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Transformações culturais, inovações na acessibilidade e no consumo

S EG MENTOS INDUSTRIAIS N ÚMERO

2.3 Transformações culturais, inovações na acessibilidade e no consumo

O período-chave para entender as transformações na região, desde meados da década de 1960, contudo mais visível nas estatísticas entre 1970 e 1980, consiste igualmente num marco temporal para mudanças culturais110 que, se não são universais, atingem áreas em diversos pontos do mundo. As decorrências são semelhantes onde houve avanço das forças produtivas capitalistas, especialmente, onde se instalaram processos de modernização da agricultura.

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Em outra obra, Santos (1996a, p. 93 e 101) volta a ressaltar a idéia de totalidade, idéia segundo a qual, afirma o autor, “ [...] todas as coisas presentes no universo formam uma unidade. Cada coisa nada mais é que parte da unidade, do todo, mas a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que formam a totalidade não bastam para explicá- la. Ao contrário, é a totalidade que explica as partes” e num outro excerto “ O desenvolvimento desigual e combinado é, pois, uma ordem, cuja inteligência é apenas possível mediante o processo de totalização, isto é, o processo de transformação de uma totalidade em outra totalidade”.

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Adota-se uma noção ampla de cultura, baseada na materialidade e condição de vida. Conforme entende Villoro (1999), ela consiste num conjunto de relações possíveis entre certos sujeitos e seu mundo circundante, com crenças comuns e valorações compartilhadas, comportamentos, costumes e regras de conduta parecidas. Essas disposições situam-se num meio concreto, constituído por uma rede de objetos (artefatos, obras de consumo e de desfrute), de estruturas de relação conforme as regras (instituições, rituais, jogos), animado por um sistema significativo comum (língua, mito, formas artísticas).

Conquanto as mudanças pareçam ter sido mais bruscas onde ocorreram as transformações na agricultura, permitindo de certa maneira uma oposição melhor caracterizada, às vezes ‘caricaturizada’, entre o rural e o urbano, elas também ocorreram no interior das cidades, ou seja, a cultura urbana também não é mais a mesma.

Alguns objetos tornaram-se ícones dessa mudança, especialmente a televisão, mas também os telefones e, mais recentemente, os computadores, enfim equipamentos que teoricamente ampliariam as relações humanas, mas que efetivamente provocaram o isolamento, afetando a efervescência que existia nas cidades como pontos de encontros. Como assinala Hobsbawm (1995, p. 301), a difusão da televisão tornou desnecessário ir a futebol (e também ao cinema, apresentações culturais, celebrações religiosas, encontros e debates políticos) e o telefone substituiu (ou diminuiu) as conversas e encontros nas praças e feiras111.

No entendimento de Lefebvre (2001a), o duplo processo de industrialização/urbanização ao passo que promoveu uma explosão da cidade, trouxe também elementos para a sua implosão, já que sua população e território cresceram sem que pudessem manter seus atributos antigos. Este processo faz parte de um certo racionalismo cujas ações ignoram o urbano, produzindo separações, enquanto a essência do urbano é a reunião. Portanto, o mesmo autor reconhece ao lado de uma crise mundial da agricultura e da vida camponesa tradicional, uma crise mundial da cidade tradicional, o que produziu mutações em escala planetária. Pode-se dizer, então, que o que ainda designamos como cidade e urbano, difundidos e popularizados, adquirem natureza diferenciada daquela anteriormente existente.

Perfila-se um modo de viver urbano, que penetra no campo, comportando sistemas de objetos e valores:

Os mais conhecidos dentre os elementos do sistema urbano de objetos são a água, a eletricidade, o gás [...] que não deixam de se fazer acompanhar pelo carro, pela televisão, pelos utensílios de plástico, pelo mobiliário ‘moderno’ o que comporta novas exigências no que diz respeito aos ‘serviços’. Entre os elementos do sistema de valores, indicamos os lazeres ao modo urbano [...], os costumes, a rápida ação das modas que vêm da cidade. E também as preocupações com a segurança, as exigências de uma previsão referente ao futuro, em suma uma racionalidade divulgada pela cidade. Geralmente a juventude [...], contribui ativamente para essa rápida assimilação das coisas e representações oriundas da cidade (LEFEBVRE,

2001a, p. 11-12).

