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Campos e Barbosa (2015) apontam que, para discutirmos a história da Educação Infantil, precisamos considerar todas as lutas, em suas diferentes dimensões (ideológica, econômica e social) que envolvem uma profunda reflexão sobre o papel da mulher, da família e das crianças na sociedade.

Vitória (2016) aborda que o atendimento às crianças de 0 a 6 anos no Brasil tem em torno de cento e oitenta anos, inicialmente vinculado a cursos livres, como a pré-escola, e ao assistencialismo, como creche, comumente destinado a crianças de baixa renda, perpassado por influências higienistas, até percorrer objetivos educacionais. A autora afirma que, com certeza, a forte demanda social impulsionou conquistas e avanços referentes à formação de professores e financiamento. Caracteriza que um dos maiores desafios para a concretização da identidade da Educação Infantil está intrinsecamente ligada à discussão de um currículo e proposta pedagógica.

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho, configura-se uma nova necessidade social, um lugar para deixar as crianças. As lutas pelas creches nascem desta organização da sociedade dita moderna e passa a ser reforçada pelos movimentos feministas que reivindicam os direitos das mulheres. Com o tempo, passa-se a questionar a qualidade do atendimento destas instituições e, por meio de outras disputas e discussões, a creche passa a ser defendida e exigida como um direito das crianças, sendo garantida oficialmente na Constituição Federal (BRASIL,

1988) que, em seu artigo 205, apresenta a educação como um direito fundamental, determinando que

[...] a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Campos e Barbosa (2015) ressaltam que, com o reconhecimento da Educação Infantil como parte da Educação Básica na Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei nº 9.394, de 1996) dando vazão para esta política pública, as atenções se voltam para a práxis pedagógica buscando romper práticas meramente assistencialistas, colocando na pauta discussões de concepções de criança e infância, num movimento em que havia muitas disputas permeadas por avanços legais e alguns retrocessos.

Podemos destacar um documento dessa época, bastante importante – Critérios para um

atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças –, escrito por Maria

Malta Campos e Fúlvia Rosemberg, o qual aborda os direitos das crianças, explicitados abaixo, esmiuçando, com exemplos no texto, cada um deles:

 Nossas crianças têm direito à brincadeira

 Nossas crianças têm direito à atenção individual

 Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante

 Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza

 Nossas crianças têm direito a higiene e à saúde

 Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia

 Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão

 Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos

 Nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade

 Nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos

 Nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu período de adaptação à creche

 Nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa (CAMPOS; ROSEMBERG, 2009, p. 13).

Este texto é considerado um marco para a educação de bebês e crianças bem pequenas, pois até então não tínhamos menção em documentos do MEC sobre o trabalho pedagógico realizado nas creches. Podemos verificar que seus apontamentos são atemporais e permanecem válidos nos documentos posteriores.

Um exemplo de retrocesso foi a Emenda Constitucional (PEC - nº 233/1995), a qual sentenciava que a Educação Infantil de zero a três anos, devido a não ser prioridade no governo, sob o mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso, deveria ser ofertada por meio de parcerias da sociedade civil com o Estado.

O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI, 1998), um marco muito importante para essa etapa da educação, legitima seu caráter pedagógico, porém este material sofreu muitas críticas, principalmente por trazer uma organização por áreas de conhecimento, conformando-se a lógica estabelecida ao Ensino Fundamental.

Em 2009, impulsionada pelo Parecer CNE/CEB nº 20, foram legitimadas as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (DCNEI), documento de caráter mandatório no qual encontramos os princípios que devem ser respeitados nas propostas pedagógicas da Educação infantil:

 Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades.

 Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.

 Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2009, p. 16).

A proposição de um documento regulatório visa enaltecer as singularidades da Educação Infantil, rompendo com a nossa tradição que tinha como escopo a preparação para o Ensino Fundamental, efetivando-se por meio de práticas escolarizadas, numa perspectiva que respeite proposições trazidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que considera a criança como

Sujeito histórico e de direitos que as interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009, p. 12).

As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira e garantir experiências que:

Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;

Favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical;

Possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos;

Recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço-temporais;

Ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas;

Possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;

Possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e conhecimento da diversidade;

Incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza;

Promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura;

Promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais;

Propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras;

Possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. (BRASIL, 2009, p. 25-27).

Destacamos ainda a alteração na Lei nº 12.796, de 2013, que em seu artigo 26 define que todos os currículos, da Educação Infantil ao Ensino Médio, deverão ter uma base nacional comum. E a Lei nº 13.005/2014, que promulgou o Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014, que reafirma a necessidade de

[...] estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa [União, Estados, Distrito Federal e Municípios], diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitadas as diversidades regional, estadual e local. (BRASIL, 2014).

Sendo a Educação Infantil parte da Educação Básica, deverá ser contemplada na BNCC. As DCNEI (2009) representam um certo consenso na Educação Infantil, sendo um documento maior; ou seja, a Base dele derivou das Diretrizes e orienta o trabalho pedagógico.