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Transcrições das entrevistas aos professores de FM

Professor de Formação Musical 1

E: Queria só referir que esta entrevista é para o meu Mestrado, que preciso da sua autorização para gravar e, também acrescentar, que é confidencial. O seu nome não vai aparecer em nenhum lado. A primeira coisa que eu gostava de saber era um bocadinho da sua experiência docente: há quanto tempo dá aulas e que disciplinas?

Pfm1: Eu dou aulas há muitos anos. Comecei como professora de Educação Musical, Expressão Musical também, já dei aulas em AEC's, em bairros muito problemáticos, a crianças desde os 3 anos de idade e, aí, dei aulas abertas para pais e filhos (…) Nessas aulas todo o trabalho é feito de forma a que os filhos sejam colegas dos pais e aprendam um com o outro; todas as atividades são feitas a par, mesmo os tpc, para que se um falhar, não funcione. E normalmente os filhos dizem que não fizeram porque o pai não fez. Acho que funciona lindamente.

E: Parece interessante.

Pfm1: No início os pais estranham o porquê de não poderem deixar os filhos e ir às compras, ou fazer outra coisa qualquer, mas é obrigatório mesmo; a aula só funciona se o filho estiver com alguém adulto, senão não pode estar, a atividade não funciona. Ele sente-se sozinho, por ser largado ali, e precisa mesmo do apoio do pai ou da mãe, alguém que o acompanhe. Às vezes vêm as avós, porque estão mais com eles durante a semana. Muitas vezes vem o avô e diz que na semana seguinte a esposa não pode vir, então vem saber como é o TPC para a semana ser ele a fazer com o neto.

E: É engraçado, eles já têm essa preocupação.

Pfm1: Sim, a preocupação de assistir à aula porque para a semana vão substituir a avó. (…) Em relação a Formação Musical, eu sou apologista de aulas abertas. Já dei algumas, não dou muito porque não há ainda muita abertura das instituições (…), ainda têm algumas reticências, se funciona ou não funciona, e ainda querem saber um bocadinho [do que se passa] e assistir à aula para ver se não se está a dizer nada fora do contexto. Mas pronto, por exemplo, no ano passado fiz numa turma que não era minha no ano anterior e o objetivo foi perceberem a minha linguagem, como eu funciono. Porque os

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alunos foram para casa a estranhar a minha forma de trabalharam que era muito diferente do professor anterior. E essa aula serviu para elucidar a linguagem, para haver uma ligação mais estreita entre a minha linguagem e a compreensão das crianças, porque eles sentiram muita diferença na mudança de professores.

E: Em que sentido?

Pfm1: Na metodologia. Os conteúdos eram praticamente os mesmos - claro, nós vamos acumulando - mas a forma como eu trabalhava, as estratégias para cada conteúdo, era diferente. (…) eles estavam habituados, por exemplo, a ouvir e escrever repetidamente, e não passava para o cérebro; era do ouvido para a caneta. [Eu dizia:] “Esqueçam os lápis. Agora tentem ouvir primeiro o ritmo, o que estão a sentir, que células estão a visualizar mentalmente, o que estão a ouvir e, só depois, escrever o ritmo. Agora esqueçam o ritmo, pensem no encadeamento melódico. Conseguiram escrever na cabeça o que ouviram? Então agora vão passar para o papel”. Essa fase custou muito, então tive de chamar os pais; eles não estavam a entender, tiravam notas muito baixas, porque eu era muito má, dura, exigente. Tive de explicar aos pais porque fazia assim e não usava o método do antigo professor. Não que o professor não tivesse resultados, mas assim eles não adquiriam competências de memorização e de retenção de conhecimentos.

E: Exato.

Pfm1: E é isso que eu procuro, reter conhecimentos, para depois quando eles precisarem, utilizarem. (…) Escrever é, no fundo, exteriorizar o que estás a ouvir. É uma forma de nós conseguirmos visualizar; escrever é uma avaliação. (…)

E: E essa aula aberta foi para explicar aos pais?

Pfm1: Sim, explicar aos pais. Depois simulei a aula e eles realmente viram: fiz uma vez ouvir-escrever, repetidamente, duas notas de cada vez, porque pediam sempre para parar. E: Pois, aos bocadinhos.