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Os objetos são cada vez mais mediadores da vida cultural, aprofundando processos como esse indicado por Hobsbawm, já que por meio de novas tecnologias possibilitou-se uma percepção da simultaneidade no mundo. Se desde o século XVIII até o século XX a imprensa conseguiu ideologicamente produzir opiniões padronizadas, os novos meios de comunicação tornaram a emoção conduzida e sincronizada (VIRILIO, 2004).

Com isso, tende-se a apagar a distinção cultural entre cidade-campo, mas em decorrência da maneira contraditória como ocorre, permanecem ‘ilhas’ de ruralidade e significativa parte do que se considera como cidade é interpretada, na mesma perspectiva teórica, como espaços de mediação entre o campo e a cidade, cuja expressão brasileira seriam as favelas. Entretanto, continuamente a favela se consolida e oferece um sucedâneo à vida urbana, miserável, no entanto intensa (LEFEBVRE, 2001a, p. 75). Serão as favelas espaços mediadores ou substitutos das cidades? Ou são espaços que expressam a contradição existente no processo de urbanização precária, sobretudo em países como o Brasil, convertendo-se na cidade possível e concreta mediante as circunstâncias em que é produzida? É preciso considerar que compõem o grupo de novos citadinos tanto os que querem como os que precisam viver ou sobreviver nas cidades. São estas pequenas trilhas abertas por uma reflexão mais ampla, cujo aprofundamento resultaria em outros rumos para o trabalho.

É certo, então, que as mudanças econômicas e seus efeitos foram acompanhados por abrangente transformação cultural, alterando valores que permeiam e estabelecem relações sociais, bem como na forma e no volume de consumo, fatores relevantes para compreender o significado das pequenas cidades, em especial no que se refere aos seus papéis de localidades centrais. Abordar estas mudanças culturais é tratar da modernidade e da efemeridade que a acompanha, como algo mais que, embora aparentemente tão solidificado, desfaz-se no ar.

A produção de uma nova cultura decorre do que se passou com as pessoas quando se estabeleceu uma condição de vida diferente. Se havia um mundo dual, segmentado em rural e urbano, com as modificações ocorridas esses conceitos tornaram-se questionáveis. O debate acadêmico sobre o rural e o urbano transita por esses processos de mudança, mostrando que eles não podem mais ser atribuídos, automaticamente, a determinados espaços. O contexto regional em mudança soma-se a essa transição.

2.3.1 O rural e o urbano

Existem diversas tentativas e critérios para se delimitar o rural e o urbano, tarefa que, se já era complexa antes, atualmente aproxima-se tanto do impossível quanto da inutilidade. Critérios estáticos e limitados de diferenciação facilitam aplicações pragmáticas, freqüentemente prisioneiras do curto prazo, para fins estatísticos e administrativos, mas que pouco contribuem para o entendimento das dinâmicas sociais. É o que ocorre com critérios administrativos que usam o urbano e o rural como adjetivos territoriais; estabelecimento de um patamar demográfico, ou

de determinada densidade, para qualificar uma área como urbana de acordo com o número de habitantes por quilômetro quadrado112; ou ainda, de acordo com a natureza das atividades econômicas da população.

Essas são maneiras descontextualizadas de compreender o rural e o urbano, que não são, em uma expressão de Dhurkheim, fatos sociais (RODRIGUES, 1984) ou coisas dadas. Ao contrário, são dimensões produzidas no decorrer da história, e que merecem ser estudadas nesta perspectiva e, só a partir daí, as contribuições podem ser significativas.

O processo de urbanização com o capitalismo atinge proporção inédita, instigando dúvidas quanto às formas que sua expressão poderá atingir, como a de M umford (1965, p. 11): “Desaparecerá a cidade ou – o que seria outro modo de desaparecimento – transformar-se-á todo o planeta numa enorme colméia urbana?”. Ou, entendimentos como de Beaujeu-Garnier (1997) que sinaliza para uma civilização urbana, propagada a partir das cidades, mas não limitada a ela, já que se refere a costumes e hábitos. Observa-se que, em concepções como esta, o urbano não se restringe a um território113. Trata-se de um adjetivo de maior amplitude, que qualifica uma série de abrangentes modificações.

