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Capítulo IV: Metodologia

3. Transcrição das interações

Todas as aulas que compõem nosso corpus de análise foram assistidas em sua totalidade e os trechos relevantes foram selecionados. Como discutido acima, o nosso objeto de análise são os prefixos verbais separáveis e inseparáveis über, unter, durch e um. Assim, os trechos das aulas selecionados para transcrição e análise foram aqueles cujo ponto central da discussão é a

40 Pa ra mais detalhes sobre os procedimentos de coleta de dados das aulas filmadas em 2014, ver Barbosa (2015). 41 Anexo I (FANDRYCH, 2012, p. 124).

explicação do significado e uso de verbos que trazem esses prefixos. Após a seleção dos trechos, eles foram transcritos com base no sistema de convenções GAT 2 (GesprächsAnalytisches

Transkriptionssystem). Esse é a segunda versão de um sistema de transcrição de dados

audiovisuais desenvolvido na Alemanha, o qual oferece um modelo de notação de elementos linguísticos simples e legível para linguistas e leigos (SELTING et al., 2011; SCHRÖDER et

al., 2016). O GAT2 possui três níveis de notação: mínimo, básico e refinado. O nível mínimo

é recomendado para transcrições em que apenas o conteúdo verbal seja relevante para análise. Já os níveis básico e refinado permitem expandir a transcrição mínima e inserir elementos prosódicos e visuais para análises linguísticas detalhadas. A tabela 04 mostra as convenções de transcrição GAT 2 utilizadas em nossas transcrições. Em nossa pesquisa, optamos pelo nível básico de transcrição, o que nos permitirá realizar também uma análise integrada de elementos verbais, prosódicos e visuais. Esse sistema de transcrição de fala é sugerido pelo Sistema de Anotação Linguística do Gesto (LASG) que adotamos em nossa pesquisa, como discutiremos mais adiante.

Para a transcrição básica foi utilizado o software EXMARaLDA, cujas ferramentas já estão adaptadas aos padrões GAT 2. Essa metodologia de transcrição está em conformidade com o padrão do Núcleo de Estudos de Comunicação (Inter-)Cultural em Interação (NUCOI), dentro do qual essa pesquisa vem sendo desenvolvida. Entretanto, o sistema GAT 2 e o software EXMARaLDA permitem apenas uma transcrição breve de elementos não verbais, como direção do olhar, sorrisos, movimentos de cabeça etc., bem como uma descrição gestual simplificada. Portanto, nessa fase foram anotados apenas alguns elementos visuais considerados típicos da interação em sala de aula, como escrever no quadro, apontar para outro participante ou objeto etc.

Tabela 04 – convenções de transcrição GAT 2 utilizadas em nossas transcrições Sequência estrutural

[ ] sobreposição e fa la simultânea

: a longamento, de aprox. 0,2-0,5 seg.

:: a longamento, de aprox. 0,5-0,8 seg.

::: a longamento, de aprox. 0,8-1,0 seg.

Inspirações e expirações

ºh/hº ins-/expiração de aprox. 0,2-0,5 seg de duração ºhh/hhº ins-/expiração de aprox. 0,5-0,8 seg de duração ºhhh/hhhº ins-/expiração de aprox. 0,8-1,0 seg de duração

Pausas

(.) micro pa usa estimada em até 0,2 seg de duração aprox. (-) pa usa curta estimada em aprox. 0,2 – 0,5 seg de duração (--) pa usa intermediária estimada em a prox. 0,5 – 0,8 seg de duração (---) pa usa longa estimada em a prox. 0,8 – 1,0 seg de duração (0.5)/(2.0) pa usa mensurada em a prox. 0,5/2,0 seg de duração (a té o décimo de

segundo)

Acentuação

SÍlaba a cento focal

!SÍ!laba a cento focal extraforte

Movimentos entonacionais no final das unidades entonacionais

? a lto a scendente , a scendente nivela do ; descendente . ba ixo descendente Continuadores

hm, mm, sim, é pa rtículas monossilábicas

hm_hm, aham pa rtículas bissilá bicas

ʔhmʔhm com fechamento glotal, frequentemente para negação

Outras convenções

((tosse)) a ções e eventos vocais nã o verbais <<tossindo> > descriçã o com indicação de escopo <<surpreso> > comentário interpretativo com indicação de escopo

( ) trecho incompreensível

(xxx), (xxx xxx) uma ou duas síla bas incompreensíveis

(posso) termo presumido

(posso/passo a falar) possíveis a lternativas ((incompreensível,

aprox. 3 seg)) trecho incompreensível com indicação de duração

Figura 20 - exemplo de transcrição no software EXMARaLDA

Como nosso foco de análise é a relação gesto-fala, uma segunda triagem foi feita dentre os trechos pré-selecionados. Nesse segundo momento, selecionamos aqueles trechos em que os gestos constituíram um elemento interacional importante para a explicação e entendimento dos verbos estudados durante as aulas. Em seguida, organizamos esses verbos dentro da escala conceitual de Danesi (2017, p. 36), já discutida acima. Essa categorização da metaforicidade do verbo é importante para a análise da relação gesto-fala, como veremos adiante.