Pfm1: E os próprios pais começaram a perceber que apesar de ser mais difícil no início, (…) fazia mais sentido a forma como eu estava a trabalhar, porque realmente iriam adquirir mais competências, que era o que eu queria. Mas eu tive de explicar tudo direitinho, o tipo de competências que eles iriam adquirir e o que iam levar até para outras

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disciplinas ou para a vida deles. É nós conseguirmos ler uma frase, interiorizá-la e, depois, escrevê-la, porque senão estamos só a copiar palavra a palavra e não a entender a frase. E então a minha ideia é trabalhar sempre com frase, sempre com música.

E: E os pais perceberam?

Pfm1: Perceberam e, a partir daí, não tive mais problemas nenhuns. Podia pedir o que quisesse que eles confiavam no meu trabalho, porque viram que dava resultado.

E: Ok.

Pfm1: Acho que as aulas abertas são uma mais valia para os professores. Sei que há professores que têm receio de ter os pais na sala de aula, porque se sentem inseguros. Mas até com as falhas (…), nós temos de saber dar a volta, temos de lidar com a falha de uma forma muito natural. E é também esse lado mais humano que nós damos aos pais que faz com que eles fiquem a admirar-nos mais e a conhecer-nos melhor; nós estamos preocupados com os filhos, preocupados para que eles adquiram conhecimento, que não estejam lá simplesmente só a passar o tempo. Aí eles começam a respeitar-nos mais, se houver essa ligação, esse olhar; porque por e-mails/sms/telefone não resulta tão bem. (…) E: Exato.

Pfm1: (…) A minha ideia não é que eles ensinem os filhos. Os pais sentem-se impotentes porque não conseguem ensinar Música, mas conseguem ensinar Matemática e Português. (…) Os miúdos cada vez têm menos tempo para se descobrirem, têm tudo feito; vão para as explicações e os explicadores explicam como se faz; os centros de apoio explicam e fazem os TPC. Ele [o aluno] está formatado para obedecer, não para pensar, para a criatividade, para o vazio ("E agora, como é que eu me desenrasco?"). (…) O que quero é que motivem os filhos para a Música, não que me substituam, e a motivação vem também de adquirirem algum conhecimento (…).

E: Então essa aula aberta que tinha falado, e que os pais aderiram - já não teve mais problemas com os pais, não é?

Pfm1: Não.

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Pfm1: Passou. Eles entenderam que não havia volta, que iam ter de aprender como a professora diz, porque se calhar ela tem razão. O pai também acha e convenceu-se, e eu vou ter de me convencer porque a professora não vai mudar.

(…)

E: Fez as aulas abertas de forma esporádica então? Nesse ano fez uma. Pfm1: Não, fiz duas.

E: E eram as duas em que ia explicando?

Pfm1: Sim, expliquei, simulei aulas e fiz também para pais e filhos (…). Estavam todos e simulei atividades para grupo, para ambos trabalharem, para o pai perceber o quão difícil é, porque às vezes exigem coisas que não fazem sentido. Porque, por exemplo, o ouvido não se educa de um dia para o outro. É preciso trabalhar muito bem a afinação, muito tempo mesmo - não é um mês e pensarem que já conseguem fazer tudo. (…) Havia coisas mais simples que os filhos conseguiam e eles [os pais] não. Eles começaram a ver que os filhos faziam mais do que eles. Havia algo ali que os pais tinham de ponderar enquanto exigiam, porque há coisas que se vão adquirindo com o tempo. E então no 1º grau, que é o inicio, se eu não consigo o meu filho também tem todo o direito de ir conseguindo e não ter de conseguir já. E então isso foi muito interessante.

E: Experimentar e passarem por lá.

Pfm1: Experienciarem e perceberem que afinal isto não é o que a gente pensa. E: Além dessa turma, fez noutras?

Pfm1: Sim, no 3º grau. E: O objetivo foi semelhante?

Pfm1: O objetivo é sempre motivar os pais a motivarem os alunos, porque muitas vezes eles estão desanimados por não entenderem muito bem determinada forma, por exemplo o ciclo das 5as (…) ou então escalas. (…) quando forem trabalhar as escalas [os pais podem dizer] “Então não te lembras daquilo?”.