Em convergência, Wirth (1979, p. 93-95) entende o urbano como um modo de vida, alegando que a urbanização já não denota meramente o processo pelo qual as pessoas são atraídas a uma localidade intitulada cidade e incorporadas em seu sistema de vida. Refere-se, também, àquela acentuação cumulativa das características que distinguem o modo de vida associado com o crescimento das cidades e concretizado além dos limites das mesmas.

Retomando o referencial lefebvreano, o rural e o urbano consistem em condições de vida diferenciadas, produzidas historicamente, ainda que espacialmente descompassadas. Por este viés, rural designa uma condição de vida pretérita, que vem sendo superada material e culturalmente. Lefebvre (1975) fala da comunidade rural como homens débeis ante a natureza. Estes homens cujo aparelhamento técnico é precário são obrigados a dispor de muito tempo na produção de sua sobrevivência. Eles constituem-se em grupos sociais coesos para realizar o

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Com essa afirmação não se nega o significado do debate da densidade demográfica nos assentamentos humanos, que tem se tornado bastante relevante, no sentido de qualificar o urbano, mas não no sentido de conceituá-lo, até porque as formas urbanas dispersas têm provocado baixíssimas densidades, deixando, portanto, de ser esse um atributo relevante na definição da cidade.

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Do ponto de vista territorial, uma das saídas conceituais que vem sendo utilizada é a idéia de continuum urbano, apresentada por Clark (1985, p. 109), bem como por outros autores, a maioria deles inspirados na realidade dos Estados Unidos, onde o grau de dispersão urbana é mais expressivo.

árduo trabalho agrícola. Este trabalho não tem nada a ver com a operação de tratores agrícolas com cabines de ar condicionado dos tempos atuais. A vida rural, examinada de um ponto de vista conhecedor dos avanços realizados, significa uma situação humana em que a sobrevivência só é possível com muito trabalho. O resultado deste trabalho oferece o mínimo necessário para viver. Esta condição social de vida é exatamente a encontrada por Cândido (1971) em estudo sobre a vida rural brasileira na primeira metade do século XX. O autor estudou vários aspectos dos habitantes rurais (os caipiras). A precariedade parece tanto maior, pois o desenvolvimento social da produção gerou novos padrões de consumo, modificando os parâmetros, bastante distanciados dos padrões mínimos tradicionalmente estabelecidos na vida rural, convertidos em padrões de miséria (CÂNDIDO, 1971, p. 223).

Era uma sociedade extremamente autoritária, estóica e permeada por costumes e expressões de disciplina coletiva, que determinava a sua própria manutenção ao manter o casamento como indispensável, às vezes involuntário, seguidamente arranjado entre os pais. A educação era extremamente rígida e em muitos casos não incluía a escola. As relações de compadrio e parceria eram valorizadas, pois a sobrevivência passava pelo suporte coletivo. Sociedade extremamente religiosa, o compadrio instituía-se através do batismo. Explica Cândido (1971, p. 245) que o compadrio, consiste em “[...] relação afetiva entre os compadres [...] criava possibilidade ou disposição para intercâmbio mais intenso: convivência, prestação de serviços, assistência mútua, etc.”, pois conforme já se mencionou anteriormente a organização e a disciplina coletiva eram fundamentais ao funcionamento desta sociedade.

Os valores expressos como característicos da vida caipira foram dissolvidos rapidamente, considerados atualmente como picarescos. Algumas práticas mantidas são consideradas resquícios. As permanências devem, contudo, ser reconhecidas. Sobre as mudanças na cultura caipira, Cândido (1971) explica que “a noite cai depressa nos povos sem escrita.” 114.

Não há como discordar que os valores e interesses urbanos traduziram-se em costumes disseminados por quase todo o território, compondo uma cultura diferenciada. Contudo, este processo pode ser compreendido de maneira mais ampla, como uma nova condição de vida, a

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condição urbana, produzida no âmbito do modo capitalista de produção. Se o rural significa limitação, o urbano representa uma condição social em que, teoricamente, é possível superar a precariedade, ainda que tal superação se mantenha no plano das perspectivas otimistas.

Aos poucos, o moderno incorporado por essa nova condição de vida passou a ser um termo elogioso, ao passo que para o triunfo da nova ordem capitalista se promovia o descrédito da cultura popular, “[...] amesquinhando e conspurcando tudo quanto ela criara, contestando-lhe a moralidade e ridicularizando-lhe a estética, qualificando de grosseiras ou bárbaras todas as suas mais altas realizações”. M as a condição de vida moderna não trouxe ao homem, genericamente reconhecido, a esperada superação da precariedade, pois, “A despeito de suas máquinas, ele continua passando fome no meio da fartura [...]” (MUMFORD, 1958, p. 205 e 298).