Para determinarmos a metaforicidade do verbo, usamos como referência o MIP, conjunto de procedimentos para identificação de metáfora no discurso desenvolvido por um grupo de pesquisadores da metáfora (Pragglejaz Group, 2007). Assim, nossa versão do MIP geraram os seguintes critérios para a definição do grau da metaforicidade (ou não) do verbo:

1) Transcrever todo o trecho em que o verbo foi discutido;

2) Localizar a sentença que serve de exemplo para explicação do verbo (contexto local de uso);

3) Estabelecer o significado do verbo nesse contexto local;

4) Determinar se o verbo possui um significado mais básico além daquele do contexto local. Por significados básicos entendemos:

a) sentido concreto, principalmente relacionado ao deslocamento de entidades, movimentação corporal etc.

5) Se houver significado mais básico para o verbo (além daquele no contexto local), decidir se o significado discutido em aula se difere desse mais básico, mas ainda podendo ser entendido em comparação a ele;

6) Se sim, marcar o verbo como metafórico;

Até o passo 6) seguimos as propostas do MIP. Entretanto, nós trabalhamos com uma escala de metaforicidade, isso é, precisamos a partir daqui de um procedimento para decidir não apenas se o verbo é metafórico ou literal, mas sim qual o grau de metaforicidade dele. A escala de Danesi (2017) varia de 0 (literal) a 1 (metafórico). Portanto, decidimos que um verbo só é básico ou concreto se for classificado como zero. Sendo assim, qualquer posição acima da escala é considerada algum grau de metaforicidade. Posicionamos os verbos ao longo da escala seguindo os seguintes critérios:

7) Posicionar o verbo mais distante de 1 na escala, caso seu significado ainda puder ser associado em algum grau ao esquema central do prefixo ou à ação concreta sugerida pela raiz do verbo.

8) Posicionar o verbo mais perto de 1, ou em 1, na escala, caso seu significado se distanciar muito da ação concreta sugerida pela raiz verbal.

Para a determinação dos significados dos verbos, utilizamos o Dicionário Digital da Língua Alemã (DWDS),42 que além de significados fornece uma rede semântica da palavra. Essa rede semântica foi muito útil para a determinação do grau de metaforicidade. Por exemplo, o verbo

überholen, discutido em quatro aulas, foi posicionado mais ao centro da escala, pois, apesar de

ainda puder ser associado a uma ação concreta de deslocamento (ultrapassar um carro), consideramos que a raiz “holen” nesse contexto local de uso não sugere a ação concreta de “pegar”. O motorista (ou o carro) não pega o carro da frente, mas sim a posição que esse carro ocupa. Assim, ele foi considerado como tendo um baixo grau de metaforicidade. Entretanto, esse exemplo não foi posicionado ao final da escala como sendo muito metafórico, pois esse mesmo verbo pode ser usado em outros contextos tendo ali um significado mais metafórico como, por exemplo, In der industriellen Produktion hat dieses Land seine Nachbarn (weit)

42 DWDS – Digitales Wörterbuch der deutschen Sprache. Academia da Ciência de Berlin-Brandenburg (ed.). Disponível em: https://www.dwds.de/

überholt (Na produção industrial, este país ultrapassou (de longe) seus vizinhos ).43 Nesse contexto, não há uma ação concreta que deslocamento (países não se deslocam), portanto, a ultrapassagem de países num ranque de produção industrial é mais metafórica que a ultrapassagem de veículos em uma via. Assim, nossa classificação da metaforicidade considera, como sugere o MIP, o contexto local de uso do verbo, isto é, o exemplo que foi de fato discutido na aula. Chegamos, então, a uma escala conceitual contendo 12 verbos, sendo que:

▪ quatro verbos foram considerados concretos, pois esses verbos denotam um deslocamento concreto expresso pela raiz verbal e acrescido da direção do trajeto expressa pelo prefixo;

▪ dois verbos foram considerados pouco metafóricos, pois esses verbos sugerem uma ação diferente da expressa pela raiz verbal;

▪ dois verbos foram considerados relativamente metafóricos, pois a ação expressa pela raiz não é um movimento e, portanto, os prefixos assumem um caráter mais abstrato (não direcional);

▪ e quatro verbos foram considerados muito metafóricos, pois expressam ideias abstratas.

Os verbos estão distribuídos na escala, conforme a Figura 21:

Figura 21 - escala conceitual dos verbos selecionados para análise gestual, com base em Danesi (2017).

Após e segunda seleção dos exemplos e sua classificação quanto ao grau de metaforicidade, passamos para a anotação e análise mais detalhada dos gestos que se ref erem

diretamente à negociação de sentidos desses exemplos. Para isso, adotamos métodos e ferramentas específicos para análise da relação gesto-fala, como mostraremos a seguir.