de toda a falange de espíritos iluminados que compõe esta missão‖. Foi dentro destas comunicações espirituais que ele recebeu o fardamento e sua respectiva simbologia. Naquele período inicial, após a passagem de Mestre Daniel em 1958, ainda não havia o cruzeiro, e nem o parque de danças espirituais conhecido como bailado. Esses trabalhos da missão foram implantados e ampliados por Antônio Geraldo ―conforme as orientações superiores que recebia, e a capela se transformou num grande templo, mas isso não seria possível sem a ajuda dos irmãos que o acompanhavam.‖ Ainda segundo a biografia,

Neste período, com ajuda do irmão Manuel Hipólito de Araújo, formou a diretoria na qual o próprio e competente irmão Manuel ocupou a vice-presidência. Antônio Geraldo seguiu sua caminhada junto com a irmandade até cumprir os dez primeiros anos de compromissos com a missão. Depois que completou 10 anos, ele pensou… Agora eu posso ficar ou posso sair, porque o compromisso que tinha era cumprir 10 anos, então em assembleia geral ele colocou à disposição da diretoria e de toda irmandade o cargo de presidente do centro. É importante relatar que ele colocou à disposição o cargo de presidente do centro, e não a missão em si, pois ele foi o escolhido pela Virgem Santíssima e Frei Daniel a ser o aparelho para receber as orientações superiores e assim seguir no comando da missão, mostrando para as pessoas a veracidade desta sublime missão. Mas como nenhum irmão quis assumir a presidência, então ele assumiu mais 10 anos, mas desta vez com a seguinte condição; que ele poderia sair para visitar amigos, isto

pelo fato de que nos 10 primeiros anos de compromisso com a missão ele não tinha essa liberdade, pois o tempo dele era inteiramente ligado ao seu compromisso (Ibid.).

De acordo com Mestre Antônio Geraldo Filho, como também se tornou conhecido, seu pai cumpriu mais dez anos do tempo acordado e completaria mais vinte anos se não fosse pelo fato de que, por motivo de viagem a sua terra natal, precisou se ausentar por alguns dias da comunidade81. Segundo sua biografia, ele fez uma viagem em 27 de abril de 1977, ficando no comando do centro o vice- presidente na época, Manuel Hipólito de Araújo. Ao retornar, ocorreu que:

Chegando aqui, por força do destino ou providência divina, se pode se dizer assim, ele, juntamente com sua família, se desligou do centro espírita de culto e oração Casa de Jesus Fonte de Luz, onde ficou na presidência o irmão Manuel Hipólito de Araújo que já estava prosseguindo no comando do centro (Ibid).

Até então, o campo tradicional tinha apenas dois grupos, o CICLU, comandado por Mestre Irineu e o Centro Espírita de Culto e Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, comandado por Antônio Geraldo da Silva, que ali permaneceu de 20 de janeiro de 1959 a 27 de abril de 1977 (18 anos e quatro meses). Boa parte de sua caminhada com a missão (―que recebeu da Virgem Santíssima, dada a ele por Daniel Pereira de Matos‖) foi junto com Raimundo Irineu Serra, falecido em 1971.

1.11.1 Primórdios do Centro Espírita Daniel Pereira de Matos

Após seu desligamento do Centro Espírita de Culto e Oração, Mestre Antônio Geraldo inicia uma nova trajetória. Ocorre uma nova configuração quando, a partir desse momento, Mestre Antônio Geraldo abre seus trabalhos dentro de sua casa juntamente com a família e alguns irmãos que o acompanharam. Esse novo local continuou com as Santas Missões (forma como os praticantes se referem a seus trabalhos espirituais). Antônio Geraldo Filho narra que aí ele prestou contas de outros dez anos, completando assim vinte anos de

―compromisso assumido‖. Nos trabalhos da Barquinha, fala-se da ―prestação de contas‖, que todos havemos de fazer perante o Criador (Cf. Salmo de Mestre Daniel ―Castelo do monte azulado‖). Conforme Antônio Geraldo Filho, após concluir seu segundo compromisso ele

―perguntou à esposa e aos filhos se queriam continuar com ele cumprindo a missão que recebeu; caso contrário, iria cumprir a missão em outro lugar, pois não podia abandonar a

81 Foi o momento em que Antônio Geraldo retornou a suas raízes, visitou sua terra natal, irmãos, parentes e muitos amigos.

responsabilidade que a ele foi confiada por Deus‖ (Ibid.). Apresentando as suas convicções de fé, a resposta da família foi positiva, conjuntamente com o apoio de alguns irmãos que o seguiam. Nas palavras de Antônio Geraldo Filho:

[…] daí então com muito sacrifício, a sua família e esses irmãos que confiaram em Daniel Pereira de Matos e acreditaram na pessoa de Antônio Geraldo da Silva seguiram com ele cumprindo a missão que Daniel iniciou.

E dentro dos três mistérios, Pai, Filho e Espírito Santo, Antônio Geraldo firmou seu terceiro compromisso com a missão que Daniel Pereira de Matos deixou para ele cumprir junto com os irmãos, e assim, para prosseguir com sua missão, ele fundou o centro espírita casa de oração, com o nome de Daniel Pereira de Matos em homenagem ao fundador desta linda missão.

Antônio Geraldo assumiu seu compromisso definitivo no dia 20 de janeiro de 1979, quando fundou este Centro e comandou esta embarcação durante 20 anos e sete meses. Durante este tempo, recebeu mais de 200 instruções escritas e gravadas, 320 hinos salmos que são cantados no templo e 720 hinos pontos que são os cantados no parque de danças espirituais. No decorrer desses anos, foi espiritualmente condecorado como mestre e conselheiro, quando na ocasião passou a presidência do centro ao seu atual sucessor Antônio Geraldo da Silva Filho que no momento certo assumiu o comando do Barco, se tornando oficialmente o segundo sucessor dessa sublime missão fundada por Daniel Pereira de Matos‖ (Cf. biografia por Antonio Geraldo Filho).

Consideramos que a figuração que forma a Barquinha é perpassada por diferentes processos, entre eles o próprio desenraizamento causado por deslocamentos físicos e/ou emocionais. Antônio Geraldo da Silva dedicou 45 anos de sua vida à missão e aos irmãos.

Conforme narrativa de seu filho, ―ele se entregou de corpo e alma sem visar lucros financeiros ou vantagens materiais, o que fez dele um verdadeiro irmão amigo, que veio de tão longe cumprir uma missão de amor que iniciou aos 34 anos de idade‖ (Ibid.). Veio a falecer aos 78 anos, ―renascendo no mundo dos espíritos iluminados no dia 28 de julho do ano 2000, e nos deixando muitas saudades, grandes conselhos e ensinamentos, além dos exemplos de coragem, firmeza, amor e caridade‖ (Ibid.). A trajetória de vida de Antônio Geraldo da Silva foi marcada pelos inúmeros desafios daquele momento histórico. Houve cismas e tensões entre os grupos em torno da questão de nomear qual o centro seria o mais tradicional. Nesse caso, podemos entender que a tensão existente é geracional.

1.12 A figuração do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal: breve histórico de