A quantificação e a qualificação da sociedade brasileira como de forte tendência urbana é resultado de um processo paulatino115, histórico, que produziu notáveis transformações na sociedade brasileira. Registra Holanda (1987), em Raízes do Brasil em um capítulo denominado Herança Rural, a ditadura exercida pelos domínios rurais no Brasil Colônia. Neste período, havia uma primazia da vida rural. Igualmente Santos (1996b, p. 19), ao buscar as raízes da urbanização brasileira, demonstra como foi lento o processo de transferência da população para as cidades, pois durante séculos o Brasil foi um país agrário. O autor argumenta que foi necessário mais de um século (século XVIII a século XIX) para que a urbanização brasileira atingisse a maturidade; e mais um século para que assumisse as características atuais. É preciso ter referenciais como estes e de trabalhos como o já mencionado de Cândido para que se possa perceber que foram muitas as transformações ocorridas desde esse ‘Brasil essencialmente rural’, embora o país prossiga como um país significativamente agrícola.

Portanto, a questão do Brasil ser urbano, ou não, é mais ampla do que seus dados demográficos, vistos sem historicidade116. Todavia, recuperar a discussão, contrapondo elementos do Brasil pretérito, demonstra que intensas mutações ocorreram com a economia, território,

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O processo de urbanização no Brasil é freqüentemente considerado rápido, e assim o foi, principalmente na segunda metade do século XX. Entretanto, neste texto considera-se uma escala temporal maior. O processo denominado de paulatino refere-se à produção da condição social que tornou possível a transferência da população do campo para a cidade no Brasil. Prado Jr. (1998, p. 42) auxilia nesta argumentação mostrando como foi difícil, há mais ou menos um século e meio de colonização, o abastecimento alimentar dos centros urbanos. Apesar de neste período estes serem muito pequenos, havia neles uma população dedicada, sobretudo, à administração e ao comércio, sem tempo nem meios para ocupar-se de sua subsistência e cujo número era suficiente para fazer sentir o problema de sua manutenção. Estas questões tiveram que ser superadas para que o processo de urbanização pudesse ocorrer com o ritmo adquirido recentemente.

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sociedade e, enfim, com a cultura brasileira. Apesar de tantos ‘solavancos’, as assimetrias sociais prosseguem. Como afirma Harvey (1980, p. 266) “A pobreza urbana é, na maior parte dos casos, pobreza rural reorganizada dentro do sistema urbano”, que se complementa com o que ensina Ribeiro (1996, p. 19-40) sobre o processo de urbanização que ocorre sem gerar uma urbanidade correspondente, conforme já mencionado na introdução.

Na região Noroeste do Paraná, no período em que houve o predomínio da economia cafeeira, encontravam-se características semelhantes àquelas encontradas por Cândido no Estado de São Paulo. Embora a cafeicultura estivesse amparada em relações comerciais tão bem articuladas com o mercado mundial, a peculiaridade com que era produzido na referida região faz com que os elementos explicativos sejam parecidos.

As pequenas propriedades e o uso da mão-de-obra familiar exigiam a disciplina cotidiana para a execução das atividades diárias relacionadas ao cultivo do café, ou mesmo do algodão e outros produtos obtidos com o trabalho no estabelecimento agropecuário para o consumo da família, já que só se compravam mercadorias que não era possível produzir.

Os casamentos já nem sempre arranjados, ainda resultavam de relacionamentos muito controlados moralmente pela família e pela sociedade local. Eram realizados, costumeiramente, após as colheitas agrícolas, período em que havia condição financeira para as celebrações festivas e constituição de novas unidades familiares.

Apesar da participação num espaço-tempo articulado internacionalmente, por meio da comercialização dos produtos agrícolas, os habitantes do campo possuíam uma cronologia baseada no ritmo da natureza, em tempos em que esse ainda tinha relação com o ritmo da produção agropecuária117. A modernização trouxe ao campo o império do tempo medido, no qual a obediência às condições naturais diminuiu e o calendário agrícola incorporou elementos do conhecimento técnico e científico (SANTOS, 1996a, p. 243).

A religiosidade era mais expressiva, bem como as relações sociais que nela se estabeleciam, como aquelas de compadrio. Eram comuns as quermesses, ou festas religiosas realizadas nas pequenas cidades, bem como nas diversas paróquias distribuídas pelo interior dos municípios.

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Brandão (1983, p. 58) mostra esse ritmo cronológico, explicando que “ Dentro de um ‘calendário agrícola’ que começa em setembro e termina em outubro do outro ano, atividades de trabalho na roça alternam-se com períodos de menor ocupação com a lavoura. Entre setembro e novembro ocorre o tempo de plantio mais intenso de feijão e milho, assim como de outras ‘roças’ menos comuns. Entre fevereiro e março são feitas as colheitas do ‘grande plantio’. Mas entre fins de abril e começo de agosto acontece o grande período de colheitas que antecede o tempo da ‘vagante’ maior, que ocupa os meses de agosto, parte de setembro e uma fração de outubro, na dependência de quando começam as chuvas”.

Poucas dessas festas resistiram às transformações culturais e, só muito recentemente, algumas vêm sendo retomadas como atrativo turístico. Todavia, é mais comum atualmente que se realizem festas nas sedes municipais, freqüentemente laicizadas, cuja tematização baseia-se em motivos gastronômicos ou vincula-se a motivos econômicos, com produtos que possuam projeção econômica suficiente para criar vínculos de identidade com as localidades.

Outro modo de diversão existente nas cidades da região eram os enormes cinemas, tal como já se mencionou no primeiro capítulo, vários ainda presentes na paisagem dessas localidades como recintos refuncionalizados. M uito mais do que projeção de filmes, o cinema promovia uma festa antes e depois das sessões. Era um momento de encontro dos jovens, que são, atualmente, os pioneiros locais, que recordam nostalgicamente sessões lotadas, nas quais predominavam filmes do Mazzaropi118.

A acelerada transitoriedade faz com que a condição de vida produzida no âmbito capitalista seja profundamente alterada no curso de uma geração. Não há um modelo completo de reprodução da vida e de valores que prossiga entre gerações subseqüentes.

As transformações culturais que ocorreram na região decorreram das mudanças nas condições materiais de vida que foram expressivas na região, mas também fizeram parte de uma lógica ampla que atingiu o Brasil como um todo, convertendo-o de país agrário em um país urbano. Os novos valores difundiram-se rapidamente, veiculados basicamente pela televisão. É nesse momento que Becker e Egler (1998, p. 169-170) entendem que o Brasil inaugurava a modernidade com a coexistência da pobreza.

Não a pobreza primitiva, mas aquela iluminada pela pequena janela das telas dos aparelhos de televisão, que se espalhavam nas centenas de milhares de casas, casebres e favelas. Conectando ricos, remediados e pobres no mundo ilusório e utópico das novelas e dos noticiários programados, a ideologia eletrônica da televisão cumpriu no Brasil um papel único no mundo, enquanto instrumento de política social e formação de opinião durante o período autoritário e depois dele.

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Amácio Mazzaropi (1912-1981) nasceu em São Paulo, mas viveu em Taubaté, mesma cidade de Monteiro Lobato. Começou sua vida artística num circo teatro, passou pela televisão, mas sua maior produção foram cerca de trinta filmes nos quais atuava como diretor e ator, quase sempre incorporando o personagem do Jeca. Ele retratava uma pessoa saída do interior, trajada como tal e que se atrapalhava com objetos urbanos como os elevadores e as escadas rolantes (considerado por alguns como uma versão de Carlitos brasileiro), abordava temas exatamente de uma sociedade em plena mudança de valores: as relações familiares abaladas pelo divórcio, as solteiras, mas também a política nos moldes interioranos, os conflitos fundiários e idéias associadas à progressão social como heranças inesperadas, loterias e casamento.

Foi assim que a dimensão cultural, ancorada na televisão e com amplo alcance nacional, teve significativo papel no processo de modernização econômica brasileira, ocorrida com teor tão excludente. A inviabilização da permanência de maioria dos pequenos estabelecimentos agropecuários e a eliminação de postos e das várias formas de relação de trabalho no campo são expressões concretas desses eventos na região estudada.

2.3.2 Alterações no consumo

O declínio da sociedade rural é acompanhado por mudanças no consumo, pois junto com ela diminui a produção para subsistência e o